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NO SUBMUNDO

Mesmo com o risco de me perder, na escuridão submeti meus medos para te procurar.

Gadhiel circulou o morro onde se via, muito disfarçado, um buraco. Aquele devia ser o terceiro covil que investigavam, e estava ficando bom em encontra-los, por mais que tivessem tentado mantê-los ocultos.

Bhantor logo desceu quase no topo do morro ao lado de Gadhiel, que cismava sobre os arredores. Após conferir que os lados estavam limpos, apontou para a entrada da caverna. Na verdade, era como um buraco um pouco acima da face de um paredão no morro, disfarçado por arbustos retorcidos e tristes.

- Você já esteve nesses lugares? – Bhantor quis saber.

- Sim, já estive em alguns – rememorou, o semblante ficando mais pesado. – Não será muito legal, Bhantor. Mas, confie em você, observe sempre seu coração, sinta com ele – orientou. – É um lugar muito perigoso e enganador para se estar.

- Já não gostei desse lugar – falou, ajudando Gadhiel a afastar alguns arbustos, o suficiente para passarem. Assim que conseguiram ultrapassar a barreira Bhantor voltou os arbustos para a mesma posição que estava antes, para não chamar a atenção sobre uma possível invasão.

Focando melhor a visão para poderem enxergar no escuro, viram que o buraco se abria para uma caverna, que rapidamente se afundava após uma curva. O cheiro era pesado, de terra úmida e mofada. Bhantor tocou nas paredes internas e nas mais fundas. Nada havia ali. Ali não era a casa dos demônios, mas apenas lhes servia como abrigo temporário. Então saíram e em mais quatro se afundaram naquele dia, todas com o mesmo resultado.

No segundo dia, no segundo buraco que vistoriavam, Bhantor ficou tenso, os modos mais esquivos ao tocar nas paredes mais fundas.

- Não sei se são os que pegaram Layla, mas aqui é um ninho deles. E, não sinto só eles. Ao que me parece aqui tem também muitos demônios da superfície.

- Acha que eles estão unidos, que são aliados? – Gadhiel perguntou surpreso.

- Isso não posso dizer – sussurrou. – Meu poder não chega a tanto. Só sinto suas presenças, não as intenções ou modos – explicou.

- Tudo bem, Bhantor. Então só nos resta ver o que tem aqui – falou se esgueirando em silêncio para as profundezas cada vez mais sombrias e disfarçadas na escuridão, acompanhado de perto pelo amigo.

A caverna se tomava, mais ao fundo, por um largo e batido corredor. No entanto, mais à frente no declive, deram com vários corredores estreitos se afundando ainda mais. Tomaram um deles, aquele que Bhantor identificou ser o mais usado pelos da superfície, e apenas para quase que só para descer.

Gadhiel estranhou não ver circulação por ele, e por isso redobrou sua atenção. No entanto, ao seu final viu sinais de uma luz embaçada e estranha, e deu com uma expansão rápida do espaço. O corredor se abria para um imenso salão, para onde muitos corredores convergiam.

O cheiro ali era terrível, de fezes misturada com urina e sangue. Os dois, mais que depressa se ajustaram, para não passarem mal com tanta fedentina.

Gadhiel viu um recipiente, dos muitos aninhados e empurrados dentro de buracos nas paredes. Enojado viu que era feito de óleo, de pessoas e de animais. Um pedaço de cipó seco fazia de pavio, que lutava contra a densa escuridão daquele antro.

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Um pouco mais aliviado Bhantor tocou a parede.

- Ah, agora entendo – desabafou num baixo sussurro. – Esses demônios da superfície não estão aqui por vontade própria. Eles são prisioneiros, por isto este corredor que usamos não tem movimento: ele é usado quase que somente para trazer prisioneiros. E lá estão eles – apontou para um lado, onde se viam dois salões, com barras de isolamento que os fechavam completamente.

Gadhiel sentiu seu coração pulsar com esperança.

- Sentiu Layla?

- Não, não senti. Mas, visto meu poder ser meio limitado, isso não quer dizer que não esteja sendo mantida por aqui. Como pensa fazer, a partir daqui?

