Em uma tarde chuvosa, uma menina de cerca de dez anos estava sentada em uma esquina, encolhida debaixo de um toldo velho. Suas roupas, rasgadas e sujas, mal protegiam seu corpo magro do frio. O cabelo, emaranhado e molhado, caía sobre o rosto sujo de lama. À sua frente, um pote vazio balançava com o vento, mudo testemunho de sua tentativa de mendigar. Os poucos transeuntes que passavam apressados a ignoravam, como se ela fosse parte da paisagem decadente da cidade.
O nome dela era Bárbara. Fazia apenas um mês que o incêndio devastador engolira as favelas nas partes baixas da cidade, tirando a vida de muitos, incluindo a família da garota. Sem parentes, sem apoio, ela vagava pelas ruas, transformada em uma mendiga. Um homem de meia-idade, também mendigo, a convidara para se juntar à Associação dos Mendigos — uma das muitas guildas do Murim, especializadas em negociar informações. Bárbara ainda hesitava. Em um mundo onde cão devora cão, a bondade era uma raridade perigosa.
Algo chamou a atenção de Bárbara. Não muito longe dali, uma multidão de crianças da sua idade começava a se formar. Curiosa, ela se aproximou, escutando fragmentos de conversas entre os murmúrios. Palavras como "seita", "recrutamento" e "discípulos" flutuavam no ar. Mas o que realmente prendeu seu interesse foram os sussurros sobre imortais e "raízes espirituais". Seu coração acelerou. Poderia ser essa sua chance de escapar da miséria e encontrar um novo destino?
Uma fila de crianças começou a se formar perto de Bárbara, todas ansiosas e nervosas. Os taoístas, com suas vestes simples, posicionavam um estranho objeto na palma de cada criança, anunciando em voz alta se elas tinham ou não raízes espirituais e se eram dignas de serem aceitas na seita. Bárbara escutava atentamente os julgamentos. Muitos eram rejeitados por terem raízes espirituais comuns dos cinco elementos ou por não possuírem nenhuma. Viu algumas crianças chorarem, derrotadas pela rejeição.
Tomada por uma coragem repentina, Bárbara se levantou e, sem pensar muito, posicionou-se no fim da fila. Quando chegou sua vez, o taoísta olhou para ela, intrigado, e pediu que estendesse a mão. O objeto frio e misterioso foi colocado em sua palma. A respiração dela se prendeu enquanto esperava o veredito. Então, o taoísta declarou: "Raiz espiritual única de madeira. Está aprovada para entrada na seita. Siga para a outra fila."
A chuva caía mais fina enquanto Bárbara se movia para a segunda fila, seguindo a instrução do taoísta. A fila se estendia por vários metros, e ela podia sentir as crianças ao redor ainda tensas pela espera. O que as aguardava, além dessa escolha aparentemente fortuita, era um mistério. E, para Bárbara, que vinha de uma vida de incertezas e solidão, isso era suficiente para manter seu espírito alerta, dividido entre a promessa de um futuro melhor e o medo do desconhecido.
As histórias sobre cultivadores imortais borbulhavam em sua mente. Eram quase lendas para ela até então, ou contos de terror que os mais velhos sussurravam para amedrontar os jovens. Na favela onde crescera, ouvir sobre cultivadores poderosos que transformavam crianças desobedientes em pílulas era uma forma de assustá-las para que se comportassem. Agora, diante da possibilidade de ingressar numa seita e talvez trilhar um caminho similar, Bárbara se perguntava sobre os mistérios que ela, um dia, poderia desvendar.
Quando chegou ao final da fila, um discípulo da seita esperava com uma expressão neutra, segurando um pequeno frasco de jade cheio de pequenas pílulas marrons. Ele entregou uma a cada criança, explicando que essas pílulas os ajudariam a resistir à fome nos dias de treinamento intensivo. “Vocês sentirão o gosto da terra nelas,” advertiu o discípulo, antes de entregar a Bárbara uma unidade. Ela pegou a pílula com hesitação, lembrando-se das vezes em que, quando estava nas ruas, teve que comer terra para sobreviver à fome insuportável. Engolir algo que a lembrava dessa experiência despertou uma mistura de amargura e determinação em seu coração.
