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O céu estava encoberto por nuvens pesadas, abafando a luz do sol e criando uma penumbra sobre o terreno irregular. O ar estava denso, impregnado pelo cheiro pungente de morte e fumaça, enquanto o vento soprava de leve, espalhando o odor dos corpos sem vida que balançavam nas estacas fincadas no chão. Corrompidos, decapitados e desfigurados, agora jaziam imobilizados, como um aviso para qualquer um que ousasse desafiar a humanidade.
Jasmim observava em silêncio. Sua silhueta se destacava entre os corpos, uma figura envolta em um manto negro, com o capuz puxado para baixo, ocultando o rosto. Mesmo sob a proteção do pano, ela ainda cobria o nariz e a boca com uma mão, evitando que o cheiro pútrido chegasse a suas narinas. Seus olhos, no entanto, estavam fixos no carrasco à sua frente. Ele trabalhava com precisão, manchando o solo já encharcado de vermelho com o sangue de mais uma execução.
O som da carne sendo dilacerada ecoou pelo campo, seguido pelo baque surdo da cabeça rolando no chão. Cada golpe parecia ressoar nas mentes dos presentes, mas acreditavam ser apenas o rumo natural das coisas.
"Isso é justiça", pensou a líder da guilda, com as mãos repousando na cintura, satisfeita com a brutalidade que marcava o destino de tais criaturas. Para ela, não havia outra maneira de lidar com aqueles que ameaçavam a pureza de sua raça.
A crueldade das execuções era um mal necessário, uma forma de manter a ordem. Se não temessem a morte, como poderiam ser controlados? O medo era uma arma tão afiada quanto qualquer lâmina, e ela sabia usá-la bem. Cada corpo nas estacas era um aviso, um grito silencioso de que a desobediência seria paga com sangue.
Afinal, eles não eram mais humanos; eram sujos, falhos, e mereciam esse destino.
O som de passos leves atrás dela a tirou de seus pensamentos. Sem se virar, ela já sabia quem era. Arthur, o jovem escudeiro, se aproximava. Seus olhos estavam fixos em um corpo recém-decapitado que era erguido por alguns soldados. Sua expressão era de nojo e hesitação conforme o som da carne sendo perfurada pela madeira dura e seca se propagava, mas ele sabia que não podia demonstrar fraqueza diante de Jasmim. Ela percebeu o olhar incerto do garoto e, com um sorriso frio, virou-se para ele.
— Não se preocupe com isso, escudeiro. Estamos apenas fazendo uma limpeza.
Arthur acenou, tentando ignorar o desconforto e se concentrar no motivo de sua vinda.
— Entendido… Recebi mais relatórios dos infiltrados em Insídia, senhora.
— Prossiga — disse Jasmim, impassível, voltando a observar o carrasco que limpava sua lâmina carmesim.
— Não parecem tão preocupados com a guerra quanto pensávamos, mas há rumores sobre nós se espalhando.
— Rumores?
— Sim, pelo que me foi informado, notaram o aumento dos puros pelas ruas antes dos portões serem fechados. Sinto que seremos expulsos em breve…
Jasmim suspirou, como se fosse apenas uma leve inconveniência.
— Se formos, que assim seja. Não há muito o que fazer — ela deu de ombros, desdenhosa da especulação. — Algo mais?
Arthur hesitou, seus olhos se movendo inquietos enquanto encarava o chão por um breve momento. O desconforto dentro dele crescia como uma onda prestes a se romper.
— Há apenas um problema... O plano do alvoroço interno... Não vai acontecer.
Jasmim franziu o cenho, agora mais interessada. O garoto respirou fundo, escolhendo cuidadosamente as palavras.
— A poucas semanas atrás, um dos nossos estava na taverna mercenária da cidade, aquela da traidora, Madame Eclipse. Ele estava preparado para iniciar a confusão, conforme planejado. A ideia era simples: uma briga, alguns gritos, e logo a coisa escalaria. Só que... a rainha apareceu.
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— A rainha? Em uma taverna?
