Amor estranho, enganado, roubado, exilado, subjugado, soberano e soberbo. Amor é amor se for entrega, se tiver paz. Amor é poder se abandonado se deixar.
A mulher o sentiu se aproximando por detrás das montanhas. O coração pulsava na expectativa de encontrá-lo, e a respiração parecia ficar difícil. Tentou se controlar, mas acabou desistindo. E ele surgiu, apenas um ponto negro ao longe. Ela não desgrudou os olhos, acompanhando-o crescer no céu. Cresceu um pouco mais, e agora podia ver pequenos movimentos das asas, suaves, poderosos, trazendo-o cada vez para mais perto. Então já não era mais um ponto ou mancha. Os cabelos revoltos no ar, as asas definidas. Sua alma agigantou-se e um sorriso luminoso fixou-se em seu rosto ao reconhecê-lo. Quando ele desceu suave à sua frente ela sentiu que seu coração poderia silenciar, de tanto amor que possuía.
Em silêncio ficou apenas observando-o, examinando cada linha daquele ser incrível. Ele podia sacudir o céu, podia destruir montanhas, podia vencer qualquer exército, ou todos os exércitos dos homens e das pessoas; podia ter o que quisesse na terra. Mas ele apenas vinha, suave, gentil, ele apenas queria a ela. Dizia que gostava de sua companhia, de ficar olhando o sol se ir, de fazer amor, de segurar suas mãos, de beijar seus olhos. Mesmo que a guerra o chamasse, era para ela que ele sempre voltaria.
Ela pôs a mão no coração, sentindo que ele batia ainda mais forte. Com um sorriso fixou-se em seus olhos, naqueles olhos que tanto amava, assim que ele pousou um pouco distante à sua frente.
Ele lhe sorriu de volta, e lentamente começou a caminhar em sua direção, fechando as belas asas a cada passo que dava.
Então, parando à sua frente, pousou as mãos em seus ombros e a puxou para si. Seus lábios quentes e cheios de frescor da montanha a inebriaram, como a envolveram seu cheiro de brisas e canções.
- Senti tanto a sua falta... – confessou ela.
- Eu vim só por você – sussurrou ele, a voz como se fosse feita de vento suave.
Ele então a deitou, e a tomou mais uma vez.
Por longo tempo se amaram sobre a relva.
Extenuados ficaram deitados, rindo, sentindo o silêncio da mata. Por fim, ele a beijou apaixonadamente, se levantou e se foi. Ela ficou ainda, deitada na relva, observando as nuvens que passavam preguiçosas.
- Como sou feliz – sussurrou para uma nuvem de algodão que passava, esticando uma mão como se a acariciasse.
De repente sentiu uma pontada estranha. Parou, prestando atenção ao seu corpo. Novamente a pontada, uma dor que crescia em seu estômago. Ela olhou para sua barriga e se assustou ao ver que seu ventre intumescia rapidamente.
Assustada olhou para o céu, procurando seu amor, sem compreender com certeza o que estava acontecendo.
De repente, pelo canto dos olhos, algo chamou a sua atenção. Ela se virou lentamente, temendo que pudesse ser algum animal.
Ela sondou as sombras, e a custo refreou seu grito de pânico quando seus olhos pousaram num vulto imerso nas cavas escuras da floresta.
Vendo que havia sido percebido o demônio saiu das sombras, caminhando decidido enquanto desembainhava sua espada que brilhava como um sol poente onde corriam nuvens amareladas.
Ela, zonza e assustada, se levantou depressa, segurando seus panos para lhe cobrir a nudez. Mas, antes que pensasse em correr, o demônio já estava ao seu lado.
Ela olhou em seus olhos, e o medo desapareceu. Totalmente entregue deixou cair as roupas. Havia paz e segurança naqueles olhos, disse a si mesma. E, nem mesmo quando ele a soltou e levantou a espada, ela tremeu; nem quando ele começou a descrever um arco com a espada, mirando seu pescoço.
A mulher simplesmente fechou os olhos, um suspiro profundo que julgou ser seu último.
Mas então houve uma explosão. A concussão foi tão violenta que empurrou o ar com brutalidade e a lançou pelos ares, até cair aos pés de uma peroba.
Machucada e confusa ela virou a cabeça, procurando entender o que acontecerá.
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O seu anjo estava de pé, no lugar onde estivera, a espada na vertical, aparando o golpe fatal. A espada do outro tinha um tom agora mais avermelhado, enquanto a espada de seu amado tinha um tom negro azulado.
O demônio se afastou. Foi nesse movimento que a mulher notou algo, que se somou a outros que observara sem nem ao menos se dar conta.
Algo definitivamente estava errado ali.
O demônio a olhava preocupado, enquanto o seu anjo se postava protetor entre ela e o demônio.
