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O lobo rosnava baixo, os pelos arrepiados e os olhos fixos na escuridão da floresta. Lúcia se levantou rapidamente, o coração batendo forte. Havia algo errado. O som abafado de folhas secas sendo pisoteadas e o farfalhar das árvores aumentava a tensão no ar.

— O que está acontecendo? — perguntou a menina, a voz tremendo de preocupação.

O lobo manteve a postura defensiva, sem dar atenção à pergunta. De repente, Ana saiu de entre as árvores, os olhos brilhando com uma estranha animação. A luz da fogueira iluminava seu rosto, destacando a expressão frenética e os olhos levemente arregalados. O lobo mostrou sinais de confusão, e logo se afastou dela, desconfiado.

— Escolha uma direção, rápido!

— O que...? Por quê? — Lúcia tentou entender, mas Ana já estava recolhendo as coisas desajeitadamente, jogando objetos dentro de uma mochila sem a menor organização.

— Escolha logo! — gritou Ana, com a respiração pesada depois de uma fuga apressada.

Desnorteada, Lúcia apontou para uma direção aleatória, os pensamentos correndo tão rápido quanto seu coração.

— Ok! E você, concorda? — perguntou a mercenária ao lobo, que claramente não respondeu. — Silêncio é uma concordância!

Com um gesto exagerado, pegou Lúcia embaixo do braço e saltou sobre o lobo, ignorando os protestos do animal, cujos olhos brilhavam com um misto de incompreensão e relutância.

Nesse instante, alguns homens montados em criaturas que pareciam uma mistura de cavalo com lagarto emergiram das sombras. As intrigantes montarias tinham escamas escuras e estranhos olhos amarelos e brilhantes. Suas garras afiadas rasgavam o solo enquanto se moviam em conjunto com seus movimentos fluidos.

Entre os cavaleiros, destacava-se uma imponente mulher musculosa, cuja presença emanava autoridade e crueldade. Ela estava montada na maior das criaturas, um ser colossal com dentes afiados e uma crista pontiaguda nas costas.

— Corra, garoto! — gritou Ana ao lobo, que imediatamente disparou pela floresta densa, as patas batendo ruidosamente no chão coberto de folhas.

Flechas e diferentes magias passavam raspando pela roupa das garotas, destroçando as árvores que atingiam.

— O que está acontecendo?

— Foi o desgraçado que deixamos na aldeia, parece que contou para Cassandra sobre mim. — enquanto explicava, o sorriso no rosto de Ana voltou a aparecer, sua voz saiu em um tom leve que não combinava com a situação. — Depois disso, foi uma cena bem clichê, eu estava me preparando para voltar, quando… Tcharam! Dou de cara com ela em frente ao portão principal. Dei tudo de mim pra fugir, e o resto você já sabe.

— Quem é Cassandra?

— Minha antiga dona.

Uma árvore explodiu novamente ao lado delas nesse instante, fazendo a conversa cessar momentaneamente. Com um ágil salto, o lobo fez um curva anormalmente fechada, tentando despistar os perseguidores.

A cada minuto que passava a menina percebia algo cada vez mais estranho em Ana. A aura ao seu redor era intensa, carregada de uma energia que ela não sabia explicar, e um resquício de mana que parecia exalar do corpo a sua frente, algo que ela sentiu pela primeira vez vindo da mulher.

Ainda mais perceptível era seu rosto. Lúcia refletiu sobre todo o tempo desde que conheceu a deusa do ferro, e notou que sua expressão era sempre séria. Mesmo em seus ocasionais sorrisos, sempre parecia faltar algo, como se ela estivesse vivendo mecanicamente. Mas agora, era diferente.

— Você está… se divertindo? — perguntou ela, com um baixo sussurro e uma voz trêmula.

Ana apenas a olhou por um momento de forma calorosa, sem responder, como se a pergunta não fizesse sentido. O som das criaturas reptilianas se aproximava aos poucos, seus corpos leves fazendo um esforço menor do que o do lobo que carregava uma quantidade considerável de carga. O cheiro de suor, couro e ferro vinha atrás deles, aumentando a sensação de perseguição iminente. As árvores passavam como borrões ao redor, o vento frio era congelante e os finos galhos cortavam os rostos de Ana e Lúcia.

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A floresta parecia um labirinto sem fim, e a criança, ainda meio perdida em meio a situação, se agarrou firmemente no pelo do lobo, sentindo o calor do corpo do animal.

De repente, o lobo fez mais uma curva brusca, quase derrubando Ana e Lúcia. Eles entraram em uma trilha estreita, coberta por galhos baixos e arbustos espinhosos. O som das criaturas os seguindo pareceu diminuir, mas não desapareceu completamente.

