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Leandro deu um salto para trás, os instintos de sobrevivência assumindo o controle. Ele ergueu sua lança e apontou-a para Lucas, e sua voz grave denunciou seu arrepio momentâneo.
— Mas que porra é essa?!
Não era um caso isolado. Outros poucos bestiais ao redor pareciam estar passando pelo mesmo fenômeno. Alguns encaravam o céu, os rostos contorcidos em algo entre dor e êxtase. Outros tremiam, como se lutassem contra uma força que os dominava. Alguns até caíram de joelhos, segurando a cabeça, os dentes cerrados em agonia silenciosa.
O conselheiro bestial o encarou, seus olhos completamente negros agora, antes de soltar um rugido ensurdecedor. Ele caiu de quatro patas, como uma besta selvagem, e disparou em direção aos inimigos com uma ferocidade que fez até mesmo os soldados de Insídia recuarem por reflexo.
Leandro ficou parado, tentando processar o que acabara de acontecer. Ele olhou ao redor, vendo outros guerreiros se juntando à investida de Lucas, seus corpos contorcidos em algo que parecia uma mistura de fúria e êxtase. Suspirando, girou sua lança e se preparou para o próximo movimento.
— Essa cidade… é louca — resmungou, com um pequeno sorriso contorcendo suas escamas. — Soldados de Insídia, tomarei o comando enquanto o líder de vocês está ocupado. Mantenham a última ordem em mente! Comecem a cercar os inimigos, comprimam-nos!
Apesar do estranhamento inicial pela liderança repentina, os soldados corrompidos responderam rapidamente. Demora não era uma opção no campo de batalha, e Leandro, mesmo sendo um aliado externo, era uma figura de respeito. Ele não comandava de uma posição protegida ou distante; estava ali, no meio do campo, entre sangue e gritos, tão vulnerável quanto qualquer um, disposto a arriscar sua vida por aquele ideal. Isso, para os combatentes de Insídia, era suficiente.
Vendo que obedeciam, o general focou em analisar a desordem crescente. Seus olhos pousaram no sapo colossal que continuava saltando pela formação inimiga. Cada impacto do monstro necrosado era um espetáculo grotesco de destruição. Respirou fundo e gritou as ordens para seu próprio povo.
— Escomosos! Protejam a retaguarda deles enquanto não recuperam o controle! Matem o que conseguirem, mas foquem em mantê-los vivos!
Enquanto isso, no lado de Barueri, a desordem se instalava de forma quase irreversível. Os mortos-vivos não eram muitos, mal passavam de um punhado de criaturas no meio de um mar de inimigos, mas, apesar de seus movimentos desajeitados e espasmódicos, avançavam com determinação aterrorizante. A visão de antigos companheiros de armas levantando-se para atacar era algo que muitos não conseguiam encarar sem hesitação. Aquilo havia se tornado mais que uma batalha física; era uma guerra psicológica.
Assim, os arqueiros, que antes dominavam o campo, agora se viam acuados. Flechas eram disparadas em todas as direções, mas pareciam inúteis contra os corpos que não sentiam dor. Mesmo quando cravavam nas cabeças ou torsos dos mortos, os zumbis simplesmente continuavam avançando, como marionetes movidas por algo invisível.
— Cortem as articulações! — ordenou uma voz anônima em meio ao pandemônio. — Não percam tempo tentando matá-los, eles já estão mortos!
O soldado parecia ter dito algo óbvio, mas ajudou os demais a terem clareza em suas ações. Ainda assim, os únicos que conseguiam conter, ao menos parcialmente, a maré de cadáveres eram os Sombrios. Com suas espadas curtas e precisão letal, arrancavam braços e pernas dos renascidos, os quais, quando reduzidos a pedaços, finalmente voltavam a ser cadáveres inertes.
— Por cada um que derrubamos, outro se levanta! — gritou um dos guerreiros encapuzados, ofegante, enquanto girava sua lâmina para cortar as pernas de outro morto que se arrastava.
— Parece um número fixo... — murmurou outro enquanto se defendia. — É uma sorte que não levantem todos ao mesmo tempo.
A suposição trouxe um alívio momentâneo, afinal, talvez a estranha fumaça negra fosse finita!
No entanto, mesmo com essa fagulha de esperança, a situação estava longe de ser controlada. Cada baixa entre os soldados de Barueri fornecia mais matéria-prima para o exército de mortos, tornando a luta um ciclo infernal.
E, mesmo com toda a confusão, um problema ainda maior pairava sobre eles: o sapo morto-vivo que seguia em sua carnificina. Ele era o catalisador do caos, o epicentro da desordem. Enquanto ele estivesse ativo, as tropas não conseguiriam se reorganizar.
— Temos que derrubar essa coisa! — gritou um comandante da guilda dos Ventos Livres. — Manipuladores, concentrem tudo nele!
A ordem foi ouvida, mas não era fácil segui-la. A criatura parecia indiferente aos golpes, e as poucas lâminas que conseguiam penetrar sua carne apenas se enterravam em um corpo já semi apodrecido. Mesmo quando uma ocasional manifestação de mana arrancava grandes pedaços de carne, ele sequer tremia, apenas se preparando para mais um salto.
Os puros ficavam cada vez mais aterrorizados, e seus números diminuíam um pouco a cada minuto. Vendo que não conseguiriam se livrar da criatura verde, começaram a tentar desviar de seus ataques, minimizando os corpos esmagados, mas o círculo inimigo cada vez mais apertado os limitava.
