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Ana olhou ao redor, tentando entender a situação bizarra em que se encontrava.
— O que está acontecendo aqui? — perguntou, sua voz em uma mistura de confusão e curiosidade.
A figura alada ergueu o rosto mascarado, a luz dos vitrais refletindo em suas asas brancas. Havia uma calma inabalável em seus movimentos, como se estivesse em presença de algo sagrado.
— Estamos esperando por você há tanto tempo — começou ela, a voz carregada de emoção contida. — Fomos chamados de loucos, amaldiçoados, mas nunca perdemos as esperanças. Nunca esquecemos da criadora que nos moldou com suas próprias mãos, de todo o cuidado gravado em nossos corpos.
Ana franziu a testa, tentando processar as palavras, quando em um instante o ser alado retirou a máscara lentamente, revelando um rosto que a fez congelar. Era Gabriel, ou melhor, uma réplica perfeita dele. Mas algo estava errado. Havia uma ausência de vida, uma inumanidade nos olhos que a perturbava profundamente, mesmo tendo feições perfeitamente iguais ao anjo real. Seus músculos se moviam de forma mecânica, quase que algo temporizado, adentrando profundamente no vale da estranheza.
— Esse... lugar... — murmurou a mercenária, sua voz falhando. — Esse lugar…
Seu corpo instintivamente queria sair dali; tal lugar era uma das poucas coisas que realmente a amedrontavam. Lembrou de como fez cada estátua com amor, de como ficou feliz criando cada habitante durante o Grande Vazio. No começo, parecia que estava trazendo à luz seu próprio mundo, mas recordava com clareza como o resultado final parecia um filme de horror antigo. E agora, como se dissesse que seus receios sempre foram verdadeiros, lá estavam elas, se erguendo diante dela, vivas e conscientes.
“Bom, por enquanto vou apenas aproveitar a sorte que sorriu para mim”, pensou, rindo para si mesma, uma risada curta e amarga ao terminar de refletir sobre a situação.
Estava prestes a responder, tentando encontrar as palavras certas, quando André, o líder dos bestiais, interrompeu com um grito gutural.
— Basta! — rugiu ele, sua voz profunda ecoando pelo salão. — Isso é uma farsa! Não existe rainha nenhuma!
Ana virou-se para a voz, sua expressão endurecendo. Ela havia esquecido momentaneamente do perigo imediato em que se encontrava. André, com seus músculos tensos e olhos selvagens, avançava lentamente, seus seguidores rosnando em uníssono.
Gabriel, ou o que quer que fosse aquela figura com o rosto dele, ainda segurando a máscara nas mãos, deu um passo à frente, protegendo Ana com suas asas estendidas, mas a mercenária encostou em seu ombro, indicando que se retirasse. O anjo de pedra recuou de forma hesitante, mas obediente.
Ana se posicionou no topo da escada que levava ao trono, seu olhar fixo no bestial. Ela adotou uma postura quase teatral, deixando que a dramaticidade do momento tomasse conta da sala. Com um leve sorriso no olhar, falou com uma calma que escondia a intensidade de sua presença.
— Como pode ver, André, a situação mudou. Se o seu objetivo é evitar mais mortes, devo dizer que lutar seria um esforço inútil.
Ela começou a descer as escadas, cada passo ecoando no salão silencioso. Seus olhos não deixaram seu oponente aenquanto se aproximava, e quando chegou ao último degrau, olhou-o de cima a baixo, avaliando cada detalhe de sua postura.
— Vocês nos atacaram sem provocação — continuou Ana, sua voz firme e clara. — Meu grupo estava apenas tentando sobreviver, mas vocês decidiram transformar isso em uma briga.
André rangeu os dentes, o som se misturando com a quietude tensa que dominava o ambiente. Ele desviou o olhar para os mascarados ao redor, que já estavam com as mãos firmemente pousadas no punho de suas armas, prontos para agir ao menor sinal de confronto. O peso da situação estava evidente em seu rosto. Após um breve momento de hesitação, ele suspirou profundamente, resignado.
— Como rei, tenho a responsabilidade de proteger meu povo — disse ele finalmente, sua voz grave, mas resoluta. — Não havia como saber que vocês não faziam parte do exército inimigo. Num mundo como o nosso, onde traições e armadilhas estão em cada esquina, não podemos nos dar ao luxo de correr riscos. Mas agora, vendo a situação, reconheço que um confronto aberto seria desnecessário. Às vezes é difícil controlar nossa... agressividade.
