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A Eternidade de Ana [Português, Brasil]
Capítulo 169 - Força que Surge na Dor

Capítulo 169 - Força que Surge na Dor

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Finalmente, um avanço concreto surgiu: a primeira peça foi montada corretamente pelo jovem. Ao menos a parte técnica, já que ele ainda não tinha braços para fazer o trabalho completo. Natalya, vendo a construção funcional, acenou com aprovação.

No mesmo dia, a dupla avançou para o próximo passo.

O processo foi brutal.

Natalya trouxe as peças necessárias para a finalização do braço restante e da perna — designs simples e funcionais. Nada de adornos ou complexidades desnecessárias, apenas superfícies lisas e algumas runas localizadas estrategicamente para otimizar o fluxo de energia.

— Não use engenharia mágica. Seja engenharia mágica.

A cirurgia começou com a perna. Natalya ajustou os instrumentos com precisão antes de desinfetar o toco do membro. Seus movimentos eram seguros, cada ação acompanhada por murmúrios técnicos enquanto preparava a interface entre o osso e a prótese.

— Não podemos usar anestesia, preciso que me fale imediatamente caso alguma ligação não conecte corretamente a seus nervos — avisou, pegando uma furadeira com uma broca fina e afiada. — Vai doer.

Sem cerimônia, começou a perfurar o osso do que restava da perna de Felipe. Ele gritou de dor, mas logo cerrou os dentes com força suficiente para quase quebrá-los. Natalya, no entanto, manteve-se focada, ignorando-o enquanto ajustava a profundidade do furo.

— Pare de frescura — sua voz era fria, mas não cruel. — Você quer andar de novo ou não?

Felipe respondeu com um grunhido, sua visão turva pelas lágrimas geradas no processo.

Felizmente, não demorou para o furo ser finalizado, e sem hesitar ela inseriu um pino de metal reforçado por dentro dele, conectando a base do membro com a prótese. O encaixe foi ajustado com precisão, e pequenas runas gravadas na superfície começaram a brilhar levemente, indicando que o fluxo de energia estava estabilizado. Agulhas acopladas se fincaram firmemente na carne do garoto, e como em um estranho milagre, a perna se mexeu.

— Maravilha, seu corpo aceita surpreendentemente bem a integração. Primeiro passo feito. Agora, os braços.

Ao contrário do que o jovem pensou, eles foram ainda mais desafiadores. Com o toco de cada membro cuidadosamente preparado, Natalya repetiu o processo, perfurando os ossos e instalando os conectores. Foram feitos de forma mais cuidadosa, com cada circuito ajustado manualmente, cada conexão demandando uma precisão absurda.

— Você vai sentir isso até a alma — disse ela, enquanto conectava os últimos terminais que ligariam os nervos residuais à interface da prótese. — Respire fundo e não desmaie.

A dor foi excruciante. Felipe gritou, arqueando o corpo na cama enquanto os cabos finos se fundiam ao seu corpo. Era como se linhas em brasa fossem inseridas diretamente em sua carne.

Mas Natalya não parou. Após horas de trabalho exaustivo, deu um passo para trás, limpando o suor da testa.

— Pronto. Não vai ganhar nenhum concurso de beleza, mas vai funcionar.

Felipe olhou para os membros mecânicos recém-instalados, ainda tremendo da agonia do processo. Eram diferentes da prótese que havia feito com Ana. Sentia como se realmente fossem parte de seu corpo, como se sua carne tivesse sido substituída por algo novo e funcional. A sensação era estranhamente familiar e, para sua surpresa, ele não desgostou.

— Levante — ordenou Natalya, cruzando os braços com firmeza.

— Levantar? — ele mal conseguia acreditar que ela estava falando sério. Ainda sentia os resquícios dos múltiplos cortes da instalação e o peso das próteses parecia esmagador.

— Sim, levantar — o tom dela era impaciente. — Se os conectores não se adaptarem enquanto você se move, tudo vai calcificar de forma errada. E se isso acontecer, vai ficar torto para o resto da sua vida.

Felipe fechou os olhos por um momento, respirando fundo para se preparar mentalmente.

— E como eu faço isso sem cair? — rebateu, o tom carregado de sarcasmo.

Natalya deu de ombros, indiferente.

— Simples. Você cai e levanta até parar de cair. Ou você pode desistir agora e ficar deitado como um saco de carne inútil. Sua escolha.

A provocação funcionou. Felipe cerrou os dentes e começou a se mexer, os músculos ainda doloridos tentando se ajustar aos novos membros. Suas pernas tremiam enquanto ele pressionava as próteses contra o chão. Com esforço, conseguiu erguer-se lentamente.

— Nada mal, mas ainda é um começo patético. Ande por aí um pouco e depois descanse. Amanhã você estará de pé às 5h.

