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A Eternidade de Ana [Português, Brasil]
Capítulo 170 - O Que Resta

Capítulo 170 - O Que Resta

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— Fantasma… fantasma… — Alex murmurava incessantemente, como se a palavra fosse um mantra que o mantinha ancorado à realidade, mas cada repetição só aprofundava sua confusão. Sua voz tremia, os tons baixos carregados de incredulidade e terror.

A insanidade que ele acreditava ter enterrado em um passado distante voltou com força esmagadora. Era como se a barreira frágil que havia erguido contra suas memórias e seus medos tivesse se despedaçado, deixando sua mente exposta a uma tempestade de emoções. Ele sabia, racionalmente, que aquilo não podia ser verdade. Mas, ao mesmo tempo, cada fibra de seu ser gritava que o homem à sua frente era real.

— Fantasma… — a palavra saiu novamente, mais rouca, mais desesperada.

Sua respiração estava irregular, os pulmões queimando enquanto tentava processar a visão que parecia impossível. O rosto metálico de Felipe, parcialmente humano, parcialmente máquina, tornou-se um símbolo de algo que Alex não conseguia explicar ou aceitar.

Levando as mãos instáveis às laterais da cabeça, Alex apertou as têmporas, como se quisesse esmagar os gritos ensurdecedores que ecoavam em sua mente. Ele caiu de joelhos, os olhos arregalados e injetados de sangue, fixos no homem-máquina.

— Isso não pode ser real... Fantasma…

Ao longe, Eva, que tentava recobrar o fôlego enquanto se levantava, também arregalou os olhos ao ver a reação do companheiro. Sabia o que aquelas ações estranhas significavam.

— Você… — ela começou, a voz falhando enquanto se aproximava lentamente. — Você é… o Felipe?

O homem, que até então permanecia imóvel observando Alex com um misto de dor e culpa refletido em seu rosto exposto, desviou o olhar para Eva. Seu olho mecânico brilhou por um instante, ajustando-se para focar nela.

— Esse é meu nome.

— Alex me disse que você tinha morrido…

Felipe ergueu a cabeça, expondo o lado danificado de seu rosto, o qual teve boa parte das juntas destruídas no último golpe do irmão. O metal brilhante refletia a luz, enquanto o fluido negro misturado ao sangue escorria lentamente pela mandíbula esmagada.

Respondeu então com um sorriso inquietante, uma expressão marcada por ambiguidade. Havia também algo nele entre o orgulho insano e a melancolia, como se fosse incapaz de expressar uma única emoção por completo.

— Morri, sim... — fez uma pausa, inclinando levemente a cabeça como se ponderasse as palavras seguintes. — Morri para o velho mundo, para a velha vida.

— Isso é... cruel… — Eva balbuciou, suas palavras saindo em um sussurro trêmulo. — Aquela mulher fez isso com você?

Seus olhos estavam marejados, brilhando com emoções contidas. Ela apertou o arco com força, como se o objeto pudesse oferecer algum tipo de apoio em meio ao turbilhão de sentimentos.

Felipe hesitou, e por um breve momento, o zumbido constante das partes mecânicas de seu corpo pareceu desacelerar. Algumas engrenagens travaram levemente, como se algo em seu interior estivesse lutando contra as o que se forçava a ressurgir. Mas isso não durou muito, logo o desfoco em sua visão voltou a clarear.

— Ninguém "fez isso comigo" — os olhos de dele se estreitaram por um momento. Seu corpo pareceu hesitar, mas sua voz estava mais firme, apesar de um sutil tremor poder ser visto — Eu escolhi isso. Busquei algo… e o encontrei.

Aquelas palavras cortaram Eva como uma lâmina, deixando-a sem reação. O peso das escolhas de Felipe parecia esmagá-la, tornando impossível uma resposta imediata, mas seus olhos estavam cheios de emoções: tristeza, confusão e, acima de tudo, uma compaixão que parecia incapaz de alcançar o homem à sua frente.

Parando de prestar atenção na garota ruiva, ele deu um passo à frente, dirigindo-se ao irmão caído. Alex ainda estava murmurando baixinho, seus lábios soltando palavras incoerentes enquanto suas mãos agarravam o próprio cabelo.

