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ASSALTANDO O CÉU (ficção - português)
OS PRIMEIROS E OS SEGUNDOS CAÍDOS - Momento da segunda queda - 170.000 da e5

OS PRIMEIROS E OS SEGUNDOS CAÍDOS - Momento da segunda queda - 170.000 da e5

Agarro a luz e a esmigalho em minha mão e a torno pó, que espalho ao vento da tempestade, sementes de aço e lembranças e sonhos que lanço. Cansei de esperar que a escuridão se canse de si mesma.

O mundo parou ao ver o céu em chamas, como se uma guerra imensa explodisse acima das nuvens.

Os anjos caídos da era anterior choraram, ressentidos. Sabiam o que estava para acontecer, e isso fazia com que suas dores aumentassem ainda mais.

Masriel bem que gostaria de ir receber os irmãos que logo estariam se precipitando, mas havia uma dor tão grande, não somente em si, mas em todos os outros que estavam sobre as montanhas, que emitiu um lamento tão doloroso que calou o mundo.

Os homens e as pessoas se puseram silenciosos e receosos em suas toscas cabanas e nas cavernas e em seus abrigos rudimentares, de onde ficaram a observar o céu apenas por pequenas e discretas frestas.

E então tudo se precipitou.

O céu se encheu de gritos e lamentos, e inúmeras bolas de fogo dele se despregaram em direção à terra, como terríveis lágrimas incandescentes.

Pacientemente ficou aguardando, examinando cada lágrima de fogo que se precipitava contra a terra.

De repente sentiu uma concussão incomum, como se algo de grandes dimensões, ou poder, houvesse atingindo aquele planeta.

Em silêncio subiu, os olhos procurando o lugar de onde viera aquela concussão, até que achou uma montanha duramente atingida, não muito distante de onde estivera.

- Ah, ele chegou – saboreou, vendo um enorme anjo em forma dahen se elevar no topo fumegante de um monte, para onde se dirigiu. – O Lúcien chegou nessa terra maldita – exultou.

Com cuidado, pois as reações de um recém-caído eram muito imprevisíveis, Masriel flutuou até estar à poucos metros à frente de Lúcien[1].

- Lúcien o justo – o vigilante cumprimentou com uma pequena reverência. – Ou devo chamá-lo de Lúcien, o injustiçado? – açoitou, tendo o cuidado com o tom da voz para não provocar uma reação indesejada. - Sei bem o que sente – falou, a cauda drapejando no vento que rodeava a montanha.

- Não, não sente! – ouviu a voz dura e poderosa. - Você é um maldito caído, que se forçou a tomar uma posição contra uma das criações do Trovão. Uma posição contrária tomada a esmo, sem qualquer intenção que não a revolta.

Masriel mordeu o lábio inferior, refreando sua vontade de reagir com vigor àquela fala arrogante, ainda mais sendo dirigida contra ele.

- E você? Escapou da primeira queda, logo após a queda de Lúcifer. Mas foi perseguido por Miguel e suas hostes, e agora eles o encontraram e o precipitaram para a terra. Tem certeza de que não se tornou um vigilante?

- Não sou um vigilante – contestou com uma voz fria e impessoal. - Fui leal ao Trovão, mesmo aparentemente sendo contra ele. A verdade é que ele está enganado pelos outros irmãos, que o voltaram contra mim e os meus.

- Ora, e por que fariam algo assim? – Masriel perguntou, tendo o cuidado de tirar o sarcasmo de sua voz.

- Porque se enciumaram do poder que obtive por mérito. Fui traído, e é só...

- O grande ego o denuncia, como denunciou Lúcifer – acusou com desdém.

Masriel o observou se descolando das sombras das grandes rochas que estilhaçou da montanha quando caiu e espalhou a esmo pelo topo, muitas delas totalmente enegrecidas. Examinou suas intenções, e não se sentiu em perigo com sua aproximação. O poder dele era muito grande. Até mesmo o ar parecia crepitar. Viu seus olhos, e avaliou o quanto ele o observava com desconfiança.

- Ego, o que sabe sobre as coisas, caído? Honra, não ego – corrigiu parando a poucos metros à sua frente, os olhos observando com interesse o mundo. – Não houve honra em sua queda. Você e os seus apenas quiseram se aproveitar dessa criação, não é? – Lúcien alfinetou, já mostrando algum cansaço naquela conversa.

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- E há na sua?

- Fomos enganados, e sei quem nos enganou...

- Enganado, você? Se foi assim, então acha que foi Trevas? Ou, talvez, foi Escuridão? Ou, por um acaso, acredita que tenha sido um de seus demônios ladinos e maliciosos, que sabem bem como aquecer um leito? – perguntou examinando os olhos que estavam, agora, definitivamente atentos aos seus.

- Eles não poderiam falar aos nossos espíritos – rechaçou com uma amargura transparecendo na voz, voltando-se claramente para o demônio, os olhos se inflamando, a mão no cabo da espada. Os demônios não poderiam se aproximar tanto assim.

- Ah, Lúcifer então?

- Também não foi ele, e isso porque eu sei – declarou, a voz agora com uma nota de ameaça.