- Por enquanto só observar, aprender. Não devemos nos precipitar – falou, sob a concordância tácita de Bhantor.

Por horas ficaram examinando o salão e os arredores, o coração tendo que se isolar em muitos momentos, visto as coisas terríveis que presenciavam contra os prisioneiros.

Bhantor baixou a cabeça num momento, e Gadhiel, pelas suas lágrimas, viu que seu amigo chorava. Os demônios haviam trazido para uma plataforma no salão maior uma pequena dêmona, que torturam com requintes de sadismo. Os gritos vindos das celas e os gritos da menina doíam demais, e tiveram que exercer muita força para se dominarem. Quando Gadhiel tocou no cabo da espada Bhantor o impediu. Entendo o risco Gadhiel recuou, deixando acontecer, entendendo que tudo o que acontece não acontece sem que todas as partes aceitem, pois que é a demonstração de que desejam aquela experiência.

Quando a pequena dêmona morreu viram os demônios destrinchando seu corpo, que outros demônios trataram de levar por um corredor mais à esquerda.

Então tudo ficou novamente em silêncio.

Os dois se levantaram e sondaram das sombras, mantendo suas consciências ocultas. Mas Layla não estava lá. Então se aproximaram ocultos da outra cela, e viram que ela também não estava lá.

Bhantor se preparava para sair quando viu que Gadhiel não o acompanhava. Ao se voltar viu o que ele estava para fazer, e se preocupou, porque poderia colocar tudo a perder, ao disparar o alarme para todos os outros lugares dos demônios.

Mas sorriu satisfeito, e até agradecido, quando viu Gadhiel, mergulhado nas sombras avançar com extrema velocidade pelas duas celas, abrindo suas trancas num silêncio absoluto, como se algum demônio da guarda tivesse esquecido de fechá-las.

Sem perda de tempo Gadhiel se posicionou ao seu lado atrás das pedras, na escuridão, de onde ficaram aguardando.

A atenção de ambos se acendeu quando um demônio aprisionado se aproximou da porta, estranhando que ela havia se movimentado sozinha. Desconfiado a empurrou. A surpresa foi geral ao perceberem que ela estava destrancada. Em silêncio, junto com os da outra cela, se uniram em grande número e foram pelos corredores, na caça de qualquer demônio desavisado que lhes caísse nas mãos.

Rapidamente os dois voltaram pelo corredor e saíram da caverna, sem trocar qualquer palavra entre eles, a não ser os sorrisos satisfeitos que mostravam no rosto.

Gadhiel olhou para mais um outro buraco, agora na face de uma montanha rochosa. Seu rosto pesou quando Bhantor disse que não sentira qualquer sinal de Layla por ali.

Suas esperanças definhavam, porque não conseguiam encontrar o local para onde haviam levado Layla.

Pensativo sentou-se a alguma distância, os olhos vazios sondando o buraco encoberto por touceiras de matos espinhentos.

- Fico pensando se os anjos nos ajudariam, se eu pedisse a ajuda deles.

- Para falar a verdade, nem sei se isso teria alguma valia. Apesar de caídos também somos anjos, e não estamos conseguindo achá-la. Além disso, bem sabe que há alguns que não olham os demônios, mesmo os da superfície, com bons olhos.

- É, você está certo, Bhantor. Que bom que está aqui – falou, o rosto pesado sondando o espaço além da montanha.

De repente Bhantor deu um um urro curto e abafado, os olhos em fogo sondando a face de Gadhiel.

Depressa se levantou, os olhos vasculhando as lonjuras, atento aos sinais dos ventos e da nuvens.

Sob o olhar confuso de Gadhiel, que se levantará e se mostrava em expectativa pela atitude do amigo, sobre ele manteve os olhos pesados, aguardando que ele se explicasse.

- Acho que somos dois idiotas, Gadhiel...

- Você descobriu onde ela está? – Gadhiel acendeu-se cheio de esperança.

- Onde está, não, mas acho que sei como podemos fazer para chegar até ela.