Levantei as mãos e colhi a luz, e a respirei bem devagar. Estranhei não ter sentido nada diferente, até que ouvi que, sendo luz que somos, não há o que ser somado.
1
Layla, e todos os reunidos, mal podiam acreditar. Ficaram bastante tempo aguardando, e só o que ouviram foi: Três, três e três.
Seu coração pulava desesperado, se perguntando se o que tanto temera finalmente acontecera.
Sekhemeth viu o sofrimento dela, enquanto gritos de "Ele conseguiu... O miserável conseguiu...", se faziam ouvir pelos morros. Então, for a os três que foram levados para serem cuidados, os outros se juntaram ao lado de Layla, preocupados com a dor e o desespero que a tomaram. E tudo ficou ainda mais forte quando ela forçou um sorriso, os olhos postos no alto:
- Que bom que ele conseguiu voltar para casa, não é mesmo? – balbuciou, deixando as lágrimas descerem. – Que bom que agora ele vai poder ser feliz – falou ante o silêncio que se fez na terra enquanto gritos de euforia explodiam no céu.
II
- Então aqui está você, finalmente – o grande anjo o parabenizou sob todos aqueles aplausos e ovações. – Sei o quanto lutou por isso, sei o quanto merece isso.
- Eu agradeço, de todo o meu coração, Ovandriel.
O anjo mostrou ter percebido algo, e o olhou com um sorriso enigmático no canto da boca.
> Mas, descobriu que não é bem isso o que quer, não é mesmo? – sorriu.
- É, é isso mesmo. Sabem, agradeço ter sido aceito, agradeço ter conseguido, e o carinho dolorido que me ofertaram – sorriu ante as gargalhadas que soaram à volta. – Amo a todos vocês, como já sabem, mas descobri que o meu lugar não é aqui, ou não é só aqui, por enquanto. Me afeiçoei àquele planeta. Fazer o que, não é? Gaia é um planeta pequeno, e miserável no momento, mas, ... Ah, quanta possibilidade ela tem em seu coração. E eu quero ajudar Gaia, eu quero ajudar as consciências que estão lá, eu quero participar disso.
- Mas você lutou tanto para estar aqui – ouviu da multidão confusa que o observava naquelas plagas angélicas.
- Sim, vocês têm razão, sofri um bocadinho, ainda mais quando vocês sabiam que eu era apenas um revoltado – sorriu complacente. – Mas, vocês precisam ver... Quando vocês olham direto nos olhos dos seres que vivem lá, quando pegam nas mãos de seus filhos, quando se afundam em seus olhos, quando afagam algum animal e ele os olha, quando... quando respira o ar da floresta e... É muita coisa que Gaia tem a nos oferecer, e a maior parte do que ela oferece não é dor, não é o desespero, nem o abandono ou a solidão. Tudo depende de saber olhar para dentro de você, de se modificar para receber os presentes que Gaia, tão abnegadamente, nos oferece.
- Ora, tentando converter os anjos em AsasLongas? – Ovandriel riu satisfeito.
- Talvez... Vocês deveriam experimentar – sorriu de volta.
- Mas, não é só Gaia, não é mesmo? – espetou novamente Ovandriel.
Gadhiel sorriu, sua luz aumentada.
- Não, não é só Gaia. É um conjunto. Tenho uma família ali, tenho... Ah, eu tenho Layla ali – sussurrou embevecido.
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- Tememos quando ela foi raptada naqueles dias. Tememos por você, por tudo de bom que já havia conseguido – confessou um dos anjos da guarda de Ovandriel.
- Também temi aqueles dias – reconheceu. – Temi perdê-la, e temi me afundar e voltar a ser novamente aquele guerreiro...
- Que bom que venceu sua provação – falou um outro, satisfeito, interrompendo depressa o pensamento de Gadhiel, o que Gadhiel agradeceu com um sorriso.
- Eu agradeço a ajuda de vocês, o amor de vocês, e a compreensão. E sinto não poder ficar, juro – sorriu.
- Então está bem. Pessoal, que tal acompanharmos nosso amigo até a superfície? Seus amigos devem estar tristes, e uma dêmona deve estar em frangalhos, imaginando que nós o raptamos para nós – riu Ovandriel, se lançando com muitos para o chão do planeta.
III
Os gritos explodiram nos montes como se fosse um trovão que não queria passar.
Nunca tinham visto nada como aquilo, aquele séquito de anjos descendo do céu em dias de paz.
Mas Layla ficou ainda mais pesarosa, ameaçando se afastar, do que foi impedida pelos seus amigos.
- Ele vem se despedir, ele vem se despedir – chorou em pânico. - Não vou suportar isso. Me deixem... – gemeu baixinho, as nevoas cinzas se movendo pequenas e acabrunhadas à sua volta.
