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O cheiro de sangue e ferro pairava pesado no ar, misturado à poeira levantada pela batalha. Natalya limpou distraidamente uma mancha de sangue seco da lateral de sua roupa enquanto guardava o livro recém-obtido em sua bolsa. Sua expressão era uma máscara de indiferença, os olhos cansados fixos no horizonte escuro. Estava pronta para partir, mas um som baixo e frágil a fez parar no mesmo instante.
Uma pequena tosse.
Quase imperceptível, seguida de um pesado suspiro.
Ela virou lentamente, os olhos estreitando enquanto vasculhavam a cena. O corpo de Felipe estava jogado no chão como uma marionete abandonada, ao lado dos dois companheiros que haviam sucumbido na batalha. Ele parecia tão sem vida quanto os outros, mas o som... Lá estava ele novamente. Fraco, mas inconfundível.
Um sinal de vida.
Natalya caminhou até o local, parando a poucos passos do jovem. Por um momento, ficou apenas observando. Havia algo de fascinante naquela imagem, algo mórbido e melancólico. Felipe estava irreconhecível: o sangue manchava sua pele pálida, formando estranhas trilhas onde o suor escorria. A sujeira da batalha o cobria, misturada aos traços das lágrimas e do desespero. Seus membros, exceto uma única perna, estavam mutilados. A respiração era um som errático, um chiado que parecia lutar contra o próprio silêncio.
A Colecionadora cruzou os braços, inclinando a cabeça levemente enquanto seguia examinando o quadro à sua frente. Ela não demonstrava pressa, mas também não parecia exatamente confortável. Algo em sua postura sugeria desinteresse, mas seus olhos traíam uma curiosidade sombria.
— Você ainda está vivo?
Com a ponta da bota, encostou bruscamente no abdômen de Felipe, aplicando uma pressão sutil, mas o suficiente para provocar uma reação. Um gemido baixo escapou dos lábios do rapaz, e sua cabeça se moveu fracamente para o lado. Os olhos dele se abriram por um breve momento, revelando um olhar embaçado, perdido entre a consciência e o esquecimento.
— Isso é impressionante, garoto — continuou Natalya, um tom casual em sua voz, mas com um sorriso sutil e cruel se formando nos lábios. — Achei que tinha feito um trabalho completo aqui.
Sem mais respostas, a Colecionadora ajoelhou-se ao lado dele, seus dedos meticulosos examinando a prótese quebrada que substituía o braço perdido. Apesar do estado de seu estado deplorável, as funcionalidades implementadas em Leviathan ainda estavam operando, um sinal claro de sua paixão por tecnologia e inovação.
— Interessante… — disse, estreitando os olhos. — Você fez avanços desde a última vez que conversamos. Tem talento para isso.
Por um momento, Natalya permaneceu em silêncio, ponderando. Não era de seu feitio se importar com vidas alheias ou carregar fardos, mas algo a fez desviar a visão para suas próprias mãos. Cobertos de sangue, os mecanismos metálicos em seus braços emitiam estalos suaves conforme se moviam. Ela ergueu um dedo de cada vez, encarando os detalhes precisos do metal que há tanto tempo já tratava como sua própria carne.
Memórias a assaltaram sem aviso: dias em que esteve à beira da morte, abandonada, descartada como irrelevante, vista como um peso para o mundo. Seu corpo humano havia sido destruído pela brutalidade de um universo que não perdoa os fracos. No entanto, contra todas as probabilidades, houve alguém que viu valor nela. Não por bondade, mas por oportunidade.
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Um sorriso amargo curvou os lábios de Natalya enquanto seu olhar voltava ao garoto. A familiaridade dessa cena a incomodava mais do que queria admitir.
— Parece que você está com sorte hoje… — murmurou, baixando a mão. Sua voz soava mais baixa e melancólica, carregando um tom inesperado de introspecção. — Alguém que tem a vida salva deve, ao menos uma vez, retribuir o favor ao destino.
