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Capítulo 62 - Yin Yang

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A enorme quantidade de sangue escorrendo de sua cintura já causava tonturas. Não havia tempo para hesitação. A decisão estava clara, mas o ato em si era horrível.

— É diferente de comer um animal — resmungou Ana, torcendo a boca em um pequeno beicinho.

Com um movimento rápido, ela começou a abrir o peito da Sombra. Era uma sensação estranha, mas pela primeira vez em muitos anos, suas mãos estavam tremendo enquanto trabalhava.

Dentro da caixa torácica um coração negro ainda pulsava lentamente, como se recusasse a aceitar o fato de que o corpo em que estava já não respirava. O contraste entre a pele pálida da Sombra e o coração escuro era macabro, mas Ana não tinha escolha. Ela sabia que precisava consumir essa força para se recuperar, para sobreviver.

Ela pegou o coração nas mãos, sentindo a textura fria e dura. O peso da responsabilidade e do sacrifício de sua amiga recém feita a pressionava. Após mais um breve momento de hesitação, ela levou o coração à boca, dando uma grande primeira mordida.

“Não é como se eu esperasse um carpaccio, mas isso é simplesmente horrível…”, pensou, enquanto o gosto amargo e mais metálico do que o sangue comum passava por sua boca. A mercenária teve que lutar contra o reflexo de náusea que subia por sua garganta.

Assim que começou a comer o coração, sentiu a tão esperada onda de energia invadir seu corpo.

“Não era pra ser assim!”

Imediatamente após perceber que algo estava errado, ela caiu no chão, tossindo sangue. Sentiu seu corpo queimar por dentro, como se um fogo estivesse consumindo cada célula.

“Filha da puta… no fim é você quem vai me matar?”, seu olhar de zombaria caiu sobre o corpo sem vida a seu lado.

Ela estava convulsionando enquanto o que consumiu da Sombra se fundia a ela. Não tinha força para gritar, porém ainda assim tentava, mas a dor era tão intensa que roubava seu fôlego.

Enquanto sua mente vagava pela tortura, lembrou-se de todas as dores extremas que já havia sentido. Cada cicatriz, cada ferimento, cada perda, tudo parecia insignificante em comparação ao que estava sentindo agora, nada se comparava a isso. Era uma dor que transcendia o físico, uma agonia que parecia atingir sua própria essência.

“Sempre existe uma dor pior?”, se perguntou, ficando curiosa sobre qual seria o ápice do sofrimento. “Talvez uma vida tranquila seja só o começo. Na hora de morrer, espero poder experimentar a "dor perfeita"“.

De repente, em meio a divagações que buscavam um sentido para tudo o que estava passando, algo ainda mais intenso começou a crescer em seu peito. Era como se uma roda de energia estivesse girando cada vez mais rápido, tentando destruir tudo em seu caminho. O coração pulsava loucamente, e ela sentia a pouca mana ainda não absorvida de suas últimas refeições bater de frente com outra coisa dentro dela.

“Mana reversa! Mas que grande merda…”

A mana da Sombra, escura e densa, se chocou violentamente com a mana comum, que poderia ser descrita como pura e luminosa. A fusão dessas energias criava uma turbulência que parecia estar prestes a rasgar seu corpo ao meio. Ana tentou usar sua própria força de vontade para controlar a fusão, mas a sua consciência ia e voltava enquanto era destruída por dentro.

Finalmente, o choque dos opostos atingiu um ponto culminante. Ela não conseguia respirar, e sua pele começou a ficar mais pálida, quase translúcida, antes de voltar para um leve tom rosado. Sentia como se estivesse sendo transformada, cada célula de seu corpo sendo alterada pela fusão das energias opostas.

Ana podia sentir sua carne se contorcendo, os músculos se contraindo de maneira involuntária. O calor era tão intenso que a pele parecia estar derretendo. Em alguns momentos, a dor era tão aguda que parecia que sua visão estava se fragmentando, como um espelho quebrado.

Finalmente, a exaustão tomou conta. Sem forças para continuar lutando, Ana desmaiou, seu corpo caiu pesado na grama úmida. As últimas sensações que teve foram de calor e frio se alternando enquanto sua consciência se apagava.