Na fila, Bárbara tentava não pensar no gosto horrível da pílula de jejum que ainda estava grudado na boca. Era um gosto de terra, como quando ela, pequenininha e com muita fome, quase comeu um punhado de lama, só para sentir algo no estômago. Naquela época, ela pensava que as coisas só poderiam melhorar, mas a vida parecia sempre um pouco pior do que antes. Agora, lá estava ela, mais uma vez, segurando a vontade de cuspir a pílula e se perguntando se essa decisão de entrar na seita era realmente uma boa ideia.
Ela se lembrou do convite do homem estranho da Associação dos Mendigos. Ele dizia que ela podia ganhar alguma proteção e até comida se ela soubesse ouvir bem e ficar quietinha, sem chamar atenção. Ele falou de uma forma que a fez imaginar algo grande, uma vida cheia de segredos e espiões, mas, ao mesmo tempo, algo ali parecia... escuro. Mesmo sem entender muito, ela sentiu que aquele mundo era muito perigoso. O homem falava de "coisas que ouviu" e "segredos que esconde", e isso deixava Bárbara desconfiada. Ele disse que lá, todo mundo tinha seu lugar, desde os "Sábios" até os "Informantes" e "Aprendizes". Parecia legal, mas... assustador. E se ela errasse? E se falhasse? E se fosse trocada como uma moeda barata?
Ainda assim, agora que estava ali na fila para a seita, seu coração batia mais forte. A seita falava de imortais, de raízes espirituais, e Bárbara gostava da ideia de ficar forte, de controlar algo só dela, de não precisar de ninguém se não quisesse. Ela imaginava como seria treinar como uma cultivadora, aprender coisas que ninguém sabia, ter seu próprio poder. A Associação dos Mendigos era misteriosa, mas era a seita que dava a chance de ser mais do que uma menina perdida, mais do que uma órfã. Na seita, talvez ela pudesse ser alguém importante, alguém que escolhe o próprio caminho.
Finalmente, a fila andou mais um pouquinho, e Bárbara deu mais um passo à frente, limpando as mãos nas roupas rasgadas e respirando fundo
Enquanto Bárbara esperava na fila, distraída com o gosto terroso da pílula de jejum, escutou uma conversa à frente que a fez despertar de imediato. Alguns discípulos comentavam sobre as "raízes espirituais", e o conceito soava tão mágico que ela se pegou imaginando como seria a própria. "Raiz espiritual", explicou um dos alunos, era como uma "sementinha mágica" que cada pessoa tinha dentro de si, conectando-a com os elementos da natureza e do universo. Quanto mais se cuidava dessa raiz, praticando e meditando, mais forte ela ficava – dando à pessoa poderes incríveis e até únicos!
O que Bárbara ainda não sabia era que sua raiz espiritual, diferente da maioria, era uma raiz de madeira pura, algo extremamente raro. Ela seria capaz de se conectar diretamente com a natureza, quase como se pudesse sentir a vida das plantas ao seu redor. A raiz de madeira que possuía dentro de si era como uma pequena floresta, e o potencial dela era vasto. Quem possuía essa raiz, contou um discípulo mais velho, podia fazer plantas crescerem, manipulá-las e até se curar usando a energia das árvores e das flores. Era como se Bárbara tivesse dentro dela um pedaço vivo da própria natureza, um dom que poderia guiá-la em muitos caminhos do cultivo.