Subitamente Masriel viu o quanto sua posição era preocupante. Já vira Lúcien em batalha. A velocidade com que atacava quase sempre era morte certa para o seu oponente. E de nada adiantaria se ele ainda estivesse com a espada embainhada.

- Ah, entendo... Então, acredita que fomos nós? – resolveu esclarecer de vez a situação.

- Eu acredito muito nessa possibilidade.

Mariel ficou em silêncio avaliando o anjo. Então decidiu que ele já tinha conhecimento do que realmente acontecera.

- Está certo! Sabe, Lúcien, nós fomos os primeiros a enxergar que o Trovão foi enganado pelos irmãos traidores e pelas pessoas. Tentamos...

- A velha lenga-lenga. Não cola... – falou dando um passo lentamente em sua direção.

- É mesmo? E o que os levou a procurar os homens e as pessoas, e neles gerar descendentes? Nefilins, dahrars, arquis, ... Uma boa leva de criações... Não pensou que talvez o Trovão tenha ficado descontente com isso?

- Trovão não se importou com os primeiros nefilins...

- Ah, sim, não se importou.... Mas aqueles eram poucos, e apenas com humanos. E era como... novidade, curiosidade. Novas experiências.... Mas, depois, tudo foi se agudizando, tomando uma proporção enorme, cheio de lascívia e dominação. E vocês se recusaram a ouvir os alertas... Se julgaram intocáveis? – sorriu compreensivo. – Mas sim, foram os nossos sussurros que ouviram, porque foram nossas vozes que procuraram. Expusemos as verdades que se diziam às escondidas: Trovão ama mais os homens que a nós. E vocês quiseram provar que não, não é mesmo? Agora estão convencidos? Ele os protegeu de vocês... Vocês procuraram a destruição dos bonecos – acusou com a voz gentil e maviosa.

> Masriel, Masriel... Dizem que a escuridão não germina na luz... Já havia esse desejo em vocês, de experimentar a escuridão...

- E não vê esse desejo em vocês? Não vê esse desejo em você?

- Seria, se é que podemos chamar de escuridão a preocupação que temos quanto ao UM.

Masriel ouviu a voz antes poderosa titubear levemente, e soube que ele acabara de denunciar a dúvida que o assaltava. Com um suspiro viu que sua mão saia da espada, e que ele observava o mundo com modos pensativos.

- O que você quer, Lúcien? – perguntou tentando reforçar o sentimento dele naquele momento. – O que realmente deseja?

Lúcien ficou em um teimoso silêncio, que Masriel não ousou interromper. O recém-caído cismava, os olhos postos no céu e além dele. Masriel viu o momento exato em que Lúcien aceitou a sua condição de permanente queda.

- Por que estava esperando por mim? Por que me chamava em seus sonhos, vigilante? – perguntou sem se virar para ele.

- Há anjos de poder nesse mundo, anjos impartidos - falou. – Lázarus[2], que antes se chamava Sênior, foi o que matou Lúcifer...

- Bem sabe que Lúcifer não morreu – interrompeu com frieza e indiferença.

- Sim, eu sei. Mas, na essência, foi Sênior que destruiu umas das encarnações de Lúcifer, se isso te deixa mais confortável – falou sem esconder que se sentira mal com a reprimenda, que o fez parecer um ignorante. – E o outro, tão perigoso quanto ele, é Gadhiel, que foi Damãni. Ambos estão neste mundo, neste aqui, neste agora.

- E você os teme...

- São impartidos. Em algum momento sei que eu e os meus vamos acabar topando com um deles. Devemos nos unir – afirmou. - Somos apenas um, somos irmãos na desdita, na queda.

- E o que pretende, que o faz temer se mostrar?

- Uma guerra. Eu quero chamar uma guerra contra aqueles que tomou o amor que o Trovão tinha por nós...

Lúcien examinou o caído, e ficou se perguntando se, com o tempo correndo nesse lugar pesado, também iria cair no esquecimento, quanto mais se afundava na experiencia da dualidade. Já vira muitos caídos se perderem. Suspirou, suspeitando e acabando por aceitar que aquele parecia ser um destino à sua frente. Então – sorriu, - por que não preparar o terreno?

- E por que não fez nada até o momento?

- Ora, porque estamos proibidos de fazer mal a esses malditos bonecos e...

- Sim, estamos impedidos, diretamente.... – interrompeu com tranquilidade. - Mas, podemos ter aliados...

- Como? – perguntou com estranheza.

- Ora, não vê? Vocês já experimentaram esse caminho... E se os inimigos dos traidores forem gerados nas entranhas desses bonecos? Isso não seria bom?

- Ah, sem dúvida que será muito bom – saboreou Masriel, maravilhado com a simplicidade daquela linha de ação, enquanto se perguntava por que não vira isso antes. Então, com um sorriso satisfeito e maldoso ficou imaginando uma grande e maldosa praga se espalhando pela terra. – Mas, e quanto à Gadhiel e Lázarus?

- Caso tenha se esquecido, há um código[3] que eles têm que respeitar... – sussurrou.

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[1] Há fortes indícios de que Lúcien seria um fractal de Lúcifer, informação que Lúcien deixou escapar em uma ocasião, quando se encontrou com Lázarus.

[2] Referência a um anjo impartido, protagonista dos volumes “Memórias de um deus”.

[3] Referência ao código dos caídos.