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Após um retorno marcado pelo silêncio, Ana percorreu sozinha as ruas de paralelepípedos que levavam ao Madame Eclipse. Abrindo a pesada porta, um aroma de madeira velha e tabaco a envolveu, e o som abafado de conversas confidenciais preenchia o ar. Madame, sempre uma figura imponente, esperava com uma expressão severa, seus lábios vermelhos delineados em uma linha fina.
— Então, querida, o que tem para me contar? — perguntou Madame, com uma voz baixa e calma, mas carregada de expectativa.
Ana respirou fundo, sentindo o peso da história que precisava contar. Ela havia ligado mais cedo para pedir um local seguro para deixar Margareth, assim como marcar essa reunião, mas ainda estava apreensiva.
— Nós falhamos… Conseguimos chegar ao local, mas fomos emboscados por uma sombra. Não sei o que era aquela estranha coroa que estava na bolsa, mas eu não consegui recuperá-la. Me desculpe.
— Você fez o que pôde com as cartas que lhe foram dadas. Você é jovem, assim como sua equipe, tiveram sorte de sair vivos.
— Bem, nem todos nós tivemos essa sorte…
Um silêncio pungente se instalou, apenas o crepitar suave da madeira na lareira enchendo o espaço. Madame continuou.
— Fico feliz que ao menos trouxeram Margareth de volta, é uma coincidência infeliz que ela fosse sua mãe — disse, seus olhos nunca deixando o rosto de Ana. — Aquela coroa não é apenas um artefato; é um legado de Aurórea, tão antigo quanto as lendas esquecidas. Em manipuladores de mana comuns, pode quase triplicar a velocidade do fluxo em suas veias, mas para as sombras é ainda mais poderoso, desperta algo na mana reversa dentro delas, fortalecendo muito seus corpos e suas mentes. É uma pena que tenham ficado com ela.
— Ah, mas não ficaram… foi roubada pela Colecionadora.
Madame encarou Ana, confusa. Ao finalmente assimilar o que foi dito, um sorriso genuíno surgiu em seu rosto anteriormente abatido.
— A Colecionadora? Você disse que o item está com aquela megera? Isso é ótimo!
— Ótimo? Nosso objetivo não era conseguir o item?
— Em realidade, desde que descobriram sua localização, a principal prioridade era não deixar cair nas mãos daquela maldita igreja. Claro, o ideal era termos pego, mas com Natalya pelo menos podemos garantir que está seguro, aquela egoísta sabe cuidar das próprias coisas.
Com essas palavras, Madame virou-se e retirou um pequeno cofre de madeira de uma prateleira, colocando-o sobre o balcão com um som surdo.
— Aqui está. Não é apenas por ter praticamente completado a missão... é por sobreviver.
Seu olhar era curioso, mas Ana sentiu um forte desalento em meio ao alívio de não ter falhado. Ela não se sentiu digna dessa recompensa.
— Vamos, não fique tímida, você merece. No mundo em que vivemos a sobrevivência e a informação são tão valiosas quanto qualquer metal precioso, você é um valioso recurso.
— Obrigada, Madame — disse a garota, parando de resistir.
O cofre continha cuidadosos entalhes feitos a mão, belos e delicados. Seu interior exalava um aroma suave de madeira fresca, contrapondo-se à sua aparência antiga.
“Mas que porra, eu já devia saber que não seria nada valioso”, dentro do cofre, uma pequena e detalhada coroa negra reluzia com pequenas partes de prata. A palavra “Patrono” estava gravada em elegantes letras na parte de baixo do metal, como se gritasse ao mundo que deveria ser reconhecida.
— Garota gananciosa — murmurou Madame, percebendo o olhar desapontado que a mercenária lançava para o emblema. Com um gesto dramático, ela jogou um saco de moedas ao lado da pequena caixa. — Pegue logo e tire essa cara de bunda, ainda temos algo para conversar.
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— Estou ouvindo! — respondeu a sorridente e renovada Ana, guardando as moedas dentro de seu casaco.
— Em primeiro lugar, te parabenizo por se tornar uma patrona de prata. Geralmente exigimos três ou quatro missões especiais para os novatos, mas você pegou algo muito além de suas capacidades, então houve uma exceção.
Com um olhar penetrante e voz firme, Madame começou a explicar a verdadeira natureza dos mercenários para Ana, que ouvia atentamente.
— Veja, querida, os mercenários foram feitos para os que escolhem um caminho diferente do habitual. Claro, não estou falando da bucha de canhão comum, eles são apenas um dos meios pelos quais trabalhamos, mas os reis e rainhas são os guardiões dessa nova sociedade. Nós nos dedicamos a proteger o mundo das sombras e de outras forças que ameaçam quebrar o equilíbrio.
— Não vejo essa tal proteção no mural de missões, eu diria mais que estão ferrando com tudo por trás dos panos — respondeu Ana, com um olhar de zombaria.
— Oh, não me entenda mal, eu não disse que somos justiceiros. Trabalhamos por dinheiro e para viver bem, então não podemos deixar tudo afundar na merda, simples assim. Apesar de algumas missões imorais, a grande maioria é para resolver situações que precisam ser resolvidas, mesmo que disfarçadas de qualquer bobeira aleatória como pegar materiais. Protegemos, sim, mas sempre visamos o lucro.
Ela pausou, seu olhar duro suavizando um pouco ao ver a atenção de Ana.
— Nosso trabalho é urgente, necessário. É um trabalho que o governo deveria fazer, mas ele se afoga em sua própria burocracia, sempre preso em deliberações intermináveis que não levam a lugar algum. Nós agimos enquanto eles discutem, enfrentamos o perigo enquanto eles contam seus lucros em gabinetes seguros.
