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— Essas são todas as disponíveis? — perguntou Ana, sua voz calma, mas com uma ponta de impaciência.
A mercenária percorreu os corredores do galpão, seus olhos fixos na coleção dispostas em longas fileiras. Atrás dela, um homem usando uma máscara de madeira esculpida em um sorriso exagerado, que parecia ter sido entalhada com cuidado, respondeu com entusiasmo.
— Sim, minha senhora! Estas são todas.
Havia uma animação quase perturbadora em sua voz, como se ele estivesse genuinamente feliz por ajudar. Ana estudou-o por um momento, ponderando sobre o quão estranho era todo aquele cenário. Mais cedo, ela ordenara que os habitantes tirassem suas máscaras, pois achava assustador andar em meio a tantas pessoas com os rostos cobertos. Todos os quase quinhentos habitantes obedeceram prontamente, revelando rostos inexpressivos.
No instante em que viram aquelas feições vazias e sem vida, todo o punição divina, por unanimidade, pediu para colocarem de volta em meio a arrepios. Depois de uma breve reflexão, decidiram que seria melhor que todos usassem máscaras. Pelo menos, assim, a situação parecia menos estranha, haveria uma uniformidade que tornaria o ambiente mais suportável.
— Não faz sentido ter tantas… — murmurou a nova rainha, seguindo a passo lento.
— Muitos habitantes morreram ou foram escravizados ao longo dos anos, então várias máscaras ficaram sem donos.
Ana lembrou-se do par de gladiadores que havia visto em Tenebris, figuras tão distantes da vida, quase como fantasmas, e acenou em entendimento.
Seus dedos passavam pelos entalhes e superfícies das peças expostas, sentindo a textura fria da madeira, do metal, do couro. Havia tantos tipos diferentes: algumas simples e elegantes, outras complexas e detalhadas, cada uma carregando uma história, uma personalidade própria.
Eva, que caminhava logo atrás, parou abruptamente ao ver uma máscara de raposa em tons vermelhos suaves, com detalhes refinados. Seus olhos brilharam com entusiasmo.
— Essa é fofa demais! — disse a garota ruiva, sorrindo. — Vou ficar com ela.
Ana lançou um olhar de aprovação, enquanto a menina vestia a máscara com cuidado, como se fosse um tesouro.
Pouco depois, Alex parou diante de uma representação de oni azul, com chifres curvos e uma expressão feroz. Ele a observou por um momento, pensativo, antes de também vesti-la.
— Combina comigo... — murmurou ele, meio brincando, meio sério. — É meio clichê, mas tanto faz.
Ao lado do pugilista, Luiz puxou uma máscara preta e simples, sem adornos ou detalhes. Ele a observou com um olhar crítico antes de dar um pequeno sorriso.
— Gosto da elegância — disse, colocando-a no rosto.
A Sombra, por outro lado, escolheu um rosto de ópera com um sorriso torto que parecia refletir sua própria natureza enigmática. Ela deu de ombros, mantendo o silêncio, ajustando-a no rosto para que se encaixasse perfeitamente entre seus chifres. Seus olhos amarelados brilharam por trás da máscara, conferindo-lhe um ar ao mesmo tempo belo, misterioso e assustador.
Ana, por sua vez, torceu o nariz, insatisfeita com as opções. Nada parecia agradá-la. Ela experimentou uma atrás da outra enquanto caminhava pelos corredores. Nenhuma parecia certa. Algumas eram excessivamente ornamentadas, outras muito simples, mas nenhuma parecia captar sua real essência.
Finalmente, ao fundo de uma das prateleiras, ela encontrou uma máscara que imediatamente capturou sua atenção. Era uma peça singular e marcante, construída com um equilíbrio entre o grotesco e o elegante. A metade direita da máscara era forjada em um metal escuro e opaco, com listras brancas e finos sulcos se espalhando como veias. Seus olhos eram serenos e autoritários, mas algo nela criava uma sensação de inquietude ao se observar por muito tempo. Para completar, um chifre negro, robusto e sinuoso, surgia dessa metade, curvando-se para trás de forma ameaçadora, como se estivesse prestes a atacar a qualquer momento.
