Eu sei que posso estender o dedo e tocar, e sentir. Mas, sabe, isso já não é mais o bastante...
- E aí, Gadhiel, vai tentar novamente? – o anjo perguntou, todo feliz.
- Você está preparado, meu amigo? Da última vez você não se saiu muito bem, se eu bem me lembro – respondeu Gadhiel em tom provocativo.
- É verdade, saí um pouco machucado, mas algumas dessas marcas aí no seu couro foram eu que fiz – riu todo feliz e orgulhoso.
- Ah, acho que as marquinhas de que fala já sumiram – riu se afastando.
Layla o observou com cuidado, após se virar para conferir que o anjo com o qual Gadhiel havia trocado palavras gentis se afastava todo eufórico.
- Uauuuu... Você está de brincadeira, não está?
- Ora, claro que não, meu amorzinho. Vai ser legal, você vai ver.
- Hunnfffff... Não posso estar ouvindo isso. Você nem está totalmente curado.
- Ara, vai ser bom para os ânimos.
- Ânimos de quem? O meu não...
- Sério... Você deveria pensar na minha proposta.
- Não vou assaltar o céu com você, com vocês – se corrigiu aumentando o volume da voz, vendo Bhantor, Theliel e Amonet se aproximarem, cada um com um irritante sorriso no rosto. – Vocês, definitivamente, são loucos – riu ao ver as caras felizes deles. – Vocês vão se arrebentar, vão ver.
- Ara, a dor passa bem depressa – retrucou Bhantor dando um forte abraço em Gadhiel.
- Falou com ela? – Theliel perguntou, olhando para Layla com os olhos luminosos.
- Ah, depois eu falo – Gadhiel desconversou, ao ver que Ovandriel se aproximava com um séquito de anjos.
- Sério, depois? Mas, precisa ser para agora – reclamou Amonet.
- Depois, minha querida apressada – tentou desconversar rapidamente, vendo o rosto sério e confuso de Layla. Por isso deu graças quando viu Ovandriel surgir logo à frente.
- Que bom que está bem – cumprimentou feliz, dando uma boa olhada nas asas. Ovandriel, ao observar que todos tentavam ver suas asas, as abriu um pouco, o rosto todo luminoso.
- E não é?
Com um movimento lateral da cabeça conferiu que uma das asas tinha um belo brilho de metal polido, com as estrias das penas dando um belo efeito na luz.
Layla também a observou rapidamente, não querendo parecer indiscreta.
- Acho que a nova dos aruenes ficou mais...
- Chique?
- Bonita, mas estranha...
- A sinceridade da minha querida dêmona – riu satisfeito.
- Já eu até que gostei. Ficou assim mais... Briiilhannnte... – riu Devaniã.
- Para falar a verdade, se eu fosse você eu teria pedido para fazerem a outra também – Amonet analisou. – Aposto que, se estiver voando bem alto, vai ficar estranho. Tipo, vai parecer que tem uma asa só – riu baixinho.
- Essas mulheres... Estética... Bahhhh – falou Theliel dando uma cotovela em Amonet, que fingiu ter sentido muita dor.
- Você bem que gosta, não é mesmo? – riu Sekhemeth.
- Não deixa de ser bonito, é verdade. Mas, bahhhh... – fez novamente, para divertimento dos outros.
- Então, já vão??? – Ovandriel estranhou que deixassem o céu tão rapidamente.
- Já, por enquanto... Vamos sentir saudades – falou Gadhiel com a voz meio enlevada, alterando sua visão para a visão acima. E ali estava todo o esplendor do céu, que sempre o maravilhava. Os seres da terra, presos na terceira dimensão, nunca poderiam avaliar aquilo.
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Havia um muro alto, todo branco, repleto de árvores de grande variedade, onde pássaros circulavam com enorme desenvoltura e número. A cachoeiras que despencavam para as nuvens, vindos de centenas de rios do interior das muralhas davam um toque que o fazia querer sentar-se em alguns dos bancos e ficar perdido, só admirando. E os castelos e vigias, todos espigados e trabalhados numa harmonia invejável que, juntamente com as pontes inúmeras e praças, eram algo que não tinha como deixar de suspirar de prazer.
- Um dia poderá voltar, Gadhiel. Você e sua família merecem voltar...
- É... Talvez esse dia esteja mais perto do que pensa... – riu, se preparando para saltar.
- Ah não... Mas já? – a surpresa encheu seus olhos, e dos anjos que o acompanhavam.
- Você vai tentar de novo, Gadhiel? – perguntou um dos anjos guardiões se aproximando e segurando Gadhiel pelos ombros.
- Mas é claro que sim. Você vai estar lá?
- Claro que vou. Prometo que vou te acertar com um pouco mais de cuidado, o que acha?
- Sei... Você diz isso para eu ter pena de você, não é? – riu, o que fez toda comitiva ficar feliz e eufórica.
- Mas, ele já está tão bem assim? – Ovandriel perguntou, olhando preocupado para Layla.
- Na cabeça dele, ele está – ela riu, saltando atrás deles.
- Então, o que Theliel disse que você iria me falar? – Layla perguntou com grande estranheza no olhar, conferindo toda a agitação e ares de festa nos montes em volta deles.
