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— Levem-no para o meu consultório — ordenou Ana, sua voz firme cortando o burburinho dos curiosos. Samuel, o chefe dos guardas, um homem robusto com uma cicatriz profunda no rosto, e Antônio, o líder da aldeia, um senhor de idade com uma expressão severa, ajudaram a carregar o homem para dentro.
A sala estava repleta de instrumentos médicos e frascos de poções que ela mesma preparara, e a mistura de aromas das ervas proporcionaram um ambiente tanto calmante quanto misterioso. O homem jazia na mesa, a respiração irregular e o sangue manchando as bandagens improvisadas.
— Quem é ele? — perguntou a mercenária, enquanto começava a tratar os ferimentos do desconhecido.
— Não sabemos. Encontramos na floresta, perto do antigo portão — explicou o Samuel.
— Estranho... nossos batedores não relataram monstros na região recentemente, devia estar tudo seguro. De qualquer forma, já foram ordenados a fazer uma nova busca — comentou o Antônio, franzindo a testa.
Enquanto os líderes da aldeia discutiam estratégias de defesa, Ana observava atentamente os sinais vitais do homem, sua mente em um bizarro tumulto. O pulsar irregular de sua veia no pescoço, a pele pálida e os tremores ocasionais indicavam que ele estava à beira do colapso.
“Morra, morra, morra, morra” .
A causa do ataque não importava, seu interesse naquele corpo estava sobrepondo as demais preocupações. Ana continuava a tratar seus ferimentos com o mesmo cuidado de sempre, seu verdadeiro desejo oculto sob uma fachada de profissionalismo. Ela só precisava que ele parasse de respirar.
De repente, o homem tossiu violentamente, cuspindo sangue. Ele abriu os olhos rapidamente, os quais se fixaram no líder da aldeia, arregalados de terror.
— Onde estou? — perguntou, com a voz fraca.
— Você está em segurança. Foi encontrado na floresta e trazido para cá.
— Entendo... obrigado — O homem tentou se sentar, mas gemeu de dor. Como se lembrasse de algo, começou a olhar em volta, inquieto. — Mais alguém foi encontrado comigo?
— Não, apenas você… — Samuel balançou a cabeça enquanto negava, entendendo que provavelmente algumas vidas foram perdidas. — O que aconteceu?
— Fomos pegos por um exército de monstros enquanto seguíamos para a arena... se vocês me encontraram, eles devem estar próximos — explicou o homem, com dificuldade. — Precisamos sair daqui!
— Não se preocupe, já mandamos guerreiros verificarem a região, nossos muros podem aguentar um bando nos atacando.
— Você não entendeu, não é um bando, mas sim um exército! Eles estão marchando de forma organizada… tem uma criatura anormalmente grande que os acompanha… é como se desse ordens.
Ana ergueu uma sobrancelha, intrigada, enquanto puxava uma perna levemente deslocada do desconhecido, fazendo um alto estalo na sala.
— Desgraçada! Mas que merda você está faz… — o homem parou em meio aos gritos de reclamação após a intensa dor repentina. Sua testa se franziu por um instante, e logo riu debilmente. — Você é a fugitiva… Mas quem diria que a porra da Glutona estaria brincando de enfermeira em uma vila abandonada.
Os olhares dos outros dois homens se voltaram para o moribundo, cheios de confusão.
— Glutona? — perguntou Samuel.
— Sim! Ela fez uma bagunça na Arena a um tempo atrás. Fez eu perder muito dinheiro quando fugiu.
— Você era uma gladiadora?
— Fui escrava — respondeu Ana brevemente, sem entrar em detalhes. Não parecia que o homem iria morrer agora, mas também não conseguiria ir longe com esses ferimentos, então ela decidiu finalizar logo o tratamento com um suspiro resignado.
— Isso pode ser problemático, fugitivos atraem aquelas pessoas… — murmurou Antonio, trocando um olhar preocupado com Samuel.
— Não sei do que estão falando, mas pode ficar para depois. Se há um exército de monstros por perto, precisamos nos preparar — disse Ana, focando-se no imediato.