— Não precisa ser assim! — Eva gritou em desespero ao vê-lo ajustar o braço para um novo disparo. — Por favor, Felipe... volta com a gente! — ela deu um par de passos, chorando copiosamente. — Não é só ele, a Ana também está viva! Você não precisa se isolar assim... E o Alex… ele só precisa de um instante. Ele sentiu tanto a sua falta... me contou tantas histórias de vocês dois juntos. Por favor…

Felipe parou por um momento, mas não se virou. Mesmo assim, a simples pausa no avanço fez a esperança de Eva se renovar.

Tentando eliminar os últimos traços de desespero, ela levou as mãos ao rosto por um instante, forçando-se a se recompor. Quando as baixou, respirou fundo e tirou lentamente a máscara de raposa que escondia sua face. A máscara caiu ao chão com um som abafado, revelando suas feições.

— Olhe para mim… — sussurrou, com a voz vacilando.

Os olhos metálicos de Felipe se voltaram lentamente para a garota. Ele ficou imóvel, como se cada fibra de sua existência estivesse tentando entender o que via.

— Você… — ele começou, hesitando. — Você é a irmã daquela garota ruiva… Sim… Não me lembro bem…

— Eu sou Eva — disse ela, sua voz mais firme agora, mesmo com as lágrimas ainda caindo. — E você é Felipe, irmão do meu amigo, companheiro da minha irmã. Um aliado, não inimigo.

Felipe fechou os olhos parcialmente humanos por um instante em um claro conflito. Sua respiração – ou o que quer que alimentasse seus interior mecânico – ficou mais pesada, como se estivesse à beira de um colapso.

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— Eva… — ele murmurou, quase inaudível.

Alex, ainda ajoelhado, levantou a cabeça levemente ao ouvir a conversa, mas não se manifestou. Felipe deu um passo para trás, como se estivesse fugindo da própria humanidade que aquelas pessoas tentavam resgatar nele.

— Você não entende… Eu não posso voltar.

— Claro que pode! Nós vamos te ajudar!

— Não há "nós". Eu sou… o que resta. EU SOU O QUE RESTA!

Com o grito, de forma semelhante a de seu irmão, Felipe apertou a cabeça com ambas as mãos, os dedos metálicos cravando-se em sua pele artificial com força suficiente para deixar marcas visíveis. Seu rosto contorceu-se em uma expressão de dor extrema, como se algo em seu interior estivesse prestes a explodir. Seus membros tremiam descontroladamente, e pequenos estalos ecoaram enquanto cada junta lutava para acompanhar o movimento frenético.

De repente, ele moveu a mão para a parte de trás do pescoço e, com um gesto brusco, abriu uma alavanca oculta em sua nuca. Um chiado estridente reverberou pelo salão, seguido por uma densa nuvem de vapor e fumaça negra que escapou com violência. O calor irradiado pela liberação era sufocante, e Eva deu um passo instintivo para trás, protegendo o rosto com o antebraço enquanto tossia.

Com isso, ele parecia ter recobrado a calma. Sua respiração era pesada, mas regular, e sua postura voltou à compostura rígida e controlada de antes.

— Certo… — murmurou por fim, como se tentasse organizar os fragmentos de sua memória. Seus olhos semicerrados cravaram-se em Eva, estudando-a uma vez mais. — Julia… Era isso. Pensei que você fosse apenas uma criança…

— Eu era uma criança… — Eva respondeu, forçando um sorriso enquanto suas mãos discretamente alcançaram uma flecha na aljava. — Mas já faz quase seis anos desde que minha irmã morreu... Felipe, não é tarde demais. Podemos nos vingar daquela mulher juntos! Você não precisa se tornar um monstro para ser mais forte!

— Vingar…

Felipe riu, mas o som estava longe de ser genuíno. Era um riso frio, amargo, com ecos metálicos que reverberavam pelo salão. Então, como se só agora tivesse escutado o resto do diálogo, franziu a testa.

— Seis… anos? — ele piscou repetidamente. — Seis anos?

Ele repetiu as palavras, sua voz aumentando gradualmente.

— Ana… Alex… Julia… Ironia Divina… SEIS ANOS?!