— Sim, senhora — Arthur assentiu, engolindo em seco. — Parece que ela frequenta o lugar com certa regularidade. Naquele dia, surgiu de uma porta dos fundos, sem falar com ninguém, apenas caminhou em direção à saída. Nosso homem ficou surpreso ao vê-la, mas ainda assim seguiu o plano... ele escolheu um corrompido aleatoriamente e o atacou. Porém... ela simplesmente parou. Ficou lá, observando. Não se envolveu... não de imediato.
Jasmim cruzou os braços, seus olhos endurecendo. Embora o silêncio fosse predominante, sua expressão mostrava a crescente impaciência. Arthur, ciente disso, continuou.
— Ele pensou que poderia escalar a situação ao envolvê-la diretamente e… Bem, o relatório está bem detalhado e é um pouco longo…
— Apenas fale de uma vez!
— Desculpe, vou seguir o relato… A dona do bar, Madame, chegou para tentar parar a briga, mas o homem apenas a empurrou. Parece que todos ficaram atônitos com essa ação, a taverneira tem uma autoridade grande por lá, e foi aí que a rainha finalmente se aproximou — o escudeiro parou um momento, limpando a garganta. — Ela perguntou o que ele estava fazendo, então ele começou a gritar, perguntando quem era ela pra se meter na vida dos outros, se fazendo de bêbado. A rainha simplesmente o encarou, até que… devo repetir palavra por palavra?
— Você enrola demais! — reclamou Jasmim, puxando os papéis da mão do garoto. — Vamos ver… “Que porra de atuação é essa?”... “Isso aqui não é uma democracia”... “Minhas leis são poucas, mas absolutas”... Tétano? Como o assunto chegou nisso?
— Bem, parece que ela começou um monólogo estranho sobre pregos bons sustentarem um castelo inteiro, e pregos enferrujados causarem tétano… depois que não tinham vacina antitetânica, então não podiam correr risco de ter pessoas como ele por perto…
— Hm… — resmungou a mulher, levantando a mão para que ele parasse a explicação, voltando a ler as páginas rapidamente. — Ela realmente o nocauteou com uma caneca?
— Na verdade, não foi bem um nocaute… Se ler alguns parágrafos abaixo, vai notar encontrar a menção de que não sobrou mais que uma pasta vermelha no chão… Parece que em Insídia existe consideram ser a primeira cidade a não precisar de uma prisão, mas não por um motivo tão bom… as leis são relativamente brandas, grande parte delas finaliza com a ridícula frase de “siga o bom senso”, mas as punições por descumpri-las são extremamente severas…
Arthur pausou, olhando para Jasmim, esperando uma reação. A mulher soltou um suspiro longo e guardou os papéis restantes na mochila.
— Irei ver tudo com mais calma depois — a guerreira passou a mão pela borda do capuz, ajeitando-o. — Continue seguindo para o ponto de encontro. Precisamos ser cautelosos por agora. Enfim, e quanto aquela menina estúpida?
Ao ouvir a pergunta, o jovem não pôde deixar de sorrir.
— Ela está seguindo a rotina diária, senhora. Às vezes passeamos juntos pela cidade, e geralmente conversamos bastante.
— E quanto a guerra? Ela já demonstrou alguma mudança de opinião?
— Não, de forma alguma. A Lúcia parece se interessar muito por essas... abominações, como se estivesse tentando entendê-las. Não gosta da ideia de lutar contra eles. Mas… — ele fez uma pausa, ajustando a postura. — Está dando tudo certo.
— Oh, dando tudo certo, você diz? Então suponho que conseguiu se aproximar ainda mais dela? — Jasmim arqueou uma sobrancelha, com um sorriso distorcido brotando aos poucos em sua face.
— Sim. A idiota acredita em tudo o que eu digo. Realmente acha que estamos procurando aquela sombra nojenta que ela chama de mestra — seu sorriso refletia o da mulher a sua frente, e parecia ter certo divertimento em sua voz.
— Maravilha, garoto. Você fez bem. Muito bem...
No campo, o machado foi novamente erguido no ar, cortando a conversa momentaneamente com o som surdo de mais uma execução. O choro dos condenados, alinhados na fila para a morte era um ruído distante para os dois, abafado pela seriedade e frieza de seus planos.
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