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Ana se inclinou, seu rosto a centímetros do de Cesar, e sussurrou em seu ouvido, com a voz carregada de ironia e raiva contida.
— Entenda, esse mundo é fodido. Não me culpe por seu azar. Não foi você quem me ensinou isso?
O homem estava paralisado, seus olhos injetados de sangue, arregalados em puro terror, mas incapaz de mover sequer um músculo. Ele lutava contra a paralisia que o dominava, mas não conseguia nada além de uma tensão inútil em seus membros.
— Demorou mais do que eu pensei para você finalmente travar, mas olha só, aqui estamos! — continuou, falando mais para si mesma do que para ele. — Sabe, você me deixou realmente brava quando me prendeu logo quando tive um pouco de esperança, mas no fim eu agradeço. Foi uma nova experiência, uma das quais eu nunca teria passado sozinha.
Ela caminhou ao redor dele, a faca deslizando entre seus dedos. O ambiente ao redor era lúgubre, iluminado apenas pela luz tênue de velas dispostas estrategicamente para que nada se perdesse. O cheiro de ferro permeava o ar, misturado ao odor acre de suor e medo.
Com um sorriso amargo, ela rasgou o casaco de couro, expondo a pele pálida do homem. De canto de olho, avistou um pequeno brilho prateado.
— Que surpresa, você guardou para mim! — disse ela, pegando a coroa de prata que lhe havia sido tomada quando virou escrava. Após brincar um pouco com a peça, guardou em seu bolso, como costumava fazer antigamente.
Lentamente, sua expressão escureceu, e os olhos de Ana brilharam com uma mistura de ódio e satisfação. Seus movimentos meticulosos refletiam a atenção que tinha quando começou a tirar parte da pele do peito de Cesar.
— Eu lembro quando experimentei essa droga pela primeira vez. A sensação de não poder nem gritar não é surpreendentemente agonizante? — perguntou a garota, sorrindo. — É uma mistura que criei em um dia de cansaço em que não conseguia dormir, o efeito parece coisa de filme! Bom, você já deve estar cansado de me ouvir, vamos continuar.
Com ajuda de uma pinça, começou a tirar cuidadosamente as veias por onde a mana passava. Com habilidade, usou uma das mãos para abrir novamente o próprio peito, coisa que já havia feito muito nos últimos meses. A costura foi precisa, mesmo em partes tão pequenas.
As lágrimas escorriam pelo rosto de Cesar, misturando-se ao suor frio que cobria sua pele. A cada respiração, a dor cravava-se mais fundo, uma agonia que parecia não ter fim. Seu corpo forte, que antes era motivo de orgulho, agora se tornava uma maldição, mantendo-o consciente mesmo enquanto pedaços cada vez maiores de sua carne eram removidos de seus membros.
— Vamos ver se o fato de ser fresco ajuda em algo.
Concentrando-se, tentou fazer a mana fluir. Surpreendentemente, as veias brilharam intensamente, mas com uma luz negra, bem diferente do azul celeste da qual estava acostumada ao fazer runas, e diferente de seus antigos testes, onde a fumaça já deveria ter começado a aparecer, elas permaneceram firmemente conectadas.
— É isso! Porra, no fim realmente era só eu ter matado alguém esse tempo todo!
Com precisão clínica, Ana continuou a abrir a carne do escravista, expondo mais veias azuladas. Ela tirava cada uma lentamente, costurando-as em seu próprio corpo em seguida, sentindo a dor e o poder misturados em cada movimento. A cada nova conexão, sentia a mana fluir mais livremente, sua pele brilhando com uma sutil aura que variava entre o branco e o preto.
— Isso é poder, força… mas queima… queima tanto — Ela olhou para Cesar, seus olhos fixos nos dele, e viu o terror absoluto em seu rosto.
Finalmente terminou os implantes. Sentia-se como uma obra de arte grotesca, cada linha de sutura formando uma trilha que ia dos seus pés até seu pescoço. Em poucas horas tudo o que sobrou à sua frente foi o chão de pedra fria manchado de sangue, formando padrões bizarros ao redor de seus pés.
