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Capítulo 61 - Amarga Fuga

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— Quanto você pesa? — perguntou Ana, em um tom de brincadeira, enquanto preparava os lobos. As criaturas estavam visivelmente inquietas, sentindo todo o caos no ar.

A Sombra riu, mesmo no meio da tensão.

— Peso o suficiente para não quebrar um lobo ao meio, se é isso que está perguntando.

Ana e a Sombra montaram as bestas de pelo vermelho e, com um último olhar para o galpão, partiram em direção à liberdade. O terceiro lobo seguia atrás, ainda assustado, mas obediente. As mulheres correram pelos corredores a toda velocidade, desviando ou aparando golpes de alguns guardas que não conseguiram deter o ímpeto da fuga.

— Você não tem nenhuma magia que possa nos ajudar? — perguntou Ana, enquanto olhava ao redor para garantir que estavam no caminho certo.

— Não sou boa em manipulação — respondeu a Sombra. — Minhas habilidades não funcionam assim.

Os lobos galopavam com todas as suas forças, seus músculos tensos debaixo de suas peles. Podiam ver a saída ao longe, o grande portão estava aberto, mas lentamente começava a fechar.

— Vamos, estamos quase lá! — gritou Ana, inclinando-se para frente no lobo.

Eles continuaram correndo, a adrenalina impulsionando cada movimento. Os guardas, vendo-as se aproximar ao longe, soltaram as correntes de forma descuidada, fazendo a pesada porta de ferro descer cada vez mais rápido.

“Me sinto em um filme de ação clichê”, pensou a mercenária, quando em uma cena emocionante conseguiram passar pela abertura por poucos centímetros.

Enquanto comemoravam internamente, um forte guincho de dor foi ouvido, atraindo seus olhares para trás, onde o terceiro lobo foi brutalmente esmagado pelo portão.

Os outros lobos pareciam tristes, mesmo com suas expressões pouco humanas não sendo facilmente identificadas, mas não pararam de correr. Ana estendeu a mão para confortar a criatura sob a qual montava, sentindo a perda do companheiro.

— Eu sei como é esse sentimento, mas continue correndo — murmurou Ana. — Vamos sair daqui.

As grandes patas batiam no solo cada vez mais forte, quase não tocando o chão, conforme atravessavam velozmente pela cidade. Elas corriam entre as barracas, sentindo o vento em seus rostos e uma estranha alegria conforme as barracas eram derrubadas pelas fortes criaturas.

O som dos guardas ficou cada vez mais distante, sendo substituído pelos mercadores que gritavam e tentavam salvar suas mercadorias, mas Ana e a Sombra não podiam parar. Enquanto passavam por uma das barracas, Ana viu um homem loiro parado, observando a cena. Era César, o líder da caravana escravista que a trouxe para a cidade.

Seus olhos se encontraram por um momento, e o homem abriu os olhos, surpreso ao ver a gladiadora fugindo da cidade.

— Ainda vou voltar para te matar — sussurrou Ana, com uma intensidade que só ela podia sentir, mas que claramente foi transmitida ao escravista.

Os lobos continuaram correndo desesperadamente, levando Ana e a Sombra para fora do mercado e em direção à liberdade. Os portões externos estavam abertos, e elas passaram por eles como um raio, deixando a sombria Tenebris para trás. A floresta que se abria à frente parecia um refúgio seguro, um novo começo. A brisa fresca e o céu aberto, mesmo que escuro, eram um contraste bem-vindo ao ambiente opressor do labirinto.

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No topo de uma das muitas plataformas do alto muro, Cassandra observa as duas garotas se afastarem, uma expressão de pura fúria mudava de forma macabra suas costumeira feição descontraída.

— Traga três desses para mim — falou a mulher musculosa, gesticulando para seus subordinados. Três guardas correram até ela, carregando pesados arpões dourados. Ela pegou o primeiro, sentindo o peso e o frio do metal em suas mãos.

Cassandra alinhou o corpo, inclinando-se ligeiramente para frente. Seu braço direito se esticou, enquanto o braço esquerdo se dobrava, mantendo o equilíbrio. Seus olhos se estreitaram, focando na silhueta de Ana e da Sombra ao longe. Seus músculos se contraíram, e ela firmou os pés no chão, posicionando-se com precisão. Após um profundo suspiro, o arpão começou a emitir um leve brilho branco, que contrastava com sua bela cor original.

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— Mercadoria não foge — murmurou, seus lábios formando uma linha dura enquanto sentia a tensão nos ombros e nas costas, preparando-se para o lançamento. — Sejam rápidos ao me entregar os próximos.

Ela puxou o braço ainda mais para trás, seus músculos se destacando sob a pele, tensos a ponto de explodir. Com um movimento brusco e repentino, ela o lançou. O som do metal cortando o ar foi seguido pelo silvo agudo do projétil. A afiada arma voou, girando suavemente enquanto seguia sua trajetória.

— Estou enferrujada… — seus olhos claros observavam o brilho longínquo, firmemente preso ao solo, não tendo chegado até a distância desejada.

