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O quarto da pousada estava banhado pela luz suave do amanhecer, filtrada através das finas cortinas de linho. O som tranquilo de pássaros cantando lá fora e o murmúrio distante da cidade começando seu dia traziam uma sensação de paz que contrastava fortemente com a agitação da noite anterior.
— Nunca dormi tão bem! — exclamou Lúcia, espreguiçando-se e sorrindo para Ana, que ainda estava deitada, apesar de acordada.
Ana acenou para a garota e se levantou lentamente, aproveitando a sensação de relaxamento. As madeiras do piso rangeram levemente sob seus pés descalços enquanto ela caminhava até a janela, um fato curioso que parecia ter sido propositalmente implementado por pura ambientação, já que a construção tinha cara de nova. Com um puxão suave, abriu um pouco mais as cortinas, deixando a luz do sol inundar o quarto por completo. O ar fresco da manhã entrou, trazendo um cheiro adocicado mesclado ao aroma rotineiro de café vindo da cozinha da pousada.
— Eu realmente senti falta disso... — comentou Ana, fechando os olhos para apreciar o momento.
Lúcia, mais descansada do que nunca, cantarolava enquanto desciam as escadas, acostumada a ouvir Ana fazer o mesmo de vez em quando. Chegando à sala comum da pousada, foram recebidas por um ambiente acolhedor. A lareira ainda tinha algumas brasas acesas, e o calor suave preenchia o espaço, afastando o leve frio da manhã. A taverna estava quase vazia, apenas alguns clientes matinais tomavam seu café e conversavam em sussurros, criando um ambiente calmo e sereno.
— Helena, me traga um café, por favor — pediu Ana enquanto se sentava em uma das mesas de madeira desgastada. Simultaneamente, pegou mais algumas moedas da bolsa. — Além disso, vou ficar mais uma noite, então não precisa arrumar o quarto.
— Como desejar! — respondeu a mulher com um bonito, mas cansado, sorriso, já com a caneca fumegante cheia do aromático líquido preto.
Quando finalmente chegou na mesa, Ana pegou o recipiente com ambas as mãos, sentindo o calor reconfortante.
— Ah, café... — suspirou a garota, levando a caneca aos lábios e saboreando o gosto forte e amargo que há tanto tempo não provava. — Se tudo der certo, Lúcia, abriremos uma cafeteria em Leviathan um dia.
— Leviathan?
— É um lugar incrível onde vivi por um tempo, às vezes me arrependo de ter saído de lá. Bom, foi inevitável, ainda tenho muita coisa para ver nesse mundo.
— É ainda mais incrível que essa cidade?
— Ah sim, muito mais.
— Hmmm — a menina parecia descrente, mas logo aceitou com um aceno brusco. — Então combinado, vou ficar esperando você me levar lá.
Curiosa, Lúcia pegou a caneca em frente a Ana e tomou um gole, mas logo fez uma careta, devolvendo-a rapidamente para seu lugar.
— Não sei como você pode gostar disso — resmungou, ainda com a expressão de desgosto.
Ana riu, o som ecoando suavemente pela sala.
— Você se acostuma.
O café da manhã passou vagarosamente, e ao terminar, foram até os estábulos para dar um oi ao lobo. O lugar estava calmo, e ele mordia uma peça de carne deitado relaxadamente em uma das baias.
— Por enquanto, você terá que ficar aqui, mas em breve teremos nosso próprio lugar — disse Ana, acariciando o animal, que lambeu sua mão em resposta.
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Vendo que parecia confortável o suficiente, Ana e Lúcia caminharam de volta à cidade. O contraste com a noite anterior era evidente. A cidade que antes parecia de certa forma um lugar de sombras e mistérios agora revelava seu lado mais acolhedor e vibrante. As pessoas sorriam e cumprimentavam umas às outras, e o cheiro de comida fresca no ar indicava que era hora da refeição para muitos.
