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A Eternidade de Ana [Português, Brasil]
Capítulo 78 - Paz Efêmera

Capítulo 78 - Paz Efêmera

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Ana e Lúcia acordaram com o canto dos pássaros e o suave sussurro do vento entre as árvores. Sem falar muito além de um simples bom dia, começaram a juntar as coisas do acampamento, o silêncio compartilhado refletindo a estranha noite anterior. O sol já estava subindo, lançando seus primeiros raios dourados sobre as ruínas e trazendo uma leve brisa matinal. Lúcia, com grandes olheiras, montou no lobo, e Ana, ao ver a expressão cansada da garota, não pôde deixar de rir enquanto montava atrás dela. A risada genuína ecoou suavemente pelas árvores, um som que contrastava com a tensão da noite anterior.

Enquanto se afastavam da cidade destruída, o sentimento de vigilância que as acompanhava começou a diminuir. O silêncio da floresta era pontuado apenas pelo som das garras do lobo raspando nas raízes e pelos ocasionais cantos de pássaros. Lúcia, ainda curiosa, olhou para trás e, para sua surpresa, várias figuras estavam de pé em frente ao portão de saída da aldeia.

Elas pareciam parte integrante do ambiente, como se fossem uma extensão da vegetação ao redor. Seus rostos eram de uma tonalidade estranha, alguns com a pele esverdeada e textura rugosa semelhante à casca de uma árvore, enquanto outros exibiam flores crescendo de seus braços ou cogumelos brotando de seus cabelos. Uns, ainda mais bizarros, possuíam corpos que se abriam de várias formas, como grandes plantas carnívoras frequentemente vistas em filmes. Mesmo aqueles com faces mais humanas não tinham muita expressão, os olhos vazios e sem vida, contrastando com o movimento suave de suas cabeças enquanto observavam as duas forasteiras partindo. Vendo a garota os observar, começaram a acenar, como se estivessem se despedindo de uma agradável convidada.

— Ana, olha isso — disse Lúcia, puxando a manga da mercenária, visivelmente desconfortável com a cena.

Ana virou-se e também viu as figuras vegetais, mas logo voltou a olhar para frente.

— Tanta vida... — resmungou a mulher, visivelmente irritada — Bem, só ignore esses voyeurs. Você está se sentindo melhor? — perguntou, tentando abandonar a irritação que nascia em seu peito.

— Sim, as dores passaram.

— Ótimo, então vamos chegar rapidamente na cidade. Corre, garoto!

Recebendo leves tapinhas sobre o pelo macio, o lobo disparou com uma velocidade impressionante. O terreno acidentado fez a viagem ser mais longa do que esperavam, mas em poucas horas conseguiram percorrer duas centenas de quilômetros, momento no qual finalmente viram as altas muralhas de Barueri se erguerem diante deles. Eram edifícios imponentes, bem diferentes da pequena vila de onde saíram. Por algum motivo, mostravam sinais de fortalecimento recente, com alguns escombros e materiais de construção espalhados nos arredores.

— É estranho que tenham que se armar dessa forma, algo não parece certo… — murmurou Ana, vendo grandes balestras fincadas no topo dos muros.

— O que foi?

— Nada demais, vamos nos apressar para entrar. Garoto, você fica por aqui até sabermos se criaturas são permitidas, se esconda nas redondezas por enquanto.

O lobo ficou cabisbaixo, mas entendeu, saltando para a densa mata novamente. As garotas caminharam em direção a um grande portão de ferro, onde um guarda se estirava preguiçosamente em um tipo de guichê.

— Fiquem aí, vocês fedem — disse o homem, vendo-as se aproximar com um olhar de desprezo no rosto.

Lúcia se cheirou, chateada, mas franziu o nariz ao perceber que realmente não estava com um odor agradável, enquanto Ana deu de ombros, continuando a conversa.

— Peço desculpas, somos viajantes e estamos a muito tempo fora.

— Tá, tá, sem papo furado. Não são muitos que saem dos muros e não conheço vocês de vista, o que querem na cidade?