Ele respirou fundo, olhando novamente para seus seguidores antes de voltar o olhar para Ana.
— No entanto, não posso permitir que saiam impunes pelo sangue derramado. Exijo um duelo, para que possamos resolver isso de maneira justa.
Ana ficou surpresa com a eloquência do bestial. A maneira como ele articulava suas palavras, com a gravidade e o peso de um verdadeiro líder, a fez perceber que ele realmente exalava a presença de um rei. Essa percepção a fez refletir por um breve momento enquanto sua mão alcançava a espada em suas costas. Quando tentou puxar a lâmina, sentiu-a enroscar na bainha, e uma expressão de frustração cruzou seu rosto.
"Ela cresceu de novo… tão incômodo", pensou, percebendo que a espada havia mudado mais uma vez, provavelmente absorvendo energia das mortes durante a fuga.
Com um movimento calculado, ela girou a arma, deixando a ponta bater no chão diante dela, o peso de sua estrutura de metal negro vagando pela sala.
— Se essa é a única forma de resolver isso, que seja — disse Ana, sua voz inabalável. — Mas exijo uma garantia: se você vencer, apenas vá embora, deixe meu grupo em paz.
André grunhiu em resposta, seus olhos se estreitando com uma mistura de desconfiança e respeito. Ele sentia que Ana não era uma oponente comum.
— Eu exijo o mesmo — respondeu, a voz carregada de uma gravidade profunda. — Se eu perder, você e os seus deixam o meu povo partir sem interferências.
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Com um estalo que parecia ressoar por todo o salão, André voltou à sua postura animalesca. Seus músculos incharam, a pele esticando sobre os ossos enquanto seus olhos assumiam um brilho vermelho intenso, quase sobrenatural. Ele parecia ter se transformado em uma besta, uma máquina de combate pura, pronta para a batalha.
Ana o observou por um instante, seu olhar afiado analisando cada movimento do homem. Ela ponderou as próximas ações, sua mente rápida considerando as possíveis estratégias. Então, com uma decisão firme, fincou a espada no chão ao seu lado, deixando a lâmina cravada no mármore polido.
Após balançar o corpo, adotou uma postura de luta desarmada, os punhos cerrados dentro das manoplas que agora reluziam com uma intensidade quase ameaçadora.
“Força bruta não vai ser o suficiente”, refletiu, tentando decidir o que faria na luta inesperada.
O mundo parecia mergulhado em tensão, como se o próprio ar estivesse à espera do confronto iminente. As figuras mascaradas ao redor estavam desconfortáveis, os olhos fixos na cena que se desenrolava.
Ana e André se encararam, e em um instante, ele se lançou para frente com uma velocidade surpreendente para alguém de sua estatura, os punhos cerrados como martelos prontos para esmagar.
A mercenária desviou no último segundo, seu corpo girando graciosamente enquanto a mão direita subia em um gancho ascendente, visando o queixo de André, fazendo sua cabeça estalar para trás.
André recuou com o impacto, mas rapidamente voltou a se lançar contra a mulher usando seus instintos animais. Ele desferiu um soco pesado, mas Ana abaixou-se, aplicando uma rasteira baixa que o desequilibrou. Em vez de cair, André usou o impulso para girar no ar e desferir um chute lateral com força bruta na direção do estômago da guerreira. Ana foi pega de surpresa, bloqueando o chute com os antebraços cruzados em x como uma defesa rápida, mas o impacto a fez recuar vários passos.
— Porra, porra, porra! Que força desgraçada — reclamou, balançando os braços. — Isso é totalmente injusto.
— Raça inferior… Fraca…
— Parece que alguém está meio lerdo de novo…
Antes que ela pudesse recuperar totalmente o equilíbrio, André saltou para um dos pilares próximos, agarrando-se a ele com força. Com um impulso poderoso, ele se lançou em direção a Ana, estendendo os braços como garras, pronto para rasgar o que encontrasse. Ana rolou para o lado, mas ele, em um movimento intenso, pousou com os quatro membros no chão, como uma fera, disparando para atacar de novo.
Ana se esquivou, inclinando-se em um movimento fluido para evitar o golpe, e desferiu uma cotovelada nas costas de André, abrindo um grande corte com a lâmina de seu equipamento, o qual para sua surpresa resultou apenas em uma ferida não tão profunda. Ele grunhiu de dor, mas, assim como antes, em vez de recuar, usou a força do impacto para se virar e desferir um gancho de esquerda que acertou o lado do corpo de Ana, fazendo-a ofegar.