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Leandro, ao longe, observava tudo com um olhar cheio de animação ambígua. A adição de Nyx, com sua melodia e mortos-vivos diretamente no meio do inimigo fez a luta ficar muito mais tranquila, era o momento que Insídia precisava para finalmente virar o jogo.
Ainda assim, havia uma ponta de pragmatismo em seu semblante. Era desconcertante que Insídia tivesse algo daquele tipo em suas mãos. Não era alguém com preconceito com as Sombras, para ele, não passavam de um tipo diferente de corrompidos que acabou ficando um pouco mais popular. Mas trazer os mortos de volta à vida?
Isso ia além do que podia aceitar.
Era macabro e aterrorizante, mesmo nesse mundo onde as crenças antigas não tinham tanto peso. Um gosto amargo passava por sua língua sempre que pensava nos homens a sua frente, ainda que fossem inimigos.
— É um desrespeito com esses guerreiros…
Seu resmungo apenas se dispersou no ar, passando despercebido pelos demais soldados. Sabia que, na verdade, não tinha o direito de reclamar. Sem esse poder sombrio, muito mais de seus próprios amigos e familiares morreriam. Era uma benção amarga.
— Mantenham a formação! A vitória está ao nosso alcance!
Sua voz ecoou mais uma vez conforme tentava dispersar seus pensamentos conflitantes, trazendo uma nova onda de determinação para os soldados de Insídia. Porém, foi tão alta que finalmente incomodou os quietos observadores do bosque ao lado.
O casal contrastava completamente com o caos que os cercava. Abraçados, pareciam alheios ao pandemônio.
— Ah… Eu achei que íamos conseguir ter um tempo de qualidade juntos — o homem fechou os olhos por um instante, como se quisesse guardar aquela sensação antes de voltar ao trabalho. — Malditos corrompidos. Mal tínhamos começado.
Relutante, ele removeu a mão que circundava a cintura da mulher sentada em seu colo. Seus dedos passaram pelos cabelos negros desalinhados enquanto respirava fundo. Seus trajes estavam longe da formalidade de um campo de batalha: a camisa de tecido leve estava desabotoada até o peito, revelando a pele bronzeada marcada por cicatrizes. As mangas estavam enroladas até os cotovelos, e usava uma calça de linho escura, presa por um cinto de couro já gasto. Apesar do visual relaxado, havia algo nele que exalava um controle quase inquietante, como se cada movimento fosse deliberado.
Ao seu lado, repousava um arco longo e robusto, com a madeira polida pela prática incessante. A corda parecia tão tensa quanto o próprio ar ao redor deles. Quando o homem o pegou, a mulher se levantou com um movimento gracioso.
Seu corpo nu brilhava suavemente à luz das tochas que os cercavam. A pele era de um tom cálido, quase dourado, reluzindo suavemente. Suas curvas eram tão acentuadas quanto suas expressões eram controladas, e o contraste entre a suavidade de seus traços e a força sutil de sua postura criava um magnetismo irresistível. Os cabelos negros e lisos caíam até os ombros, bagunçados, mas de uma forma que parecia cuidadosamente intencional. Ela não parecia apressada, mas havia um foco em seus olhos cinzentos, intensos como tempestades.
Com um movimento hábil, ela puxou o traje de couro justo que estava ao seu lado e começou a se vestir. O material preto abraçou suas formas, ressaltando sua silhueta enquanto ajustava presilhas de seu cinto com a precisão de alguém acostumada à eficiência. O capuz foi puxado por último, ocultando seu rosto, deixando apenas seus olhos visíveis sob a sombra.
— Vou nessa. A gente se fala mais tarde, Math. — A voz dela era cortante, mas com uma familiaridade que deixava claro que aquilo era rotina.
Matheus, que agora havia se ajoelhado no chão com o arco em mãos, não respondeu imediatamente. Seus olhos estavam fixos no horizonte, como se visse algo além do que estava visível para qualquer um. Fechou os olhos e inclinou a cabeça levemente, e o vento acariciou seu rosto, com o farfalhar das folhas trazendo um sussurro que só ele parecia entender.
— Vento leste… constante… velocidade aproximada de 23 quilômetros por hora… — murmurou para si mesmo, sorrindo levemente antes de puxar a corda e soltar a flecha.
O projétil desapareceu em um instante, cortando o ar com uma precisão quase cruel.
— Falou comigo?
— Você é um babaca mesmo de vez em quando — ela resmungou, revirando os olhos.
— Eu estava focado! — respondeu ele com um sorriso largo, inclinando-se um pouco para inspecioná-la. Seu olhar deslizou pelas curvas bem definidas que o couro apertado deixava ainda mais evidentes. Ele assoviou, batendo levemente na bunda dela antes que pudesse se afastar. — Essa roupa sempre me pega desprevenido… Tem certeza que precisa ir?
Sem se virar, a mulher ajeitou o cinto enquanto conferia as duas adagas presas nas laterais
— É caro demais treinar novos soldados para deixá-los morrer assim — sua voz era fria e seus passos já começavam a afastá-la. — E seria bom se os seus infelizes arqueiros cegos não acertassem ninguém do meu grupo de novo. Senão, não vai acabar bem pra você.
Ele ergueu as mãos em um gesto de rendição exagerada, enquanto voltava a pegar outra flecha em sua aljava.
— Tá, tá… Até mais tarde, Rebeca — sua voz soava como se ele soubesse que ela não responderia.
E ele estava certo.
Nem um segundo parecia ter passado, mas quando levantou os olhos, a mulher já havia desaparecido no meio da escuridão, como se nunca tivesse estado ali. Matheus soltou outro suspiro, prendendo a nova flecha na corda, e voltou sua atenção para o campo de batalha abaixo.
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