Sua expressão se tornou cada vez mais distorcida. Seus membros começaram a tremer novamente, de forma ainda mais intensa. Tudo em seu interior parecia girar fora de controle, emitindo sons repugnantemente estridentes.

Ele começou a mover as mãos pelo corpo, ativando alavancas e ajustando controles incessantemente. A cada movimento, novas rajadas de vapor misturado a uma fumaça eram liberadas. O ar ficava mais pesado e o ambiente cada vez mais enevoado, dificultando a visibilidade. Eva tossiu novamente ao ser envolvida pelo negrume, seus olhos lacrimejando enquanto tentava enxergar através da névoa espessa.

— Pare! — a pequena conselheira gritou, tentando alcançar a mente do homem que parecia estar se fragmentando diante dela.

Mas Felipe não respondeu. Ele continuou ajustando alavancas, o som de seus movimentos mecânicos tornando-se cada vez mais violento. Quando a sétima delas foi acionada, o vapor ao redor já parecia engolir tudo à sua volta, transformando o salão em um inferno sufocante.

Foi quando ele finalmente parou. Seu corpo parecia mais mole, e ele inclinou a cabeça para frente, com os ombros subindo e descendo, exausto. A fumaça ao seu redor começou a se dissipar lentamente, não o suficiente para uma boa visão, mas mais do que necessário para o brilho laranja de seus olhos se destacarem, ofuscantes. Levantou a cabeça e olhou para Eva pela última vez, algo incompreensível era visto em sua expressão.

— Seis anos…

Sem dizer mais nada, voltou a ir em direção a Alex. Parecia focado, determinado, mas o tremor residual em seus movimentos indicava que sua calma era tão frágil quanto o ambiente ao seu redor.

— Chega de perder tempo aqui. Preciso das armaduras. Preciso estudar. Preciso encontrar Natalya. Preciso de força. Preciso evoluir. Eu preciso... de mais poder.

Felipe chegou até o irmão com um impacto violento, golpeando-o com precisão implacável. O chute havia vindo sem aviso prévio, fazendo-o voar em direção à parede lateral do corredor.

E então, ele avançou novamente.

Com o corpo inclinado, atacava sem cessar, cada golpe carregando o peso de sua força sobre-humana. Seu corpo aos poucos ficava visivelmente mais quente com articulações que pareciam metal recém-aquecido. O suor aumentava continuamente, e finos filetes de vapor subiam ao seu redor. O mesmo acontecia com as lágrimas que começaram a escorrer por suas bochechas. Sendo finas e rápidas, evaporavam instantaneamente antes que pudessem chegar ao queixo, criando um efeito fantasmagórico em suas feições deturpadas.

Alex, embora ferido, continuava a encarar o irmão com olhos vazios, as expressões de dor e confusão estampadas em seu rosto. Estranhamente, mesmo em sua alienação da realidade, o pugilista se defendia sempre que possível, como se estivesse no piloto automático, aparando alguns golpes com dificuldade, mas sem a força necessária para contra-atacar. O som do metal dos punhos colidindo com as manoplas ecoava pelo salão, enquanto faíscas saltavam a cada impacto.

Não foi só o triste olhar que permaneceu, mas também seus murmúrios balbuciados.

— Outro fantasma... Um espírito tentando me confundir... Não vou deixar isso acontecer!

As lágrimas em seu rosto brilhavam à luz instável do salão, refletindo as de seu irmão, como se ambos compartilhassem um sofrimento mútuo, mesmo estando em lados opostos.

Então, como se algo em sua mente houvesse finalmente chegado ao limite, Alex ignorou os golpes contínuos de Felipe e, em um gesto súbito e determinado, alcançou o estranho frasco que pendia de sua cintura. Seus movimentos eram bruscos, hesitantes, desesperados.

Arrancou a tampa com os dentes, cuspindo-a ao chão, e então pressionou o conteúdo esbranquiçado firmemente contra a fenda aberta em seu ombro. O líquido viscoso e iridescente parecia vivo, escorrendo lentamente através de sua carne.

O som de algo fervendo começou a chiar em suas veias, e Alex arqueou as costas violentamente.

O grito que se seguiu reverberou como um trovão, sugerindo uma dor ainda mais forte do que os ataques contínuos que estavam dilacerando seu corpo.

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