“Isso não é bom…”, sentindo a forte dor do ataque, Ana finalmente tomou uma decisão.
Suas manoplas e botas começaram a emitir um brilho intenso, e pareciam estar quase fervendo quando um estranho vapor começou a ser emitido. Ana não pretendia lutar com manifestações de mana, não teve oportunidades suficientes para treinar isso devido a sua situação peculiar, então estava apenas gastando energia deliberadamente na intenção de aumentar sua força através do domínio da mana reversa.
Sem saber disso, André começou a caminhar ao redor da mulher, hesitando em avançar precipitadamente. Foi então que, dessa vez, Ana quem saltou para frente com um movimento inesperado. A garota usou a velocidade do impulso para girar sobre o próprio eixo, e abaixando-se levemente girou sua perna em um arco baixo que repentinamente mudou de direção, deslocando a mira do tornozelo de seu oponente para seu pescoço.
Devido a proximidade, o líder bestial desviou de forma improvisada, cambaleando para trás, porém Ana fez um nova investida, acertando o joelho em suas costelas, o impacto fazendo o ar sair de seus pulmões.
André quase caiu, sendo obrigado a recuar vários metros, recuperando o fôlego, e então encarou a duelista a sua frente, se deparando com um inesperado sorriso. Só então sentiu uma dor atrasada, e com certa confusão passou as mãos sobre onde o joelho da mulher o havia acertado, notando um grande sulco em seu pulmão. Seus olhos se arregalaram, algo assim não deveria ter acontecido com a resistência que seu corpo possuía, mas um novo toque de seus dedos mostraram que não era um engano.
Antes que pudesse entender completamente a notável mudança de força, saltou para um pilar, desviando de um novo golpe que veio em direção a sua cabeça. Com uma alta agilidade, o usou como uma plataforma para impulsionar-se no ar, girando em um ataque aéreo preciso.
— Idiota — gritou Ana, sorrindo cada vez mais enquando dava dois passos rápidos em recuo, sentindo o metal familiar chegar em suas mãos.
André, ainda no ar, descia em alta velocidade, uma verdadeira força da natureza, pronto para desferir seu último ataque. Ana manteve a calma, posicionando-se com precisão. Ela arrastou o pesado objeto pelo chão e as faíscas saltaram enquanto a espada desenhava um rastro brilhante no mármore, antes de subir em um arco poderoso. Suas pernas mudaram de posição, visando manter seu equilíbrio, e logo a arma cortou o ar com um som agudo e acertou o bestial diretamente no abdômen.
A lâmina penetrou profundamente, cortando até a metade do tórax antes de ficar presa entre as costelas, destruindo vários órgãos internos em seu caminho. O impacto foi devastador, mas André, com uma força de vontade impressionante, permaneceu consciente. Seus olhos, antes ferozes, agora estavam carregados de dor e resignação. Ele fitou Ana com um olhar que misturava respeito e aceitação.
— Você venceu...
Ana soltou uma risada alta, que reverberou pelo salão. Havia uma amargura na sua voz, mas também uma satisfação cruel.
— Sim, eu venci.
— Mantenha... a promessa...
Ana observou o homem à sua frente, alguém que, apesar de toda a brutalidade, tinha uma honra própria. Ela acenou lentamente, mas então virou-se para a figura alada, que já havia recolocado a máscara.
— Vocês realmente me consideram uma rainha? — perguntou, com uma curiosidade genuína.
— Sim, servir a você é o nosso propósito, Criadora.
Ana ponderou por um momento, seus pensamentos se movendo rapidamente enquanto processava o que isso significava. Com um suspiro quase imperceptível, ela se virou para André, que mal respirava.
— Num mundo como o nosso, onde traições e armadilhas estão em cada esquina, não podemos nos dar ao luxo de correr riscos — disse Ana, repetindo a explicação de seu agressor.
André franziu o cenho, a confusão evidente em seus olhos já enfraquecidos. Vendo isso, Ana se abaixou próximo a seu rosto e se inclinou um pouco, permitindo que ele ouvisse bem.
— Matem todos que não se renderem.
As palavras foram ditas suavemente, mas o impacto foi imediato e devastador. As portas do salão se fecharam com um estrondo, e o som das lâminas saindo das bainhas ecoou pelo espaço. O olhar de André se encheu de lágrimas, escorrendo por seu rosto enquanto a compreensão e o desespero tomavam conta dele. Com seus últimos momentos, ele assistiu impotente enquanto seu mundo desmoronava.
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