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Ana fechou os olhos e forçou novamente o fluxo iniciar, desta vez por cada centímetro de seu corpo. As duas manas opostas que possuía lutavam por domínio e a sensação era insuportável, como se cada célula estivesse sendo rasgada e reconstituída simultaneamente.
— Será que vou ter que viver com isso? — ela riu, um som rouco e amargo. A ideia era ao mesmo tempo aterradora e excitante.
Ana ofegava, cada respiração rasgando sua garganta como vidro quebrado. A sensação de impregnar lentamente a mana na carne, transformando-a de maneiras que ela mal podia compreender, era estranha, mas havia um prazer perverso na tortura extrema.
De repente, em meio a uma quase gargalhada, sua cabeça começou a explodir em uma dor excruciante, uma aflição semelhante a um tiro vindo do nada. Ela caiu de joelhos, segurando firmemente os gritos que vinham até sua garganta, até que, com um estranho “clique”, algo se abriu dentro dela.
— Você demorou — uma voz suave sussurrou em seu ouvido.
Tudo ficou preto.
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— Já cansei desse lugar — Ana abriu os olhos e se viu mais uma vez em um mundo branco, um vazio absoluto que parecia se estender infinitamente.
A sensação de desorientação foi ainda mais intensa que das outras vezes, como se o tempo e o espaço não tivessem mais significado. O silêncio era absoluto, cortado apenas pelo som de sua própria voz.
— Parabéns, sua idiota. Conseguiu o que queria, não é? — aparecendo de repente com uma expressão rude e uma postura desdenhosa, o anjo a xingou, mas havia um toque de admiração em sua voz.
— Isso é você que me diz, Gabriel.
O anjo pareceu pensar por um momento, olhando em volta como se buscasse palavras que não chegavam a sua língua, mas logo desistiu, dando de ombros.
— Bom, você me matou, desgraçada. Então isso é um adeus.
Com um gesto dramático, Gabriel formou uma arma com a mão, apontando para a própria cabeça. Seus olhos encontraram os de Ana por um curto instante, e então ele fingiu atirar. O lado oposto de sua cabeça explodiu em uma explosão cromática multicolorida, cores brilhantes e intensas que pareciam perfurar o vazio branco.
Estranhamente, Ana sentiu seu próprio corpo cair para o lado junto com o anjo. Ela bateu pesadamente no chão, a sensação de impacto reverberando por todo o seu corpo enquanto encarava a garota celestial deitada a sua frente, sem conseguir se mexer.
Ela piscou uma vez.
Quando abriu os olhos, ouviu o som de gavetas se abrindo com força ao seu redor.
— Acabou saindo mais do que você podia suportar, não é? Se ferrou! — zombou Gabriel, ainda imóvel no piso em sua frente, o tom de sua voz gotejando sarcasmo.
— O que...?
Em meio a pensamentos confusos, ela piscou uma segunda vez.
Gabriel sorriu na sua frente, um sorriso perturbador nascido logo abaixo de olhos já sem vida.
Por fim, Ana piscou uma terceira vez.
Nesse segundo, o mundo branco se transformou em um caleidoscópio de vitrais coloridos. As cores dançavam em meio a incontáveis estilhaços, criando padrões hipnóticos e desorientadores.
— Ter tudo é perder tudo — disse Gabriel, sua voz ecoando pelo espaço fragmentado.
Um vórtice de conhecimento que não recordava possuir começou a surgir na mente da garota, como se uma represa tivesse se rompido. As memórias fluíam descontroladamente, cada uma trazendo uma nova onda de emoções e percepções. Sentia-se diferente, mas não sabia explicar o que havia mudado.
Foi então que o anjo ergueu novamente a mão com os dedos em forma de arma, mirando diretamente para ela.
— Bang! — gritou ele, a palavra ressoando como um trovão.
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Ana despertou no mundo real novamente, seu corpo tremendo violentamente. O suor escorria por sua pele, e a dor era uma presença constante. Quando recuperou os sentidos por completo, notou que estava fazendo o gesto de arma para si mesma, então logo baixou suas mãos. Involuntariamente, abriu e fechou os dedos, sentindo a nova força que começava a mudar seu corpo aos poucos.
— Não é o suficiente — murmurou, sua voz apenas um baixo sussurro enquanto um sorriso anormalmente grande se formava em seus lábios.
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