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À medida que ouvia mais sobre as raízes espirituais, seu coração pulsava de entusiasmo. Agora, tudo parecia se encaixar: seus sentidos atentos à vida ao redor, a afinidade natural com o verde e, mais do que nunca, a curiosidade sobre o mundo natural. Quando imaginou as possibilidades que sua raiz única de madeira poderia oferecer, sentiu que o mundo de cultivo se abria de uma forma vibrante e mágica para ela.
Cheia de expectativas e ainda com o gosto de terra na boca, Bárbara decidiu que faria tudo o que estivesse ao seu alcance para fazer sua raiz crescer forte e aproveitar cada oportunidade que surgisse na seita.
Enquanto Bárbara esperava ansiosamente na fila, um dos membros mais velhos da seita começou a explicar o que significava pertencer a essa comunidade tão especial. Ele falava com entusiasmo, e a cada palavra dela, a mente de Bárbara se preenchia de imagens e ideias.
“Vamos começar do começo”, disse ele, com um sorriso. “A seita é como uma grande família de cultivadores, cada um com um papel importante. No topo dessa hierarquia, temos o Patriarca, que é o líder supremo. Ele é o cultivador mais poderoso da seita, como um grande sábio que já alcançou o nível de um Imortal. O Patriarca toma todas as decisões importantes e é respeitado por todos. Ele é o farol que guia a seita em tempos difíceis, sempre cheio de força e sabedoria.”
Bárbara escutava atenta, imaginando como seria ser tão poderoso. O membro da seita continuou: “Logo abaixo do Patriarca, temos os Anciãos. Esses cultivadores são experientes e possuem habilidades incríveis. Eles não apenas supervisionam os discípulos, mas também ensinam técnicas valiosas e ajudam a manter a ordem. Cada Ancião tem seu próprio foco, seja em combate, alquimia ou estratégias, e eles são essenciais para moldar os novos discípulos.”
Ela se lembrava do que havia ouvido sobre os Anciãos durante suas primeiras aulas e como sonhava um dia ser uma discípula interna. O homem prosseguiu: “Os Discípulos Internos são os mais talentosos e promissores. Eles passam por um treinamento intensivo e têm acesso a recursos melhores, como pílulas espirituais e técnicas secretas. É uma grande honra ser escolhido por um Ancião para se tornar seu pupilo, mas também é uma grande responsabilidade!”
Bárbara sentiu um frio na barriga ao pensar em todo o esforço que teria que fazer para se tornar uma discípula interna. Ele continuou: “Por outro lado, temos os Discípulos Externos, que são os iniciantes ou aqueles que ainda precisam provar seu valor. Eles têm acesso limitado e precisam passar por um treinamento básico. A competição é acirrada entre os externos, pois todos sonham em se tornar internos.”
Ela imaginou os discípulos externos, todos tentando mostrar seu valor, e sentiu que estava nessa jornada junto deles. “Algumas seitas, como a nossa, têm um grupo especial de Discípulos Centrais ou Verdadeiros, que são considerados os futuros líderes. Eles têm um alto potencial de cultivo e desfrutam de privilégios especiais, como missões importantes e treinamento avançado.”
Bárbara estava fascinada. A vida de um discípulo não era apenas sobre poder, mas também sobre disciplina e desafios constantes. O membro da seita explicou: “Os discípulos passam muitas horas em treinamento intenso, meditando e cultivando Qi, que é a energia vital. Eles aprendem técnicas marciais que podem variar do combate corpo a corpo à magia elemental.”
Com os olhos brilhando, ela imaginou-se lutando e praticando, desenvolvendo suas habilidades. “Além disso, os discípulos recebem missões da seita, como coletar ervas raras ou combater monstros. Essas missões ajudam a seita a crescer e permitem que os discípulos mostrem suas habilidades.”
Ele prosseguiu: “A vida na seita é repleta de competição e rivalidade. Os discípulos lutam para se destacar, conquistar o favor dos Anciãos e garantir acesso a melhores recursos. Isso pode gerar rivalidades intensas e até duelos.” Bárbara fez uma pausa, pensando sobre como a competição poderia ser desafiadora.