Com uma concordância conjunta, os dois líderes saíram do consultório, e Ana logo se juntou a eles. A expressão no rosto de Samuel era de pura preocupação, enquanto Antônio parecia perdido em pensamentos, tentando calcular as probabilidades de sobrevivência.
Nesse momento, um dos batedores que acabara de voltar se aproximou, o rosto pálido e os olhos arregalados, já começando a falar de forma apressada.
— Vimos mais de quinhentos monstros ao longe. Estão em marcha lenta, mas na rota direta da aldeia. Devem chegar em mais meio dia de caminhada.
O silêncio tomou conta do grupo por um instante, a magnitude da situação se instalando.
— Isso não faz sentido — murmurou Antônio, passando a mão pelo rosto cansado. — Nunca encontramos um bando com mais de dez monstros. Como vamos enfrentar isso?
— Fale mais sobre o que viu — pediu Ana, tentando obter o máximo de informações possível.
— Havia várias espécies juntas, o que é muito estranho. Normalmente, eles se atacariam, mas estavam todos em um tipo de formação mal feita. Isso é o mais assustador, foge do instinto que conhecemos.
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— Então aquele cara não estava mentindo, eles devem ter um líder, uma mente por trás disso — concluiu Samuel, cruzando os braços para tentar organizar seus pensamentos. — Isso complica tudo. Apenas os guardas têm equipamento adequado, não temos como enfrentar um exército nessas condições.
O ar estava frio e úmido, e as árvores ao redor lançavam sombras alongadas devido à bruxuleante luz dos lampiões da aldeia. O som dos animais noturnos criava um pano de fundo inquietante para a conversa.
— Não podemos nos desesperar agora, o tempo já é muito curto. Samuel, reúna todos e explique a situação, devem estar preparados para lutar.
— E as crianças e os idosos? — perguntou Antônio, ainda preocupado.
— Há alguma cidade próxima para onde possam ir?
— Apenas Tenebris… mas o destino não será melhor que a morte se levarmos os aldeões para aquele lugar.
— Então precisamos ser pragmáticos — disse Ana, suspirando. — Se há um exército de monstros vindo, vamos armar todos os que podem segurar uma lança.
— Mas as armas… — começou Samuel, mas Ana o cortou.
— Sei que transformamos muitas em ferramentas, mas ainda temos metal suficiente. Vamos fundir tudo que pudermos e fazer mais lâminas e armaduras. Mande todos os manipuladores de mana para minha forja, mesmo aqueles que sabem pouco. Qualquer vantagem pode ser a diferença entre a vida e a morte.
Antônio franziu a testa, mas acenou em concordância.
— Você, junte alguns suprimentos e volte para a floresta — acrescentou Ana, apontando para o batedor. — Precisamos ser avisados sobre qualquer mudança de direção ou novas ameaças.
Com um aceno, o batedor se retirou, e a mercenária também se preparou para partir.
— Ana, você realmente acha que podemos sobreviver a isso? — perguntou o líder da aldeia, a dúvida evidente em sua voz enquanto parava a garota por um instante.
— Não, mas não posso dizer que as chances são nulas.
— Já é melhor que nada… — Antônio respirou fundo, parecendo encontrar alguma coragem, mesmo nas palavras sombrias que escutara.
— O que eu posso fazer para ajudar? — Lúcia, que estava na multidão, observava Ana com admiração. Sem hesitar, ela correu para o lado da mercenária.
— Me acompanhe e observe. Você pode aprender muito esta noite — respondeu Ana, lançando um olhar sério para a menina.
Com passos apressados, logo chegaram ao destino, enquanto outros aldeões se organizavam para cumprir suas atribuições dadas por Antônio e Samuel. As chamas da forja estavam apagadas, mas o lugar ainda retinha o calor do dia de trabalho. A estrutura de pedra e metal parecia imponente na escuridão, um bastião de esperança em meio à crescente ameaça.
— Lúcia, acenda o fogo. Precisamos estar prontos o mais rápido possível.
A menina assentiu e se aproximou das fornalhas. Fechou os olhos por um momento, concentrando-se, e faíscas começaram a sair de suas mãos, fazendo chamas crescerem rapidamente, iluminando o espaço com uma luz laranja vibrante.