A metade esquerda, em contraste, apresentava um design mais fluido, com feições suaves e uma textura completamente branca. Apesar de sua simplicidade, essa parte branca trazia um temor inexplicável, superando em muito a ameaça óbvia da metade escura. Desta metade emergia um chifre branco, perfeitamente esculpido, que se curvava com a mesma elegância do chifre negro, mas com uma aura que misturava pureza e mistério. O olho dessa face parecia sorrir, mas não de uma forma acolhedora; era um sorriso torcido, um misto de agonia e prazer, como se a máscara estivesse aprisionada em um eterno conflito interno.
Pequenos detalhes metálicos e linhas finamente gravadas percorriam a superfície da máscara, conectando as duas metades de forma quase imperceptível, mas carregando uma tensão entre o caos e a ordem, entre a insanidade e a frieza calculada. Ao colocá-la no rosto, Ana sentiu que a máscara não se ajustava perfeitamente, deixando uma leve folga que parecia realçar o desconforto que ela transmitia. Contudo, isso não era um problema; era algo que poderia ser ajustado facilmente no futuro.
Todos no grupo a encararam por um momento, e Eva foi a primeira a falar.
— É… bizarro… combina bem com você…
Os outros assentiram, meio culpados pelo julgamento controverso em relação a sua líder, mas Ana deu um leve sorriso, satisfeita.
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— Gostei dos chifres — comentou a Sombra, animadamente, ao ver a semelhança com os seus próprios.
— Então é isso — disse Ana, alinhando melhor o item em seu rosto. — Vamos ficar aqui por um tempo, então é melhor se acomodarem. Irei ver alguns assuntos internos. Leve-me até o laboratório — acrescentou, voltando-se para o homem que aguardava próximo a porta.
O mascarado fez uma reverência, ainda com o mesmo entusiasmo, e começou a guiá-la para o local. Ana desceu as escadas, sentindo o ar tornar-se mais denso e sombrio à medida que avançavam para o subsolo. As paredes do shopping, antes lisas e modernas, agora estavam adornadas com detalhes rústicos, dando uma aparência medieval ao ambiente.
"Me pergunto se fizeram isso por gosto ou puro tédio", pensou Ana, intrigada pela escolha.
Por fim chegaram a uma sala surpreendentemente bem iluminada. Frascos e equipamentos médicos estavam espalhados por toda parte, organizados de forma funcional em mesas improvisadas. Em um canto, uma pia de inox e algumas tomadas estrategicamente posicionadas indicavam que aquele lugar, em algum momento, fora uma cozinha para funcionários. Do lado oposto, uma grande gaiola, claramente forjada às pressas, prendia seis bestiais, três homens e três mulheres.
Estavam visivelmente amedrontados, mas mesmo assim seus olhos ainda brilhavam com uma fúria indomada. Eram expressões desafiadoras que seguiam cada movimento de Ana, que os encarava de volta com uma calma quase sobrenatural.
— Vocês só têm a si mesmos para culpar. Sabe, por serem fracos — murmurou a rainha.
O homem sorridente que a acompanhava entregou-lhe uma prancheta e uma caneta, como se essa fosse uma rotina comum. Ana pegou os itens e começou a desenhar com movimentos ágeis, seus olhos ainda espreitando os prisioneiros de tempos em tempos.
— Fizeram um bom trabalho. Já temos bastante coisa aqui.
— Sim, minha senhora. Mas, infelizmente, conseguimos poucos equipamentos avançados. Não deu para recuperar muita coisa dos escombros, mas já estamos vasculhando a cidade em busca de tudo que possa ser útil.
— Ótimo — respondeu Ana, sem levantar os olhos do esboço. — Como está o andamento da limpeza da cidade?
— Estamos removendo as construções caídas e avaliando quais prédios ainda podem ser utilizados — respondeu o homem, a voz carregada de um profissionalismo meticuloso.
— Quero ver os planos para os muros quando forem iniciar a construção. Devem vir falar comigo antes de qualquer coisa.
— Entendido. Vou avisar Gabriel.
Fazendo uma leve reverência, ele começou a se retirar, deixando Ana sozinha com seus pensamentos e o som das muitas respirações.