— Vamos conseguir escapar? — Lúcia perguntou, fechando firmemente os olhos.

— Escapar? Não precisamos disso, nosso amigo canino nos deu o lugar perfeito para acabarmos com isso.

Lúcia inclinou levemente a cabeça, sem entender onde Ana queria chegar, até que reparou a mulher formando uma pequena arma com os dedos e apontando na direção que o som vinha.

— Eu disse que você se tornaria um ótimo isqueiro. Prepare o fogo.

— O quê? Você está louca? Isso vai chegar até a cidade! — gritou a menina, chocada com a sugestão, mas ainda assim se concentrando para criar uma pequena esfera alaranjada.

— Lúcia, bang! — o tiro falso saiu em um claro tom de ordem no exato instante em que a floresta começou a se abrir, revelando uma grande clareira.

A menina hesitou, mas ao ver o olhar quase insano de Ana e os vultos se aproximando em meio aos arbustos, lançou a pequena chama para trás, percebendo que não havia outra escolha.

Por um segundo, parecia que nada aconteceria, mas então uma alta explosão foi ouvida, com as chamas rapidamente se espalhando, consumindo tudo em seu caminho. O fogo subiu como um guepardo pelas árvores, alimentado pela vegetação seca, e em pouco tempo, a clareira estava tomada por um inferno ardente.

As labaredas continuaram com uma voracidade assustadora, seguindo eles de perto. O calor intenso e o cheiro de madeira queimada enchiam o ar, e a floresta desaparecia de forma implacável. Não se sabia como os perseguidores estavam, se foram incinerados ou se conseguiram correr a tempo, mas alguns poucos gritos eram ouvidos em meio ao fogo, deixando a cena com uma trilha sonora pouco agradável de se ouvir.

A imensa fogueira era visível de todos os cantos do abismo, um farol de destruição que eliminou momentaneamente a habitual escuridão, deixando um rastro de cinzas que se assemelhavam a flocos de neve descendo do céu.

— Isso deve retardá-los — murmurou Ana, satisfeita. — Você é incrível, Lúcia.

Por um instante a menina pensou em gritar uma resposta. Ela estava brava com a situação perigosa repentina, frustrada pelas mortes que sabia que causaria, e com medo da estranha personalidade que sua mentora estava apresentando, mas tudo isso sumiu pelos ares ao ouvir o elogio. Suas bochechas ficaram vermelhas, e ela escondeu o rosto nas costas de Ana, apesar de sua expressão feliz não ter passado despercebida.

Com o tempo, se afastaram do local. A perseguição parecia ter terminado no momento, dando ao grupo uma chance de respirar.

— É fascinante, não é? — disse Ana, olhando piamente para o horizonte em chamas.

— Fascinante? O que você quer dizer? — perguntou a menina, franzindo a testa, mas curiosa.

Ana suspirou, um sorriso enigmático surgindo em seus lábios.

— O laranja em meio à escuridão, o contraste das chamas contra o negro do teto distante... Lembra-me de muitos pores do sol que já vi. Por muito tempo, era o que me fazia entender que havia um novo dia em seguida, mesmo sozinha em um mundo tão fodido, havia beleza.

Lúcia olhou para Ana, os olhos arregalados, mas confusos.

— O que é um pôr do sol?

— Você verá em breve — respondeu Ana, afagando o cabelo da menina com um gesto carinhoso perante a pergunta inocente. — Um espetáculo que vale a pena esperar. Mas agora, vamos embora daqui.

O lobo deu um leve rosnado enquanto mantinha uma corrida calma, com um ritmado bater de patas no chão.

— Oh, você também está convidado, bicho dramático. Mas por agora, vamos correr até sairmos do abismo.

— Você já tinha falado disso, mas como vamos passar pelos locais escuros?

— Locais escuros? — Ana ergueu uma sobrancelha, intrigada.

— São as partes restritas do abismo. Minha mãe contava histórias sobre como os portões foram construídos para que a parte mais clara fosse protegida, para que os monstros não viessem até nós. Ninguém consegue sair do abismo. — Lúcia explicou, a voz baixa, como se temesse o próprio conceito.

Ana pensou por um momento, suas mãos segurando com firmeza as rédeas improvisadas. Os olhos percorreram as marcas na espada negra que agora carregava consigo enquanto sua mente trabalhava rapidamente.

— Bem, na verdade é simples — disse Ana finalmente. — Se é a única forma de sair, vamos simplesmente matar tudo o que encontrarmos pelo caminho.

Lúcia olhou para Ana, surpresa pela frieza da declaração, mas ao mesmo tempo inspirada pela determinação implacável da mulher. A garota assentiu, a confiança renovada, sem questionar sobre tal escolha ser realmente possível ou não.

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