O homem terminou dizendo: “Os discípulos têm acesso a pílulas espirituais, artefatos mágicos e outros recursos que ajudam no cultivo. É um mundo vibrante, cheio de rituais e cerimônias. Quando um novo discípulo é aceito, ele passa por uma cerimônia de iniciação. E quando alguém é promovido, há uma celebração para reconhecer essa nova posição.”
Bárbara sentiu uma onda de determinação e emoção ao ouvir tudo isso. Pertencer à seita era mais do que um sonho; era um caminho de desafios e aventuras que ela estava pronta para enfrentar. Com sua raiz única de madeira, ela sabia que tinha um papel especial a desempenhar nessa jornada mágica.
Enquanto Bárbara continuava ouvindo as explicações sobre a vida na seita, um calor peculiar começou a surgir dentro dela. Era uma mistura de ansiedade e excitação. Então, no meio da conversa, ela ouviu um nome que a fez estremecer de emoção: “A Seita da Chama Celestial.”
Esse nome ecoou em sua mente como um canto hipnotizante. A Seita da Chama Celestial! O lugar onde ela poderia aprender a cultivar sua raiz espiritual única de madeira, onde cada dia traria novas aventuras e desafios. O membro da seita percebeu a expressão de Bárbara e sorriu. “Sim, a Seita da Chama Celestial é famosa por seus cultivadores de elite e pelas poderosas técnicas que ensinam. Aqui, você não apenas aprenderá a controlar sua energia, mas também descobrirá o verdadeiro potencial que existe dentro de você!”
A fila começou a se mover, e Bárbara se sentiu como se estivesse flutuando no ar. Em sua mente, ela já se via como uma discípula interna, aprendendo com os Anciãos e participando de missões emocionantes. A cada passo que dava, seu coração batia mais forte, até que finalmente chegaram a uma plataforma ampla e iluminada, onde um barco mágico os esperava.
Era um barco voador, elegante e cintilante, flutuando suavemente no ar. Suas velas eram feitas de uma substância brilhante que parecia dançar com a luz do sol. O barco tinha um aspecto encantador, como se tivesse saído de um conto de fadas. “Esse é o nosso barco mágico! Ele nos levará até a sede da seita, onde ocorrerá o ritual de iniciação para todos os novos discípulos!” disse o membro da seita, gesticulando para que todos subissem.
Bárbara ficou encantada enquanto subia a bordo, seus olhos brilhando com a visão do céu vasto acima dela. As outras crianças ao seu redor também estavam radiantes de felicidade e expectativa. O barco começou a subir lentamente, e logo estavam flutuando nas nuvens, com a vista de sua cidade diminuindo a cada segundo.
“O ritual de iniciação é muito importante,” continuou o membro da seita, enquanto o barco voava suavemente através das nuvens. “Ele marcará o início da sua jornada como discípulos da Seita da Chama Celestial. Durante o ritual, vocês receberão bênçãos e o conhecimento essencial para começar a cultivar suas raízes espirituais. É um momento mágico e inesquecível!”
Bárbara olhou pela borda do barco, maravilhada com a beleza ao seu redor. As nuvens se separavam como cortinas, revelando montanhas majestosas e florestas exuberantes abaixo. Era como se o mundo inteiro estivesse se preparando para recebê-los. Em seu coração, ela sentia que estava prestes a embarcar em uma aventura que mudaria sua vida para sempre.
Finalmente, o barco começou a descer suavemente em direção a uma grande clareira cercada por árvores altas e imponentes. À medida que pousavam, um sentimento de reverência e emoção encheu o ar. Era o início de uma nova fase em sua vida, e Bárbara estava pronta para abraçar tudo o que a Seita da Chama Celestial tinha a oferecer. O ritual de iniciação estava prestes a começar, e ela estava mais do que preparada para dar esse grande passo em sua jornada mágica