Madame inclinou-se mais para frente, suas palavras carregadas de uma paixão ardente.
— Por isso somos necessários, Ana. Por isso sua mãe e muitos antes dela se arriscaram. Não é apenas uma luta por sobrevivência, é uma luta para viver bem, por um mundo onde as sombras e outras ameaças não decidam o destino de todos.
Ana absorveu cada palavra, sentindo o peso da responsabilidade que carregava e a seriedade de sua posição.
— Eu não quero nada disso, quero apenas viver bem e morrer bem — com uma ação lenta, ela empurrou o cofre contendo a coroa de volta para a dona da taverna. — Eu estou tranquila sendo uma mercenária comum. Agradeço a oportunidade, mas tô fora.
“Eu já devia esperar algo assim”, Madame não pôde deixar de gargalhar ao ver as ações inesperadas a sua frente.
— Você é apenas a base dessa grande pirâmide de poder, apenas aproveite o bom salário de uma patrona e faça suas missões. Eu vou ser sincera, quando soube que Margareth era sua mãe fiz questão de ajudar em sua promoção, precisava te explicar logo o que fazemos aqui, mas vai levar anos para que suba novamente.
Ela fazia grandes gestos e falava em uma voz animada, dando seu máximo para convencer a garota
— Pense melhor até lá, missões como a que você pegou não são comuns, eu peço desculpas pelas dificuldades que te fiz passar.
— Hmmmm — Ana ficou pensativa. Ela não queria se envolver muito, mas ainda sentia o peso do ouro próximo a seu peito. — Merda de capitalismo.
Puxando o emblema e guardando-o em seu bolso, Ana se levantou, preparando-se para sair.
— Uma última coisa — falou Madame, mudando o tom para algo mais pessoal. — Sua mãe está no Hospital Lúmen. Você deve ir lá rapidamente, parece que ela foi afetada profundamente pelo mal que enfrentaram.
— Obrigada mais uma vez por toda a ajuda — finalizando a reunião enquanto digeria as novas informações, ela se retirou da sala.
— Cuide-se, Ana. E lembre-se, este lugar sempre será um refúgio para você e os seus, não importa o quão escura seja a noite.
Em seu caminho até a saída do bar, Ana percebeu que a atmosfera mudou. As pessoas a encaravam com uma mistura de curiosidade e medo.
“Parece que é impossível impedir os rumores”, pensou Ana, notando que a notícia de que enfrentaram uma sombra e sobreviveram se espalhou rapidamente.
Apesar dos olhares temerosos, alguns mercenários levantavam suas canecas em direção a ela, um brinde de respeitoso reconhecimento em meio aos murmúrios.
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Um prédio antigo se destacava entre os demais pela sua arquitetura vitoriana. Um jardim meticulosamente cuidado era visto na entrada, mesmo com o edifício estando na periferia da cidade. Apesar de meio antiquado, sua atmosfera era de calma, com enfermeiros dando passos silenciosos e apressados e um ocasional bip de equipamentos médicos.
Ao entrar no local e dizer seu objetivo, um dos médicos, um homem de meia idade com uma expressão cansada, a guiou ao quarto de sua mãe, onde sua irmã descansava, apoiada na beira da cama, olhando fixamente para as máquinas.
— Jasmim, como ela está? — Ana perguntou, aproximando-se cautelosamente.
Jasmim, com os olhos vermelhos de preocupação e falta de sono, virou-se para encarar Ana, uma sombra de raiva passando por seu rosto.
— Ela não acordou desde que a trouxeram. Os médicos dizem que é um coma — Jasmim respondeu, com sua voz trêmula. — Eu sabia que ela saía em busca de ervas, mas pensei serem trabalhos avulsos, Ana! Como ela pôde se envolver com mercenários? Você sabia disso?
Jasmim quase gritava, a angústia evidente em sua voz. A palavra "mercenária" saiu carregada de desdém, fazendo Ana ficar incomodada.
“Parece que ela tem um preconceito bem forte sobre a companhia”, Ana percebeu o impacto que as revelações sobre a vida secreta de sua mãe tiveram sobre Jasmim, mas ao começar a explicar, foi interrompida por um sacudir de cabeça claramente desapontado.
— Eu não posso acreditar que vocês escolheram essa vida. Todo esse risco, por quê? Por dinheiro? Por aventura?
— Não é tão simples… Eu sinto muito que você tenha descoberto dessa forma, Jasmim. Ela fazia isso para nos proteger, para proteger todos nós.
— Proteger? Colocando-se em perigo constante? Com suas habilidades vocês podiam ter entrado em minha guilda, poderíamos dizer orgulhosamente que somos caçadores — Jasmim retrucou, claramente abalada e confusa.
Ana colocou uma mão de forma reconfortante sobre o ombro de Jasmim, sentindo a tensão presente em seu corpo.
— Agora, mais do que nunca, ela precisa de nós. Vamos cuidar dela juntas, como ela cuidou de nós.
— Cale a boca! Você está junto com os que fizeram ela ficar nesse estado, você não passa de uma marginal! Eu não aguento olhar para a sua cara, não agora.
Com olhos cheios de lágrimas e passos pesados, a jovem caçadora correu para fora da sala.
— Crianças são realmente difíceis, mãe — disse Ana para si mesma. Seu sorriso estava cansado enquanto arrumava o travesseiro da mulher desacordada.
Apesar das muitas palavras terem sido ditas apenas pelo calor do momento, as coisas entre Ana e Jasmim mudaram permanentemente.
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