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Capítulo 68 - Adeus Lar

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— Pare de drama — disse Ana firmemente, sua voz carregando um tom de familiaridade e afeto.

A ferraria operava com chamas mais intensas do que nunca, apesar do cenário desolado ao redor. O som do metal contra o osso ecoava pela sala, criando uma melodia rítmica e quase tranquilizadora em meio ao caos recente. O lobo soltou um semi choro de dor, e a garota bufou novamente, sem paciência.

A mandíbula protética era uma obra-prima da engenharia improvisada, feita com os materiais de seu martelo favorito. A estrutura era robusta, e os materiais impossíveis de conseguir com a tecnologia do abismo davam um toque a mais em conjunto com as finas runas de controle que foram gravadas meticulosamente ao longo de sua superfície. Esses escritos brilhavam levemente com um tom azulado, sinalizando que a mana corria livremente, pronta para auxiliar na integração da prótese ao corpo do lobo.

Após apertar o último parafuso, Ana segurou o rosto do animal, virando de um lado para o outro, analisando cuidadosamente cada detalhe.

— Ficou perfeito. É bom você ser grato e dar um bom uso, tive uma grande perda ao fazê-la — disse ela, afagando-o.

Ele a observava com olhos brilhantes de inteligência, entendendo mais do que qualquer outro animal poderia. A curta guerra trouxe sofrimento, mas as mortes ao redor eram proporcionais aos ganhos dos sobreviventes. A mana escorria dos corpos caídos com uma fonte, procurando um novo lugar para se alojar, e as mudanças eram perceptíveis mesmo nas poucas horas que se passaram.

“Falei brincando antes, mas realmente espero que ele não comece a falar”, pensou ela, observando mais uma vez com admiração o espesso pelo carmesim.

Em sua situação incompleta, Ana não sofreu mudanças perceptíveis, apenas dores contínuas em seu coração enquanto sentia que algo dentro dele crescia, mas o lobo, agora com uma mandíbula protética, estava claramente diferente. Sua postura havia mudado, tornando-se mais confiante e imponente. Seu corpo ficou maior, os músculos mais definidos, e seu pelo escureceu para um belo tom de preto, sobrando apenas algumas partes do anterior tom vermelho profundo que lembrava sangue coagulado. Os frios olhos brilhavam com uma intensidade feroz, mostrando uma perspicácia aguçada e um traço selvagem muito mais profundo do que antes.

— Obrigada novamente — sussurrou Ana, encostando a testa na dele, sentindo o calor e a respiração da bela criatura. A conexão entre os dois se tornou mais profunda, e a mercenária não hesitou ao demonstrar com clareza sua gratidão por toda a ajuda desde a fuga da cidade arena.

O lobo se afastou um pouco, abrindo e fechando a boca algumas vezes, tentando se acostumar com a nova sensação. Cada movimento era seguido de um leve brilho das runas, ajustando-se ao novo membro e tornando o processo de adaptação mais suave.

Deixando de lado o lobo que brincava com a mandíbula, ela se perdeu em pensamentos sobre o fim da batalha. Os monstros haviam se matado aos poucos, num frenesi de autodestruição que parecia ser guiado por uma força irracional, quase que se esquecendo de seu objetivo ali.

Ana eliminou os que estavam isolados, atacando com precisão letal em cada golpe, e os que sobraram, sem alguém para dar ordens, dispersaram-se na floresta, desaparecendo na escuridão.

A aldeia, que antes era um refúgio de vida e comunidade, agora estava em ruínas. Não sobraram habitantes, além de Lúcia, um guarda e uma idosa que se refugiaram dentro do consultório de Ana, junto com o homem que haviam encontrado antes.

Nesse instante, Lúcia entrou na ferraria, carregando algumas frutas murchas. Seu rosto estava pálido e marcado pela experiência traumática da batalha.

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— É tudo o que sobrou — disse ela, sua voz carregada de tristeza e resignação. Ana não pôde deixar de notar que a menina parecia ter crescido alguns centímetros da noite para o dia, como se a experiência, e a mana, a tivesse amadurecido de uma maneira brutal e acelerada, semelhante a seu companheiro canino.