— Tenho alguns familiares por aqui, quero fazer uma visita.

— São puras?

“Mas de que merda esse cara está falando?”, pensou Ana, franzindo a testa, mas logo ajustou sua expressão para um sorriso gentil.

— Claro que sim. Esse interrogatório é realmente necessário?

— É sim, não queremos a maldita laia corrompida aqui — com uma expressão de desgosto, o homem cuspiu no chão.

— Vamos, isso deve ser o suficiente para você parar de encher meu saco — já sem paciência, Ana tirou a coroa de prata do bolso, jogando sob a mesa.

O homem olhou para o emblema por um momento, se endireitando um pouco mais na cadeira. Seus olhos vagaram algumas vezes entre as roupas sujas de Ana, a coroa e a grande espada negra em suas costas, e com um suspiro, ele acenou para seguirem.

— Não cause problemas, mercenária — sussurrou ele, com um novo cuspe atingindo o solo.

Guardando o item novamente em seu bolso, Ana seguiu para a entrada, sem responder. Lúcia, que ficou em silêncio até o momento, seguiu logo atrás com passos curtos e rápidos.

— O que ele quis dizer com puras? — perguntou a menina, intrigada.

— Eu também não sei. Mas pelas ações desse cara, é melhor que evite falar sobre isso até termos mais detalhes.

— Certo. Eu não sabia que você era uma mercenária.

— Oh, sou mais que isso. Sou uma rainha! — disse Ana, com uma risada meio forçada e as mãos na cintura. — Já deu de ser curiosa, vamos nos apressar.

Conforme cruzavam o portão, uma sensação de curiosidade e apreensão preenchia o ar. O contraste entre o ambiente rústico da estrutura fortificada e a cidade em si era nítido.

Os primeiros passos foram uma explosão de sensações para Lúcia, a deixando encantada com a visão que se desdobrava diante dela. As ruas estavam repletas de pessoas vestidas com roupas modernas, algumas adornadas com acessórios mágicos que brilhavam em diversas cores. Lojas exibiam vitrines cheias de produtos que combinavam tecnologia e magia, desde dispositivos de comunicação até utensílios domésticos encantados. Mas o que realmente chamou a atenção de Lúcia foram os postes elétricos que iluminavam as ruas, contrastando com as lamparinas a óleo que ela conhecia.

— O que são essas luzes? — perguntou, maravilhada.

— Isso é eletricidade — explicou Ana, sorrindo ao ver o fascínio nos olhos da menina. — É uma forma de energia que funciona através de correntes que passam por fios e chegam até essas lâmpadas.

Lúcia parecia ainda mais curiosa.

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— Então, é como a mana, mas diferente?

— É um bom jeito de pensar. A eletricidade é como a mana, mas em vez de fluir naturalmente pelo corpo, ela flui por dentro dos dispositivos. Aqui, as duas se integraram bastante. Veja — Ana apontou para um poste de luz que brilhava com uma luz esverdeada — Isso é uma lâmpada mágica. Ela combina eletricidade e mana para produzir uma luz mais forte e duradoura.

Ana desviou os olhos com uma balançada leve de cabeça ao ver a menina com olhos brilhantes encarando cada canto do local, mas tinha que admitir que Barueri havia se transformado bastante desde a última vez que esteve lá.

Um ponto marcante que chamou sua atenção foi o fato de que agora havia duas muralhas: a antiga, que Ana conhecia bem, onde o centro da cidade estava, e uma nova, externa, mais alta e robusta, que abrigava a expansão da cidade, onde acabara de atravessar. A área entre as duas muralhas era vibrante e movimentada, mas Ana não pôde deixar de reparar em certa pobreza e criminalidade. Algumas pessoas pareciam viver em condições precárias, e os becos escondiam figuras suspeitas.