- Aguente, minha amiga. Estamos aqui com você, e você nunca vai estar sozinha. E, tenho certeza, mesmo sendo um anjo no céu, ele vai sempre estar com você, ele nunca vai te deixar. Confie. Eu o conheço, e você deveria ter mais fé nele – Sekhemeth repreendeu com carinho.
Layla levantou os olhos, a esperança se acendendo em seu peito. Depressa sorriu e se recompôs, ao ver que o grupo de anjos se aproximava, muitos deles tocando a campina, na borda da imensa floresta.
Gadhiel foi o primeiro a descer, e desceu bem ao lado de Layla, que abraçou bem apertado. Os olhos dela se tomaram de um verde brilhante. Com a garganta apertada o olhou, e não conseguiu segurar o choro ao ver o carinho imenso com que a segurava. Feliz e radiante se apertou mais nele, agora totalmente em paz, sob o olhar feliz dos companheiros e de muitos outros, que os apontavam e sorriam aliviados.
Nem bem tocaram o solo Ovandriel levantou os braços imediatamente, o que fez tudo ficar em silêncio.
- Acho que vocês entenderam o que aconteceu. Em virtude de tudo o que nosso amigo conseguiu, ao viver aqui neste planeta, ele finalmente conseguiu passar por nós, e por nós foi aceito nos céus.
O silêncio estava enorme ali, e Ovandriel girou sobre a perna direita, examinando todos os rostos, se sentindo muito bem com o que viu.
> Mas ele não aceitou – revelou. – Ele falou algo sobre Gaia, alguns amigos, alguma coisa sobre uma dêmona...
Layla esbugalhou os olhos, e muitos tentaram se aproximar de Gadhiel, dando-lhe tapinhas e fazendo festa, enquanto outros balançavam incrédulos a cabeça. E, ante todo aquele ar de surpresa, ovações e gritos encheram o ar e ecoaram entre os montes.
Ovandriel ficou aguardando a comoção passar. Então levantou novamente os braços, pedindo silêncio mais uma vez.
> Mas, tenho que lhe dizer, Gadhiel, que você se engana, meu amigo. Por muito tempo você foi proibido de retornar, mas você conquistou esse direito, não pelas suas tentativas, que muito nos alegrou – sorriu feliz, - mas pelas coisas que realizava entre elas. E foram muitas coisas, que nos deixam orgulhosos ao lhe dizer que lá estará sempre aberto para você.
O silêncio ficou ainda mais denso, sorrisos desenhados em cada rosto ali presente.
Gadhiel o examinou com cuidado, e observou cada um que estava ajuntado.
- Então não vou mais apanhar quando subir para lá? – perguntou com um sorriso maroto no rosto.
- Não, não irá mais ser surrado – riu o anjo, acompanhado de uma onda de risadas festivas e eufóricas, que logo silenciaram para ouvir o que Gadhiel estava dizendo.
- ... ter que dizer isso. Mas, ah, vai ser uma droga. Vi que ficaram tristes... E a tristeza de vocês é algo que, realmente, eu não quero... Não acabou, ainda, e duvido que algum dia acabe.
- Ora, não entendi. E por que não? – estranhou um anjo, sob o peso de expectativa dos outros.
- Ora, ainda temos Bhantor e os outros, que prometeram que não vão desistir...
- Errado, tem mais alguém entrando na diversão – falou Layla se empertigando ao lado de Gadhiel, os olhos voltados para Ovandriel, um grande e luminoso sorriso no rosto, um pouco menor que o sorriso que Gadhiel mostrava.
- Então as coisas mudam um pouco – Gadhiel cismou alto. - Apesar de já ter sido aceito no céu, o que aceito, por sinal, enquanto minha família tentar, e ter o prazer de descer a lenha em vocês, eu também vou estar no meio – sorriu feliz, abraçando Layla com mais força.
Todos os que estavam ali se entreolharam surpresos.
- Mas, como poderá ser isto? – estranhou um anjo ao lado de Ovandriel, que se mostrava pensativo. - Um anjo com trânsito livre, ser surrado por tentar entrar é algo...
- Complicado, muito complicado – pensou um outro anjo que estava ao seu lado. – Como poderá ser isso? – perguntou para Ovandriel.
- Ara, quer saber? Dificuldade nenhuma, gente – falou todo radiante. – Vai ser uma beleza... É só descer o pau quando eles, que passaremos a chamar de "A família", estiverem juntos – falou enquanto urras e ovações explodiam acima das nuvens e sobre os montes, para alegria das pessoas, vigilantes e demônios ali reunidos.