— Obrigado — agradeceu Ana, pegando as frutas enquanto puxava um banco próximo. — Vem aqui. Sente-se um pouco.

Após hesitar por um momento, a pequena garota se aproximou, as mãos trêmulas ainda segurando uma das frutas. Ana suspirou ao perceber que os olhos da jovem estavam vazios, um olhar que ela conhecia bem.

— Eu vou embora em breve, Lúcia. O que você quer fazer?

Lúcia olhou para ela, seus olhos finalmente focando, mostrando um sutil lampejo de vida.

— Eu... eu não sei — respondeu a menina, sua voz um sussurro enquanto lágrimas ameaçavam voltar a se formar. — Tudo aqui está destruído. Não tenho mais ninguém.

— Eu sei que parece difícil, mas você é forte. Na verdade, ainda mais forte agora que sobreviveu a algo que poucos conseguiriam. — Ana fez uma pausa, procurando as palavras certas. — Você pode vir comigo, se quiser. Não será fácil, mas é o máximo que posso te oferecer no momento.

Lúcia olhou para ela, as gotas finalmente começaram a escorrer pelo seu rosto. A criança acenou em concordância, se jogando bruscamente em um abraço na tentativa de esconder o choro que se recusava a parar.

— Tudo bem, então. Vamos nos preparar. Temos um longo caminho pela frente — Ana sorriu, afagando a cabeça da garota.

Seus olhos vagaram uma última vez pela ferraria. Estava cheia de memórias e símbolos de resistência. As paredes eram adornadas com ferramentas antigas, algumas delas feitas por suas mãos há séculos. Cada martelo, cada tenaz, tinha uma história, uma lembrança de tempos de paz e tédio.

Antes de partir, se dirigiu para seu consultório, onde os outros sobreviventes estavam.

— Precisamos tomar uma decisão sobre o que fazer agora — disse Ana, olhando para os rostos exaustos, marcados pela recente violência.

— Decidimos acompanhá-lo de volta para Tenebris daqui alguns dias — disse a idosa, indicando o homem ferido. — Ele precisa de cuidados médicos que não podemos proporcionar aqui, e não temos mais para onde ir.

Ana assentiu, compreendendo a lógica da decisão, e seguiu para arrumar suas coisas. Com duas grandes bolsas de couro, organizou algumas ferramentas e armas, assim como vários frascos de suas muitas ervas.

— Recomendo que saiam daqui rapidamente. Os monstros sobreviventes também ficaram mais fortes com a mana e provavelmente mais inteligentes. Este lugar vai virar uma bagunça em breve — alertou a garota aos três que ficaram para trás.

— Obrigado. Até logo, Glutona.

Algo no olhar do homem, que insistia em usar seu nome de gladiadora, a incomodava, uma sensação de que havia mais por trás de sua expressão, mas não tinha sentido pensar no assunto por agora.

— Cuide-se, Lúcia — disse a idosa, abraçando a menina com carinho. — E você também, Ana. Obrigada por tudo.

— Vocês também. Boa sorte em Tenebris — respondeu a ferreira, empacotando as últimas ferramentas. — Vamos, garoto — Ana chamou o lobo, que se levantou imediatamente.

Passando as mãos por baixo dos pequenos braços da menina, ela levantou Lúcia, com sua pequena sacola de posses, e a colocou sobre o grande animal, montando em sua frente em seguida com um forte salto.

“É uma pena, mas terei mais oportunidades… não vale o risco por algo que talvez nem dê certo”, refletiu, resignada, vendo os muitos mortos espalhados que podia usar em novas tentativas.

— E para onde vamos agora? — a menina, um pouco mais recomposta, perguntou com uma voz forçosamente animada.

— Vamos sair dessa maldita caverna.

Assim, sob a luz tênue das poucas tochas deixadas na aldeia destruída, uma mulher, uma menina e um lobo partiram, prontos para seguir por um futuro incerto.

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