Ela continuou desenhando por mais alguns momentos, cada traço na prancheta era calculado, preciso. Seus pensamentos, no entanto, estavam longe. Havia muito o que ser feito, e ela precisava manter o controle sobre cada detalhe. A cidade estava em ruínas, mas sob sua liderança, ela seria reconstruída — não como era antes, mas de acordo com sua visão, seus desígnios. Tudo em função de um objetivo maior.
Com um profundo suspiro, traçou a última linha no retrato que fazia de uma das mulheres. Ela se recostou na cadeira, sentindo cada músculo do seu corpo relaxar após o tempo concentrada naquele esboço. Esticou os braços para cima, em uma espreguiçada longa e preguiçosa, e, com um leve resmungo, começou a desamarrar as correias que seguravam sua armadura no lugar.
Uma a uma, as peças de metal e couro foram sendo removidas, emitindo um tintilar metálico suave enquanto eram colocadas de lado. O peso das placas de metal que caíam no chão ecoava pela sala, marcando o alívio que Ana sentia ao se libertar daquele fardo.
— Fico tanto tempo com essa coisa que esqueço o quão bom é ficar livre… Vocês são espertos, os melhores momentos da minha vida foram quando me entreguei à natureza. Mas, com o tempo, isso fica entediante.
Aos poucos, revelava seu corpo, coberto apenas por um top desgastado que mal cobria seu busto. Os bestiais na cela a encaravam, surpresos e aterrorizados. Cicatrizes cobriam cada pedaço, como uma poesia de sua sobrevivência. Embora bem cicatrizadas, as marcas em relevo sugeriam que seu corpo havia sido remendado inúmeras vezes, como uma colcha de retalhos costurada de carne e ossos.
Ignorando os olhares dos prisioneiros, Ana caminhou até uma geladeira próxima e abriu a porta com um gesto casual. Lá dentro, um cooler cheio de carne de alguma criatura repousava. Após remover cuidadosamente a máscara, sem cerimônia, pegou um pedaço e começou a mastigar, apreciando a textura e o sabor com calma. Com um movimento rápido, jogou o recipiente para dentro da cela, onde os prisioneiros se aglomeraram ao redor.
— Sirvam-se, precisam comer bem — disse ela, sem uma preocupação real em seu tom.
Voltando para sua cadeira, Ana se acomodou novamente, cruzando as pernas enquanto seus olhos percorriam as marcas em seu corpo.
— Sempre lembro-me de como a mana é... incrível. No passado, modificações genéticas eram praticamente impossíveis. Quase tudo morria. Mas com a mana... a adaptabilidade e a recuperação atingiram um nível inimaginável.
Ela fez uma pausa, observando as reações dos prisioneiros, que estavam claramente em confusão.
— Por um tempo, eu pensei que isso aqui — ela passou a mão sobre suas cicatrizes, seu corpo — era o suficiente. Mas então, eu vi vocês, e entendi que sou apenas a base da pirâmide! André não estava errado. Olhem para os seus corpos! A humanidade comum é realmente inferior! Eu quero o que vocês têm. Claro, sem as partes ruins. Não quero ficar estúpida.
No instante em que terminou de falar, a porta da sala se abriu, revelando dois mascarados, um homem alto e magro, e uma mulher grande e robusta.
— Chegaram no momento perfeito — murmurou a mercenária, colocando novamente a máscara. Apontando para um dos bestiais na cela, ela perguntou. — Como você se chama?
— Eu… Lucas — o homem corrompido hesitou antes de responder com a voz tensa.
— Prazer, Lucas. Saiba que quanto mais você aguentar, menos os outros vão sofrer.
Lucas piscou, confuso, tentando compreender o que ela estava dizendo. A impaciência começou a crescer dentro de Ana, e ela revirou os olhos, claramente irritada com a falta de compreensão.
— Peguem-no — ordenou aos mascarados, sem dar espaço para questionamento. — Prendam-no na mesa de operações.
O prisioneiro, percebendo tarde demais o que estava para acontecer, tentou resistir, mas era inútil. Com a força combinada dos dois, ele foi arrastado até um canto do laboratório semi completo, onde foi imobilizado com correias grossas de couro. Ana observou a cena com uma calma perturbadora, seu olhar fixo nele como um predador que observa sua presa.
— Agora, vamos ver do que você é feito.
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