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— Faz mais de um ano desde que nos vimos pela última vez, garota.

Ana olhou para a direção da voz, surpresa e confusa.

— Acho que preciso me desculpar pelo último encontro, talvez eu tenha sido meio… rude.

Ana não respondeu, apenas se alongou e deu um grande bocejo.

— Vir aqui é sempre tão bom, quase faz compensar a dor. Essa branquidão toda me renova.

— Vai realmente me ignorar? Aceite minhas desculpas!

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— Eu já te conheço há muito tempo, Gabriel. Você já falou muita merda pior ao longo dos anos, então não se importe tanto.

O anjo a encarou, como se estivesse pensando o que fazer em seguida.

— Então tá… bom, de qualquer forma eu tenho que dizer que me arrependo do que disse antes. Você ainda é uma falha, mas é um puta de uma falha! Você a devorou! — as palavras saíram como um grito estridente, seguidas por altas gargalhadas.

— O que isso muda? Já comi muita coisa estranha…

— Essa é a melhor parte, eu não sei! Nunca pensei em fazer um ser bizarro como você comer outras falhas que possuem mana reversa, mas acredito que será bom para seu crescimento.

— Sinto que simplesmente fodi meu corpo… — resmungou Ana, sentindo um arrepio ao lembrar da intensa dor.

— Um pouco, mas olhe pelo lado bom, é uma das poucas formas que podem fazer você ir além.

— Isso significa que vou abrir alguns selos?

— Você está realmente com pressa para se livrar de mim? — perguntou o anjo, com uma cara de tristeza claramente fingida.

— Vamos, só fala de uma vez, hoje não está sendo um dia bom…

— Certo, certo, de qualquer forma o tempo que temos está acabando. Você não vai abrir seus selos, seu corpo por enquanto é só uma bateria ambulante, não vai aguentar muito além do que aguentava. Mas posso te dar um caminho!

Sem esperar uma nova resposta da garota, o anjo estendeu suas duas mãos, e a visão de Ana foi preenchida por um grande clarão. Uma série de imagens começou a se formar em sua mente, e fragmentos de lembranças a muito perdidas retornaram de uma só vez.

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Data: Provavelmente 15 de março de 801, certo?

Nome do Experimento: Modificação Genética em Mamíferos

Objetivo: Utilização de tecnologia emergente CRISPR para editar genes de pequenos mamíferos

Experimento 1: Coelho Branco

Modificação: Inserção de genes de bioluminescência

Procedimento:

Extração de genes de bioluminescência de medusas.

Utilização de CRISPR para inserir esses genes no DNA do coelho.

Resultado:

O coelho apresentou bioluminescência em condições de pouca luz. Apesar do sucesso, foi previsível e não trouxe a satisfação que eu esperava.

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Data: 20 de abril de 801

Nome do Experimento: Transplante de Cabeça em Roedores

Objetivo: Verificar a viabilidade de transplantes completos de órgãos vitais

Experimento 7: Dois Ratos

Modificação: Transplante de cabeça entre os sujeitos

Procedimento:

Anestesia dos ratos.

Realização de cirurgia para remover a cabeça de um rato e transplantá-la para o corpo do outro.

Resultado:

O rato transplantado mostrou sinais de vida por alguns minutos, mas eventualmente morreu. A complexidade do procedimento e a rejeição do órgão levaram ao insucesso, mas o experimento revelou muito sobre a conexão neural e vascular.

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Data: 15 de junho de 802

Nome do Experimento: Regeneração Acelerada de Tecidos

Objetivo: Estudar a capacidade de regeneração em organismos geneticamente modificados

Experimento 11: Lagarto de Cauda Verde

Modificação: Inserção de genes de regeneração de axolotes

Procedimento:

Extração de genes de axolotes, conhecidos por suas capacidades regenerativas.

Edição do genoma do lagarto para incluir esses genes.

Resultado:

O lagarto mostrou uma capacidade ainda mais impressionante de regenerar membros amputados, mas com deformidades significativas. Os novos membros eram frequentemente desproporcionais e disfuncionais.