De qualquer forma, as ruas eram uma mistura fascinante de tecnologia mágica e ciência. Havia plataformas flutuando pelos céus com as mais variadas cargas, movidos por uma combinação de motores elétricos e propulsão mágica, e grandes edifícios decorados com runas que aumentavam sua durabilidade e segurança. Com a falta de torres de telefonia, as pessoas passaram a usar dispositivos de comunicação que combinavam circuitos elétricos e cristais mágicos, permitindo que conversassem a longas distâncias.

— Parece um lugar difícil de viver, mas com muito mais oportunidades — comentou Ana, observando as diferentes camadas sociais que se misturavam nas ruas.

Lúcia, no entanto, mal a ouviu. Estava maravilhada com tudo. Cada esquina, cada loja e cada dispositivo novo que encontrava a deixava mais encantada.

— Olhe para você, Lúcia. Parecendo uma caipira, babando por tudo — provocou Ana com um sorriso.

Lúcia corou, mas não conseguiu evitar continuar observando o festival de novidades ao seu redor com olhos repletos de uma curiosidade infantil e admiração.

Elas passaram por uma praça central, onde uma enorme fonte mágica lançava água cristalina para o alto. Crianças brincavam ao redor, rindo e se divertindo, enquanto adultos conversavam e faziam negócios. Barracas de comida vendiam guloseimas aromáticas, e artistas de rua exibiam suas habilidades mágicas e acrobáticas.

Ana guiou Lúcia por algumas ruas mais movimentadas, mostrando-lhe algumas das partes mais notáveis do mundo moderno. Explicou sobre como geralmente existiam diferentes distritos e suas funções, desde áreas residenciais até centros comerciais e industriais, apesar dela mesma não saber suas localizações exatas no momento.

— A cidade mudou muito desde que eu estive aqui pela última vez. A integração entre magia e tecnologia realmente deu um salto enorme. — disse Ana, com um tom de reflexão.

Nesse momento, passaram por uma padaria que exalava o cheiro de pão fresco, uma visão comum para Ana, mas inovadora para Lúcia.

— Olha, eles têm comida aqui! — exclamou a criança, apontando para a uma garçonete retirando uma nova fornada de um tipo de massa trançada.

— Sim, e provavelmente muito melhor do que qualquer coisa que você já provou. Vamos pegar algo para comer depois que nós nos estabelecermos.

Coincidentemente, estavam de frente para uma pousada. Parecia ser um ponto de encontro comum para viajantes e mercenários, sendo bem agitada, mas era acolhedora o suficiente se comparada a onde dormiram até agora. O letreiro, iluminado por cristais mágicos, exibia o nome "Refúgio do Viajante".

“Um nome bem clichê”, pensou Ana, empurrando as portas suavemente.

Ao entrarem, foram recebidas pelo cheiro de comida caseira e o calor de uma grande lareira no centro do salão. A recepcionista, Helena, uma mulher de meia-idade com um sorriso acolhedor, as recebeu com um olhar curioso.

— Boa tarde. Posso ajudar? — perguntou ela.

— Sim, precisamos de um quarto para a noite. E também gostaríamos de saber se é seguro trazer nosso... animal para a cidade — disse Ana.

— Claro, temos quartos disponíveis, duas pessoas custam dez moedas de prata. E quanto ao seu companheiro, temos um estábulo seguro onde ele pode ficar. Alguns dos nossos hóspedes trazem criaturas mágicas, então estamos preparados para isso.

— Um pouco caro, não? — riu Ana, pegando algumas moedas de uma bolsa em sua armadura. — Acabei de vir de longe, aceitam moedas de fora?

A mulher recebeu o pagamento e encarou por um instante o objeto em suas mãos. Era uma moeda lisa, sem adornos, mas que definitivamente parecia ser de prata. Com um movimento ágil, guardou nove delas no bolso, e com a outra mão tirou uma moeda local de sua própria bolsa. Pareceu pesá-las por um instante, mas logo deu um aceno para si mesma, satisfeita.

— É um pouco mais leve, mas está bom o suficiente. É o segundo quarto do terceiro andar — respondeu a recepcionista, entregando-lhes uma chave.