Sem perder tempo, Cassandra pegou o segundo arpão e se preparou novamente. Ela reposicionou o corpo, repetindo o ritual com a mesma concentração implacável. Sua postura era a de um caçador veterano e seus olhos nunca deixaram o alvo, cada fibra de seu ser focando em um único objetivo e a força de sua vontade sendo canalizada no objeto mortal.

— Me dê o terceiro — sussurrou ela, com um grande sorriso ao ver o segundo lançamento voar da forma esperada.

Ana e a Sombra estavam quase fora de alcance quando o arpão as alcançou. Em uma fração de segundo, o mundo pareceu desacelerar.

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— Vamos sobreviver a isso — disse Ana, com convicção.

A Sombra apenas sorriu, sem realmente responder, quando de repente um estrondo fez o solo tremer.

— Mas que merda foi essa! — gritou Ana, vendo a haste brilhante presa no chão poucos metros atrás de onde estavam, perigosamente perto.

Antes que pudesse entender por completo, outro brilho apareceu no céu, vindo em sua direção. Foi apenas um piscar de olhos, entre a visão e o acontecimento; O arpão dourado atingiu a Sombra em cheio, perfurando seu corpo e acertando o lobo logo abaixo. Uma flor de sangue se formou no ar, espalhando-se como um macabro espetáculo de cores vermelhas. A força do impacto fez com que ambos capotassem, rolando pelo chão em um caos de dor e desespero.

Batendo com os calcanhares no lobo sob o qual estava, ela ordenou que ele virasse, correndo de volta para tentar pegar a companheira gravemente ferida. Com um salto, chegou em frente aos corpos caídos. O lobo já não tinha vida, enquanto a Sombra segurava firmemente o arpão que ainda permanecia em seu estômago.

— Trave os dentes, isso vai doer — disse Ana, com firmeza enquanto arrancava o arpão em um único movimento.

O sangue começou a jorrar da ferida, mas não havia tempo para isso. A Sombra estava quase desmaiando, mas conseguiu subir no lobo restante junto com Ana.

“Fui descuidada”, os olhos da mercenária captaram uma nova luz vindo das muralhas.

O novo arpão voou a uma velocidade tremenda, não houve tempo para pensar ou se esquivar adequadamente, mas sem o elemento surpresa, Ana conseguiu se jogar para o lado no último instante.

A lateral do seu abdômen ainda foi perfurada, deixando um grande e agoniante buraco, mas não era tão grave quanto o de sua companheira. Cassandra observou, sua expressão, uma mistura de fúria e desgosto, sabendo que tinha perdido a oportunidade, mas também com um toque de divertimento ao ver que acertou seu alvo.

Com o corpo tremendo pela ferida e um grande esforço, Ana também subiu na criatura, a qual começou a avançar de imediato em direção às altas árvores de um intenso verde escuro.

Ana segurou os pelos, agora rangidos de um vermelho ainda mais intenso, com firmeza, guiando o lobo para dentro da mata densa. Tudo passava como um borrão para as mulheres que mal mantinham o equilíbrio. Cada segundo parecia uma eternidade enquanto calafrios perfuravam seus ossos com a gelada brisa que se formava conforme avançavam.

— Para onde isso leva? — perguntou a Sombra, sua voz apenas uma pequena rouquidão, quase inaudível.

— Não sei, e sinceramente, não me importo. Vamos parar aqui um momento — disse Ana, ofegante. — Já deve ser o suficiente para não nos encontrarem por um tempo.

Estavam em uma pequena clareira, escondida pela alta e espessa vegetação. Ana desceu do lobo e ajudou a Sombra a descer também. A garota dos chifres quebrados estava visivelmente pior, seus olhos opacos encaravam de forma pensativa o nada. O sangue continuava a escorrer da ferida de ambas, e Ana sabia que precisava fazer algo rápido.

— Vou tentar te salvar — disse Ana, enquanto circundava a própria cintura com pedaços de sua camisa rasgada.

A Sombra segurou o braço dela, impedindo-a.

— Não é necessário — disse ela, com um sorriso melancólico. — Esse corpo sobrevive por pura teimosia, não tem mais o que salvar — seus olhos apontavam para o solo nitidamente visível através do local onde seu intestino grosso deveria estar. — Não esperava acabar assim, mas não é de todo mal. Vou encontrar a Mãe.

Ana segurou a mão da Sombra, lágrimas não saíam, mas seus olhos exibiam uma intensa tristeza, algo que ela não recordava ter sentido em outras ocasiões.

— Você não está muito melhor que eu, não deveria estar se preocupando comigo. Na verdade, também duvido que vá sobreviver.

— Sou mais forte do que pareço — resmungou a garota, forçando um sorriso, mesmo com seu curativo improvisado já empapado com o sangue que não foi devidamente estancado.

— Use minha força para sobreviver. Você é a Glutona, não é?

Sua voz era tão fraca que mesmo Ana teve que forçar sua audição para ouvir.

— Me consuma…

Um sutil sorriso surgia conforme seus olhos se fechavam.

— Cresça…

Suas últimas palavras acompanharam um curto suspiro antes de sucumbir à escuridão eterna.

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