- Ah, bem, é que nós estávamos falando que seria bom ter algum tipo de torcida, sabe? Você poderia, sei lá, junto com as outras aqui...
- Como, torcida? E de que outras está falando? – assombrou-se Layla, virando-se e dando de cara com umas vinte mulheres, contando com algumas dêmonas, demianas e até de uma caipora e uma mãe-da-mata que jurava ter visto no meio do grupo. Mas não viu direito, porque se voltou depressa para encarar Gadhiel.
- Sim, isso mesmo. Nós as chamamos de empolguetes...
Vendo a cara de mal humor dela preferiu reconsiderar...
> Se te fizer sentir melhor, até podem ser as demonetes... Se você...
- Mas de jeito algum... Não vou me prestar a isso. Além disso...
- Mas ia ser fantástico, meu bem. Você poderia soltar algumas fuligens e farpas e...
- Eu já te manjei, quando vem com “meu bem”. Não cola... Você, realmente, “meu querido”, é algo para ser estudado – riu, dando um enorme beijo nele, o que levantou o grito de todos os que estavam ali reunidos. – As demonetes vão ter que se virar sem mim. Sou uma espectadora apenas. Nada mais.
- Se não fizer parte não vão ser demonetes – gritou para a dêmona que se afastava devagar, como se saboreasse o momento. – Então está bem, é isso aí...
- Demonetes – ela gritou em resposta, se afastando um pouco mais rápido.
- Ara... – ele reclamou, se virando para encontrar os outros desafiantes.
Vendo que o momento mais propício havia chegado se apressou em se arrumar ao lado de Bhantor, Theliel e Amonet, já aprumados no topo vazio de um dos montes.
À volta deles as meninas da torcida organizada se arrumaram, e dançaram por algum tempo, levantando o espírito daquele momento.
Súbito, tomados de poder, eles se lançaram para cima com grande velocidade.
A cada gemido ou som de pancada o pessoal reunido gemia junto ou ovacionava, dependendo de quem, se os invasores ou defensores eram os atingidos. Layla observou os rostos, e não pôde deixar de se sentir feliz. Apesar das dores que os quatro iriam ter por uns bons dias, não podia negar quanto bem aquilo causava em todos, no céu ou na terra.
- Quem diria que uma tentativa de invasão do céu iria ter tanta audiência?, sorriu, sentindo a alma leve, imaginando como devia estar a cara de Ovandriel, organizando a resistência dos defensores celestiais.
- Mil e setenta e três, três, três e três – ouviram os gritos do céu muitas pancadas depois.
- Estão roubando – ouviram uma reclamação dolorida de alguém que despencava do céu. Layla se preocupou, notando que havia muita, muita dor naquela voz, que de pronto reconheceu.
- Tá bom...
- Que chato...
- Não larga do pé...
- Falei que não ia funcionar...
- Ora, e ele sabe contar?
Ouviram de uma série de reclamações sentidas.
– Mil e sessenta e três, dois, dois e dois – ouviram uma correção ser anunciada, muito a contragosto.
As risadas que ouviram foram contagiantes.
Elas ainda soavam, no céu e na terra, quando os quatro atingiram dolorosamente o chão.
- Agora tenho certeza de que vão se acalmar, não vão? – Layla estocou, pensando os enormes hematomas de Gadhiel.
- Por enquanto sim. Vai demorar um pouco para tentar de novo – gemeu baixinho.
Layla balançou a cabeça em total desaprovação, vendo o estado deplorável dos outros três, deitados no hospital improvisado, onde até mesmo uma flor-do-mato ajudava a curar Bhantor. No princípio estranhara quando ela entrou com um enorme bicho, que era um queixada, bem sabia, ao qual ela chamou por Estrepe. Mas entendeu quando viu que os dois juntos tinham o poder de curar aumentados.
- E então Bhantor – Anael, sentado ao lado em companhia de Sekhemeth, olhava os quatro com grande diversão pendurado no rosto. – Você, que é bem centrado...
- Duvido – rebateu Sekhemeth, interrompendo Anael. – Afinal, ele também tentou, não tentou?
- É, você está certa, Sekhemeth – riu. – É bem verdade que você também é doido. Mas, acha que valeu a pena, Bhantor?
- Você diz isso e mostra a dúvida em seu coração porque só está vendo a gente – falou o outro em arranques, segurando as dores que sentia. – Se visse o estado de muitos daqueles anjos, ia ter mais consideração pela gente...
- Mais respeito pela gente – gemeu Amonet. – Respeito, é isso mesmo – sussurrou bem baixinho.
- Mas eu...
- E nem tente pedir desculpas. Ficamos ofendidos – reclamou Theliel, quase dando um berro de dor quando uma costela foi colocada no lugar.
- Ora, não arrume só essa costela – falou Sekhemeth para uma demiana que cuidava dele. – Arrume esses dois dentes quebrados dele também. Está ruim de ver esse sorriso esquisito e torto. Não, quer saber, deixe esses dentes quebrados aí desse jeito mesmo. Vai ser bom pra gente – riu se levantando e saindo em companhia de Anael, que não conseguia mais se segurar.
- É terrível isso – gemeu Gadhiel, ouvindo as risadas dos dois se distanciando, sob o olhar divertido de Layla.