Conforme se aproximavam da área central, a movimentação aumentava, e o ritmo diário ficava mais evidente. O mercado fervilhava de atividade, com vendedores anunciando seus produtos e clientes negociando preços. O cheiro de ervas preenchia o ar, misturado ao som de conversas animadas e risos.
Quanto mais se aproximavam da muralha central, mais a arquitetura mudava, com edifícios mais antigos e charmosos, enquanto a presença de tecnologia mágica se tornava mais evidente. Cada prédio continha estranhos painéis que absorviam avidamente a luz solar, quase sendo possível ver as partículas se condensando.
Os guardas no portão interno estavam em seus postos, parecendo mais relaxados do que os que encontraram na muralha externa. Eles acenaram para Ana e Lúcia, permitindo sua passagem sem uma inspeção complexa.
“Parece que várias novas guildas surgiram por aqui”, pensou Ana, observando os muitos emblemas que brilhavam sutilmente sobre uniformes impecavelmente vestidos.
Tudo parecia bem, no entanto, poucos passos após as muralhas, um estrondo ensurdecedor foi ouvido. Os portões caíram pesadamente nas suas costas, e um alto alarme começou a soar em vários alto-falantes flutuantes pela cidade. O som era estridente e pulsava com urgência, reverberando pelas ruas e fazendo com que todos os cidadãos parassem suas atividades, olhando em volta com expressões de preocupação e medo.
— Tenho um mau pressentimento… — resmungou a rainha mercenária, instintivamente apertando o passo, suas mãos se fechando em punhos. Ela lançou um olhar rápido para Lúcia, que estava ao seu lado, os olhos arregalados e o corpo tenso pela agitação repentina. — Fique atenta e pronta para correr. Algo está errado.
Lúcia assentiu, o medo evidente em seus olhos, mas manteve a postura ereta, determinada a seguir as instruções. As ruas ao redor começaram a se esvaziar rapidamente, com cidadãos correndo para se abrigar em suas casas ou lojas, as portas de metal com ruídos estridentes. O pânico estava começando a se espalhar, como se um véu de pavor tivesse sido lançado sobre a cidade. Ao longe, viam-se grupos de guardas correndo em cada esquina, se juntando em pequenos batalhões. Pareciam confusos, mas não demoraria para se organizarem.
Alguns drones navegavam silenciosamente pela cidade, suas luzes piscando de forma intermitente enquanto observavam a movimentação abaixo. Esses dispositivos, esféricos e reluzentes, com intrincados padrões de mana amarelos cobrindo sua completude, pareciam observar cada movimento com suas lentes multifacetadas, girando suavemente enquanto captavam dados invisíveis. Eram pequenos e ágeis, deslocando-se de um ponto a outro com uma eficiência quase sobrenatural. A presença dos dispositivos adicionava uma camada extra de tensão ao ambiente já carregado, fazendo com que cada sombra parecesse mais ameaçadora e cada segundo mais urgente.
Os passos das garotas aceleravam cada vez mais, e Ana decidiu focar em sua audição, tentando captar qualquer conversa útil em meio ao caos inicial. Pessoas murmuravam entre si, preocupadas e apreensivas, mas não pareciam saber o motivo do alarme, estando tão no escuro quanto elas.
Foi então que reparou em uma mulher esguia, a qual vestia um uniforme vermelho um pouco mais elaborado que os dos demais, chegando ofegante na guarita próxima a um dos portões menores que davam acesso a uma das torres. Seu corpo estava empapado de suor e seus olhos arregalados deixavam claro que estava ainda mais assustada que os civis. Assim que recuperou um pouco o fôlego, se aproximou do restante do grupo que já estava ali.
“Mas que grande merda!”
Com um movimento rápido, Ana pegou Lúcia pelo braço e correu em direção aos estreitos caminhos entre os prédios. Os guardas haviam olhado em sua direção repentinamente. Ela não conseguiu entender toda a conversa em meio ao tumulto, mas um único sussurro captado foi o suficiente.
— Sombra.
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