Enquanto isso, Ana caminhou até o fundo da forja, onde havia um grande bloco de pedra meio solto. Com músculos tensos, ela usou toda sua força para puxar o bloco, revelando um compartimento escondido. Dentro, havia um estranho martelo feito de um metal de superfície escura, com um brilho quase etéreo sob a luz das chamas.
— O que é isso? — perguntou Lúcia, com olhos arregalados de surpresa ao observar a cena.
Ana segurou a ferramenta, sentindo o peso familiar em sua mão. O compósito de carboneto de nióbio, combinado com o revestimento de diamante nanocristalino, criava um item de uma beleza impressionante e uma resistência extraordinária, seu brilho sob a luz das chamas revelavam finos detalhes e padrões intrincados por toda sua superfície.
A alça, perfeitamente esculpida em fibra de carbono de alto desempenho e revestimento de poliuretano texturizado, encaixava-se em sua mão como uma extensão natural de seu corpo, trazendo à tona memórias de tempos passados.
— É um dos meus pequenos orgulhos — murmurou a ferreira, sorrindo ao notar que ainda estava devidamente preservado.
Lúcia se aproximou, a curiosidade brilhando em seus olhos.
— Como você sabia que estava aí?
Ana ergueu o olhar, seu semblante imponente em sincronia com o brilho intenso de seus olhos.
— Porque esta forja é minha., e este é meu martelo.
— Deusa do Ferro... — sussurrou Lúcia, a compreensão finalmente chegando ao pensar em toda a naturalidade de sua mentora mesmo na primeira vez em que pisou na aldeia.
Ana apenas levou um dedo aos lábios, ainda preenchidos com um leve sorriso, indicando que deveria ser um segredo.
Pouco tempo depois, os manipuladores de mana começaram a chegar, carregando todo material que puderam encontrar, seus rostos refletindo tanto a determinação quanto a incerteza da situação.
— Lúcia, você e os outros que têm conhecimento básico cuidem das tarefas de derretimento. Precisamos do metal líquido fluindo o mais rápido possível.
Reunindo um pequeno grupo, a garota se moveu agilmente para as fornalhas, onde o calor intenso e as faíscas voadoras preenchiam o ar. Os aldeões começaram a trabalhar sob sua orientação, a jovem mostrando um surpreendente domínio das técnicas mais simples.
Enquanto isso, Ana se posicionou na bancada principal da forja, suas mãos movendo-se com maestria e agilidade. Ela começou a moldar os formatos de lanças, espadas e peças de defesa, cada golpe de seu martelo reverberando com precisão.
A cada peça que terminava, rápidos canais eram esculpidos de forma precisa, gravando símbolos na superfície metálica.
— O que são esses riscos? — perguntou Lúcia, observando Ana trabalhar com fascinação.
Ana deu um meio sorriso, sem interromper seu trabalho.
— Runas. Em tempos de crise, precisamos de tudo o que possa nos dar uma vantagem. Agora chame os outros, preciso de um fluxo constante de mana para terminar o trabalho.
Mãos tocavam as peças de metal até que seus corpos tremessem, momento em que outro manipulador entrava para seguir com o trabalho. Com a pouca explicação dada por Ana, sabiam que sem materiais simbióticos adequados, as runas não seriam extremamente poderosas, mas eram melhor do que nada.
Inspirando-se na defesa do Colosso, a garota esculpiu efeitos nas armaduras que acumulavam partículas de terra ao redor, criando uma camada adicional de proteção. Nas armas, lembrando-se do passado, esculpiu runas básicas de vento, permitindo que fossem manuseadas com mais agilidade e menos esforço.
O trabalho era árduo, e o suor aos poucos empapava o rosto de Ana enquanto se concentrava. As fornalhas rugiam, e a temperatura era quase insuportável, mas ninguém reclamava. Todos sabiam o que estava em jogo.
As armaduras e armas se acumulavam, cada peça uma obra de arte de design humilde e funcional destinada a proteger e a lutar. As runas esculpidas brilhavam sob a luz, e um senso de esperança começou a se infiltrar no coração dos trabalhadores.
A sinfonia do aço perdurou por horas a fio, até o momento em que um pequeno tremor começou a ser sentido no solo.
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