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Dito e feito, o treinamento começou no fim da madrugada todos os dias. Natalya o obrigava a se levantar e andar, mesmo quando ele mal conseguia manter o equilíbrio. Cada queda era seguida por uma ordem fria e impassível.

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— De novo. Não tenho tempo para lamentações.

Caminhava mais alguns metros, e logo voltava a cair, seus joelhos marcados pelas quedas e os músculos de seus ombros queimando pelo esforço. Mas a cada vez que se levantava, ele sentia os novos membros responderem um pouco melhor.

Quando não estava sendo torturado pelas sessões de treino, Felipe explorava o local, tentando fugir do tédio do descanso. Não sabia onde estava, e as portas permaneciam firmemente trancadas. O espaço era minimalista e funcional, sem ornamentos ou indícios de conforto.

Apenas um dos pequenos quartos se diferenciava dos demais, pois nele encontrou uma única janela. Ao olhar através dela, só viu nuvens que passavam rapidamente, hora densas e escuras, hora calmas e dispersas. Criavam uma sensação de isolamento ainda maior, mas também traziam um estranho conforto.

— Uma montanha, talvez?

Não sabia onde estava, e por mais que tentasse, não conseguiu obter a resposta da Colecionadora.

Foi em uma destas muitas noites de tédio, enquanto ajustava sozinho as peças desalinhadas de seu corpo metálico, que Felipe notou que um dos muitos kits de ferramentas que Natalya tinha havia sido deixado de lado. Talvez ela não se importasse mais com o que ele fazia, ou simplesmente não achasse que ele teria coragem de mexer naquilo.

Ele não sabia ao certo, mas também não ligava.

Levantou-se com cuidado e se aproximou. O kit estava organizado com precisão: chaves de fenda de vários tamanhos, pinças delicadas para ajustes finos, um pequeno soldador, uma broca manual, lâminas cirúrgicas, fios de diferentes espessuras, conectores de reposição, um martelo e até mesmo um dispositivo portátil de análise de fluxo de energia.

Felipe o manuseou com cuidado, como se fosse um tesouro proibido. Não podia contar quantas vezes pensou em tentar roubar um desses no último mês.

— É realmente uma sorte…

Animado, pegou o martelo e olhou para o próprio braço esquerdo, analisando cada junta e encaixe. Seu olhar endureceu.

Sem hesitar, desceu-o com força sobre a prótese.

O som de metal rachando preencheu o quarto. Ele não parou. Golpe após golpe, destruiu completamente o novo braço, desmantelando-o em peças soltas. Era estranho, mas ele podia sentir a dor do membro sendo destruído, mesmo sendo artificial, então foi obrigado a morder um pedaço de couro, evitando ao máximo gritar.

Havia poucas horas antes de Natalya voltar, ele precisava trabalhar rápido.

Com isso feito, usando as ferramentas do kit, começou a reconstruir o braço com precisão febril. Não tinha peças suficientes, mas só precisava de um único golpe certeiro. Assim, fez um único pino, longo e afiado, implantado diretamente após a junta de seu cotovelo, tornando-se uma arma improvisada. Em sua base, um disparador rudimentar feito com um núcleo comprimido estava esperando o impacto para uma explosão.

Era feio, grosseiro, mas funcional.

Claro, talvez sua vida também acabasse ali, mas estava tudo bem.

Quando Natalya entrou pela porta, ele já estava preparado.

Avançou sem aviso, disparando em direção ao rosto dela. Sua expressão era de pura determinação, mas Natalya reagiu com a mesma velocidade calculada de sempre.

Com um giro rápido do quadril e um movimento de um tipo de jiu-jitsu adaptado, ela agarrou o braço dele, desviando o golpe. Usando o peso do próprio corpo contra ele, Natalya o arremessou no chão com força, o pino passando a milímetros de sua cabeça antes de, por pouco, não se cravar no piso metálico e explodir inutilmente.

Felipe perdeu o ar. A dor no impacto o deixou tonto, e ele mal teve tempo de reagir antes de desmaiar.

A mulher ficou em pé ao lado do corpo inconsciente, os braços cruzados e um sorriso debochado nos lábios.

— Criança tola…

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Quando Felipe abriu os olhos novamente, não estava mais em seu pequeno quarto. Agora, encontrava-se em um colchão no canto de uma oficina ampla, cheia de ferramentas e materiais que nunca havia visto antes. A luz era mais brilhante, e o cheiro de óleo e metal no ar era quase reconfortante.

Para sua surpresa, ele ainda estava com o braço improvisado que usara para atacar a Colecionadora. Além disso, ao olhar ao redor, viu uma infinidade de novos materiais, indo de chapas de metal brilhante até maquinaria complexa.