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Data: 5 de agosto de 802

Nome do Experimento: Alteração de Características Cognitivas em Mamíferos

Objetivo: Aumento da inteligência e habilidades cognitivas

Experimento 21: Cachorro Marrom

Modificação: Inserção de genes relacionados à cognição avançada

Extração de genes de inteligência de corvos.

Edição do genoma do cachorro para incluir esses genes.

Resultado:

O cachorro mostrou sinais de cognição avançada, como a capacidade de resolver problemas complexos. Só um cachorro menos burro…

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Data: 5 de março de 803

Nome do Experimento: Infusão de Tecidos de símio com DNA de Plantas

Objetivo: Estudar a viabilidade de hibridização entre plantas e mamíferos

Experimento 39: Embrião de macaco prego

Modificação: Inserção de genes de fotossíntese de plantas

Procedimento:

Extração de genes responsáveis pela fotossíntese em plantas.

Infusão desses genes em um embrião símio utilizando CRISPR.

Resultado:

O embrião mostrou sinais iniciais de capacidade fotossintética, mas não se desenvolveu além do estágio inicial. O experimento revelou um pouco mais do limites da hibridização entre reinos biológicos distintos.

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Data: 2 de setembro de 806

Nome do Experimento: Criação de Quimeras Genéticas

Objetivo: Combinar DNA de diferentes espécies para criar um organismo híbrido

Experimento 78: Embrião de Cabra

Modificação: Inserção de genes de aranhas para produção de seda

Procedimento:

Extração de genes de aranhas que produzem seda.

Inserção desses genes no embrião de cabra utilizando CRISPR.

Resultado:

A cabra nasceu com a capacidade de produzir seda a partir de suas glândulas mamárias. Apesar do sucesso inicial, o organismo híbrido sofreu de várias deformidades e problemas de saúde, morrendo após alguns meses.

Aqui, abandono as pesquisas, já não tem mais graça. O conhecimento e a previsão dos resultados tornam os experimentos sem sentido.

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Ana despertou com o lobo encostando o focinho em seu rosto, sua respiração era quente e reconfortante. Sentia o estranho ardor dentro de si, mais fraco que antes, mas ainda presente, ameaçando sair de controle a todo instante. Cada inspiração trazia um misto de alívio e dor.

Seu corpo inteiro parecia latejar, mas ao mesmo tempo sentia-se mais leve do que antes. Ela olhou para sua ferida, notando que uma grande cicatriz estava presente onde a carne voltou a crescer, como se fosse algo antigo que se recuperou mal. O mundo ao seu redor parecia mais nítido agora, cada detalhe das árvores e do terreno acidentado da floresta ganhando uma nova intensidade.

— Preciso de um laboratório — murmurou para si mesma, estabelecendo um objetivo claro. — Me pergunto como tudo vai funcionar agora que a mana existe.

Seus pensamentos voltaram aos experimentos macabros que realizara séculos atrás. A curiosidade mórbida que a levou a explorar os limites da ciência e da ética, a busca incessante por algo que preenchesse o vazio dentro dela. As memórias dos animais híbridos, dos transplantes grotescos e das quimeras genéticas vinham à tona, como um filme de horror projetado em sua mente.

Ana sentia que a mesma obsessão começava a ressurgir. Mas dessa vez não era apenas a curiosidade que a movia, mas a necessidade de sobreviver, a necessidade de crescer, se transformar. De usar seu conhecimento para se tornar algo mais.

Enquanto se levantava, cada movimento exigia um esforço tremendo. O lobo ao seu lado parecia perceber sua dificuldade, encostando-se mais próximo, oferecendo um suporte silencioso. Ana acariciou a cabeça da criatura, sentindo que a conexão de mestre servo anterior foi substituída por algo novo, uma ligação de dor compartilhada proveniente da solidão em que se encontravam.

“Uma bateria ambulante, né?”

Ela podia sentir a mana ser parte de si pela primeira vez, mas a estranha energia apenas pulsava continuamente em seu coração, não havia fluxo ou qualquer benefício substancial aparente.

— Parece só uma porcaria inútil… Vamos, garoto — sussurrou ela, forçando um sorriso enquanto se apoiava no lobo para se equilibrar. — Temos muito a fazer.

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