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CRUEL BONDADE

Fui cruel, ao mostrar um mundo do qual sempre estará apartado. Naquele momento acabei sentindo pena da minha alma.

O anjo estava sério, a mente parecendo distante, a mão esquecida sobre a espada.

- O mal e o bem... - disse por fim, os olhos fixos no lobisomem, descansando à beira da profunda floresta. – Foi Ele quem os criou. O mal é o atraso, o motor dos homens, feito de negro medo... O mal – suspirou por fim, a cabeça tomando.

O lobisomem não se mexeu, o receio cercando-o.

De repente, seus músculos se enrijeceram ao ver a espada, saindo lentamente da pequena bainha presa na cintura do anjo.

Suspirou fundo, os olhos se afundando devagar no mundo. Lentamente inspirou, examinando e se deliciando detidamente com o ar que inalava, bem como com a face luminosa e verde da montanha. Aquilo tudo logo se iria, se disse.

- Adeus - disse num sussurro ao beija-flor, às montanhas e ao céu. - Quisera ter mais tempo, quisera não me deixar ir.

Subitamente se ergueu e encarou o anjo.

> Não, não será assim. Você pode ter mais poder e força que eu, mas não irá dominar minha alma. Vejo o mundo tal como você, vejo a luz e a escuridão, vejo...

O anjo deixou a espada parada, ainda enterrada na bainha. Em uma velocidade alucinante parou à frente do ser e avançou a mão livre, que tocou a testa do lobisomem, imobilizando-o.

- Não, não vê como vejo, nem a luz nem as sombras – acusou compadecido.

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O lobisomem sentiu o impacto. O mundo se transformara. Tudo estava mais vívido, tudo estava mais... luminoso e transparente. O córrego estava diferente, apesar de ver que era o mesmo córrego, como também a montanha e o beija-flor. Seu coração disparou. Em grande velocidade sentiu que o anjo elevava sua visão e a descia em uma pequena vila que bem conhecia, ou que julgara conhecer. Vagando pelas ruas ou apoiados nas janelas o velho padeira que conhecia, e a florista e o verdureiro. Eram os mesmos, mas estavam muito, muito diferentes, como tudo o que existia no mundo. Em torno das pessoas e entes agora via que havia uma aura, e conseguia sentir odores diferentes que vinham delas, apesar de seu faro ser muito apurado.

Sua alma doeu, ao ver que muitas delas apresentavam cores tristes, e que muitas delas lembravam coisas apodrecidas.

Então olhou para si, e teve pena do que se viu ser.

Abatido pôs os olhos estarrecidos no anjo, que o examinava com curiosidade. Sabia que ele via que agora havia mágoa em seus modos.

O sentimento de dor foi se alastrando sob os olhos curiosos do anjo. Então, ao se ver, pobre e desprezível pelos olhos do anjo, se rebelou. Como se abanasse a cabeça se recusou a se deixar destruir dessa forma tão odiosa. Não era ele um anjo? Aparentemente, não o era.

- É um demônio o que vejo? – grunhiu, a raiva distorcendo sua cara. - Por que não me destruiu? Mostrar o que não posso ter ou ver, dar-me uma dor que eu não tinha, é muito cruel. Isso te fez sentir-se melhor? – Rosnou Abatido. - Dizem que você recusou ser anjo, e que em queda se deixou. Ao ver sua crueldade eu acredito nisso, eu acredito que sua alma busca a escuridão – disse, deixando suas garras à mostra.

O anjo baixou os olhos, examinando as armas que o lobisomem expunha.

Quando elas avançaram apenas riscaram e buliram com uma neblina, que pouca importância deu às garras e à velocidade com que passaram por ela.

O anjo avançou novamente a mão e tocou a testa do lobisomem, retirando a experiência que havia imprimido.

O lobisomem ficou hirto, o brilho orgulhoso voltando aos olhos.

Então, com uma estocada precisa e seca, o anjo extirpou sua vida. O corpo estremeceu um mínimo, caindo totalmente inerte.

- Agora sim, você poderá crescer com naturalidade – disse o anjo embainhando a arma após fazê-la incandescer para se limpar, olhando com carinho a essência luminosa que estivera no animal alçar do corpo e, após um fulgor rápido, se dissipar no ar.

> O que irá desejar se tornar, experimentar agora que tem uma frágil, breve e poderosa semente a germinar? – perguntou o anjo antes de se impulsionar para o céu azul.