Se sentou lentamente, o corpo ainda dolorido do golpe, e olhou em volta com olhos cada vez mais arregalados.

— Ela está... Me desafiando? — murmurou, incrédulo.

Sabia que deveria estar furioso, e parte dele realmente estava. Mas, ao mesmo tempo, um riso baixo começou a escapar de seus lábios. Ele não conseguiu segurá-lo. O riso tornou-se mais alto, descontrolado, até preencher toda a oficina.

— Louca... — disse, enquanto ria com lágrimas nos olhos. — Maldita louca!

Com um movimento decidido, desacoplou o braço esquerdo que mal havia terminado de construir com um puxão, sentindo a conexão se soltar com um estalo metálico. Ele olhou para os novos materiais ao seu redor, a mente já fervilhando com ideias.

O som alto de uma serra elétrica foi ouvido pelos corredores por horas enquanto Felipe trabalhava, os olhos brilhando com determinação. Se era um jogo que Natalya queria, ele estava pronto para jogá-lo.

As horas se passaram em um piscar de olhos, e assim que o dia virou e a Colecionadora deu os primeiros passos na oficina, três disparos ecoaram pelo espaço. Pequenos projéteis erráticos, rápidos e improvisados, voavam em sua direção.

O primeiro perdeu o controle, desviando abruptamente e se espatifando contra a parede, deixando uma marca de fuligem.

O segundo passou perigosamente próximo ao rosto dela, quase atingindo, mas acabou explodindo na porta de metal que acabara de abrir, fazendo-a girar a cabeça levemente com o impacto.

O terceiro, no entanto, foi certeiro em direção a seu pescoço. Com reflexos impecáveis, ela o agarrou diretamente no ar com a própria mão. A explosão esperada foi abafada pela força de seu aperto. Quando abriu a palma, viu um pequeno cilindro metálico com runas precárias brilhando fracamente.

Natalya bufou, jogando o item no chão e limpando a mão na calça.

— Amador — murmurou.

Sua mão estava completamente intacta.

Mas o ataque não parou por aí. Um joelho, com uma lâmina acoplada, veio em sua direção com velocidade, mirando seu abdômen.

Natalya reagiu instintivamente, levantando o pé direito e acertando a perna de Felipe com precisão ainda em meio ao golpe, desviando-o e desequilibrando-o. Em seguida, abaixou-se com fluidez e desferiu um chute giratório que o derrubou de costas com força no chão.

— A tentativa de hoje foi bem fraca — comentou, seu tom carregado de tédio e desdém.

Ela se aproximou, pisando com força no peito de Felipe, forçando o ar de seus pulmões a escapar em um som seco. O jovem apenas cuspiu em resposta. Seu olhar estava cheio de ódio e determinação, apesar da dor.

Natalya apenas riu, pegando um saco de comida que trazia e jogando-o no chão ao lado de seu rosto antes de se virar para sair.

— Espere…

A palavra saiu abruptamente dos lábios do jovem antes que pudesse contê-la. Natalya não se virou, mas parou para ouvir.

— Obrigado…

Seus olhos se arregalaram conforme o som parava de ser emitido, como se não acreditasse no que ele próprio estava dizendo. A sala ficou em silêncio por um instante, mas logo uma curiosa voz feminina surgiu.

— Pelo quê?

— Por me dar... Poder.

Natalya riu novamente, mas desta vez o som tinha algo mais — um tom de aprovação sutil.

— Não agradeça ainda, garoto. Primeiro fique forte o suficiente para conseguir sua vingança. Só então tudo isso valerá a pena.

Com isso, ela saiu da sala, e a porta atrás dela se fechou sem emitir um som, deixando Felipe sozinho.

Ele permaneceu deitado por alguns instantes, encarando o teto, sua mente girando.

Algo dentro dele estava mudando. Era uma nova sensação que acompanhava seu avanço, algo que ele não esperava: controle.

Mesmo sem querer, a raiva que mantinha em seu peito começava a se misturar com uma fagulha de orgulho, uma percepção de que estava recuperando algo que achava que tinha perdido para sempre. Pela primeira vez desde que se entendia por gente, ele não se sentia apenas como um sobrevivente.

Estava se tornando algo mais. Algo novo.

Um suspiro pesado escapou de seus lábios, e ele se levantou lentamente, esfregando a poeira da calça antes de voltar à sua mesa de trabalho.

Precisava urgentemente suprir a insaciável fome que o consumia. Ainda havia muito a ser feito. Mais uma longa noite o aguardava e um juramento ecoava por todo seu corpo.

Ele ficaria forte.

Independente de qualquer pessoa.

Independente de qualquer coisa.

Ele.

Ficaria.

Forte.

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