— Obrigada — disse Ana, aceitando a chave e se virando para Lúcia. — Vamos pegar nossas coisas e depois voltar para buscar o lobo.

Após se instalarem no quarto e tomarem um rápido banho, voltaram rapidamente para as muralhas da cidade. O lobo as esperava pacientemente e se aproximou assim que sentiu a presença já conhecida. Lúcia não pôde deixar de sentir um alívio ao vê-lo ali, seguro.

— Vamos garoto. Encontramos um lugar para você — disse Ana, acariciando a cabeça da criatura antes de guiá-lo até o estábulo. O guarda que as deixou passar anteriormente apenas encarou a cena com olhos irritados, mas não as parou novamente.

Enquanto o lobo se acomodava, deixando alguns cavalos ao redor levemente desconfortáveis, as garotas voltaram à pousada e desceram para a área de refeições, onde uma janta animada estava acontecendo. Sem demora, pediram dois pratos quentes, e rapidamente o cheiro de comida fresca e bem preparada encheu o ar.

— Aqui está, senhoras. Uma refeição simples, mas espero que gostem — disse a garçonete, servindo-lhes um prato fumegante e dois copos de uma bebida avermelhada.

— Isso parece delicioso! — exclamou Lúcia, já começando a comer.

Ana observou a cena por um instante, antes de provar uma porção de seu próprio prato, assentindo pelo ótimo sabor.

— Amanhã pretendo verificar se minha antiga casa ainda existe — disse a mercenária, olhando ao redor. — Tenho uma irmã mais nova, ela deve ter por volta de 22 anos agora, é incrível como o tempo passa rápido. Além dela, tenho minha mãe, mas ela estava doente quando fui embora, então não sei dizer se está bem hoje em dia. Você vai adorar conhecê-las.

Lúcia ouviu atentamente, sentindo um misto de curiosidade e apreensão, mas respondeu apenas com um grande sorriso enquanto continuava a comer a grandes bocadas.

— Alguém devia te ensinar a comer de forma mais educada… — enquanto falava, Ana pegou sua bebida, mas sua mão parou no ar ao encontrar seu próprio reflexo na caneca.

Encostou no próprio rosto com a mão livre, notando que seu aspecto estava mais velho, mais maduro. As linhas de expressão eram pequenas, mas estavam mais acentuadas, e havia uma leve sombra de cansaço em seus olhos.

— Pareço ter quantos anos? — sussurrou para si mesma, com olhos desfocados. — Talvez 26? Ou seriam 27?

— 27 anos? Quando você faz aniversário, Ana?

Ana piscou com a pergunta repentina, ainda meio perdida em pensamentos.

— Francamente, não sei... Não tenho certeza. Faz tanto tempo…

Percebendo o ânimo estranho da mulher a sua frente, Lúcia parou de perguntar, deixando-a sozinha em suas reflexões. A taverna estava repleta de pessoas de todas as idades. Músicos tocavam uma melodia alegre, e as pessoas riam e conversavam animadamente.

— Vamos dançar! — exclamou Lúcia, puxando a mercenária pela mão na tentativa de mudar o clima.

Ana riu e chacoalhou a cabeça, despertando de seu devaneio. Era um dia que merecia comemoração, então deixou-se levar pela animação da menina. A música preencheu o salão, e logo estavam dançando entre as mesas, girando e rindo junto com os outros.

— Você dança bem! — comentou um homem que passava por elas, brincando com a criança.

— Obrigada! — respondeu Lúcia, corando como sempre. Ela parecia uma criança novamente, seus olhos brilhavam de alegria.

A noite passou rapidamente, com música, dança e boa comida. Quando o local finalmente começou a se acalmar, Lúcia estava exausta, mas com um sorriso de orelha a orelha. Elas subiram para o quarto, onde ela caiu na cama e adormeceu quase instantaneamente.

Ana, por sua vez, ficou sentada à janela, olhando para a cidade iluminada pelas luzes de diferentes cores. Pensava no que viria a seguir, torcendo para que, pelo menos por um instante, o destino lhe desse uma folga.

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