Seus olhos vagaram para os outros corpos espalhados pela caverna. Não sabia se estavam mortos — e não se importava o suficiente para verificar. Com um leve dar de ombros, ela voltou a olhar para Felipe, sua expressão suavizando por um instante. A fagulha que restava nele poderia ser útil. Ou, no mínimo, interessante.
— Que você não seja um maldito covarde, garoto — comentou levantando-se e colocando as mãos na cintura. — Pois bem, também não quero que confunda isso com altruísmo, porque não é. Se me decepcionar, será descartado.
Sua voz carregava um tom de divertimento cortante, como se já previsse as dificuldades que o futuro traria. Com um movimento decidido, ela abaixou-se novamente, passando um braço sob os ombros de Felipe e erguendo-o. Seu corpo pesado e inerte não facilitava a tarefa, mas Natalya tinha força mais do que suficiente para sustentá-lo.
— Sobreviva. Reinvente-se!
A frase saiu como uma ordem, mas também como um desafio. Com um suspiro pesado e uma risada baixa, a mulher começou a caminhar para fora da caverna. Suas botas ecoavam no chão úmido, cada passo reverberando no sombrio mundo que a cercava como uma promessa silenciosa.
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Felipe acordou em uma cama improvisada, as paredes de um tom marrom escuro que pareciam absorver a luz pálida de lâmpadas que piscavam de forma intermitente. O ambiente tinha um cheiro estéril, misturado com o odor metálico de óleo e sangue seco. Seu corpo latejava em agonia, mas, com esforço, tentou se erguer. Isso resultou em um grito rouco escapando de sua garganta quando a dor atravessou seus nervos como um raio.
Virando o rosto para a direita e depois para a esquerda, percebeu, com uma estranheza indescritível, que nenhum de seus braços estava ali. O vazio era absoluto, mas algo o confundia: ainda os sentia presentes, como se pudesse alcançar as laterais da cama a qualquer momento. A sensação fantasma, no entanto, só reforçava a perda esmagadora que seus olhos não podiam negar.
— Como cheguei aqui? — sussurrou, com a voz fraca e áspera, quase inaudível.
A pergunta apenas ecoava no espaço frio. Ele tentou organizar as memórias, mas tudo estava confuso, como se sua mente estivesse submersa em uma neblina pesada. Cada esforço parecia inflamar a dor em sua cabeça. Então, um lampejo de vermelho atravessou seus pensamentos, uma cena arrancada das profundezas de sua consciência.
Sangue.
Dor.
Seus amigos.
Seu irmão.
Natalya.
Natalya... Desgraçada…
Na... talya?
Seu interior começou a ferver. Uma raiva crua crescia em seu peito, pulsando como um tambor surdo. Ele apertou os dentes, ou ao menos tentou, enquanto seus olhos vasculhavam o ambiente. Foi então que algo chamou sua atenção.
No canto do quarto, uma pequena cadeira de metal estava disposta, um contraste desconcertante com o ambiente estéril. Nela, a Colecionadora repousava serenamente, as pernas cruzadas, ajustando minúsculas ferramentas em um suporte com movimentos precisos.
Parecia alheia ao olhar de Felipe. A luz refletia nos detalhes metálicos de suas mãos, que trabalhavam com uma precisão mecânica. Seu rosto mantinha a mesma expressão neutra, indiferente, como se todo o cenário ao redor fosse apenas uma extensão de sua rotina.
— Vejo que está acordado, garoto — disse ela, sem levantar o olhar, a voz cortante como uma lâmina afiada.
A raiva de Felipe aumentou, mas seu corpo frágil não permitia reação alguma. Ele se limitou a encará-la, os olhos cheios de desprezo e desespero
— Natalya... — murmurou, sua voz pouco mais que um sussurro, mas suficiente para fazê-la levantar o olhar, junto com um sorriso de canto que surgiu em seus lábios.
— Bem-vindo de volta à vida. Agradeça-me depois.
Seu tom era sarcástico, divertido e zombeteiro, como se estivesse apreciando o desconforto e a confusão do rapaz.
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