- Não desistirei de proteger o meu filho – falou com uma voz dura e estranha, – nem que tenha que pôr abaixo esse lado do mundo.
A mulher, tomada de apreensão, gemeu em dores quando a barriga deu um arranque de crescimento.
Foi então que entendeu.
Era um filho que crescia, era ele que lhe trazia tamanho tormento. Seu corpo estava sendo obrigado a gerar um filho numa velocidade que nenhuma humana suportaria. Foi nesse momento que ela soube que não iria sobreviver ao filho.
Um novo arranque de crescimento e ela gemeu alto, segurando com força a barriga, que crescera perigosamente, exigindo ainda mais do seu corpo.
O demônio tirou os olhos do anjo e os pousou na mulher, e no ventre já muito crescido.
- Você poderá proteger este, mas conseguirá proteger seus outros filhos, demônio? – ouviu o demônio aemaçar.
A mulher se assustou com o que ouvira o demônio chamar seu anjo.
Então algo foi se imiscuindo em sua mente, e estórias que ouvira passaram a emergir. Estórias de demônios que se faziam de anjos para seduzir as mulheres, e de dêmonas que se faziam de demianas para corromper os homens. Então, apavorada voltou os olhos para seu ventre, e se lembrou que é raro o nascimento de um filho de demônio, e que quando isso era conseguido, somente a criança sobrevivia.
- Vá embora, anjo. O que está feito, está feito.
Então ela viu a verdade em meio a dor que tomava seu corpo e sua alma.
Ela for a enganada.
Como um anjo ele se fizera ver, como a fizera ver demônio o verdadeiro anjo. Uma imensa tristeza toldou seus olhos e sua vontade, e olhou confusa para seu enorme ventre. Era o filho de um demônio o que crescia dentro de si, que se alimentava da sua vida.
Agora entendia tudo que acontecera. O anjo não estava ali para proteger seu corpo, nem ao menos para destruí-la; ele estava ali para proteger sua alma.
- Está feito, mas não terminado...
- Não se engane. A proteção deles é a sua essência, anjo.
- Por que pensa assim?
- Porque eu vi muitos deles, e sei que não verá maldade em muitos deles, tanto quanto muitos dos homens e anjos não são maus.
O anjo não falou nada, apenas ficou olhando por algum tempo.
- Não sou juiz, mas apenas um guerreiro, enviado para tirar da terra os demônios e seus filhos.
- Se é assim, por que parou o ataque a mim e à mulher? Você poderia ter conseguido – riu.
- Porque num largo raio muitas vidas seriam destruídas. Que o tempo certo venha.
A mulher agora via calmamente. Seu anjo tinha a pele escura e grossa, e suas asas eram de um negro brilhante. E, à sua frente, havia um verdadeiro anjo, com suas vestes de pluma branca de vapores suaves esvoaçando à sua volta, coberto por placas de armadura que brilhavam como prata.
Ele agora tinha a postura tranquila. A espada de sol, agora sem tons vermelhos, repousava suave ao longo do corpo que, num belo e elegante movimento, embainhou.
> Que o tempo corra, e que seus filhos suportem a provação e se mostrem dignos do que você, um dia, foi. Se assim se mostrarem, não iremos contra eles.
- O que mais há, anjo?
- Você sabe... O fractal da mulher deve ser deixado livre. Não será alimento para o seu filho – falou com um tom que não admitia outro desfecho.
- Ele precisa se alimentar do fractal dela, ao menos por algum tempo – se preocupou.
- Não será assim!
O demônio ficou em silêncio, cismando. Aquele anjo à sua frente era experimentado em batalhas, e tinha certeza de que não estava sozinho. Levantou os olhos para o alto, e confirmou alguns anjos, atentos ao que acontecia no chão.
O demônio baixou os olhos e fletiu a cabeça em cumprimento. O anjo retribuiu e, num impulso súbito, sumiu no céu azul além das copas das árvores.
O demônio levantou os olhos para o céu, e confirmou que os anjos permaneciam lá em cima, de vigília. Eles estavam aguardando para proteger e levar para um local seguro o fractal da mulher, porque viram o quanto de amor ela possuía.
Suspirou entristecido, porque ela realmente tinha esse poder. Teria sido um bom alimento para o seu filho. Mas...
O demônio baixou a cabeça, pensativo. Mas foi arrancado de seus pensamentos quando a mulher gemeu em agonia.
Depressa se aproximou e se ajoelhou ao seu lado. Com um passe de mãos escuras acalmou a dor e a fez, por fim, desaparecer.
- Você me enganou... – sussurrou a mulher, triste.
O demônio a olhou triste, a face pensativa e distante.
- Você não vai morrer, como seu corpo não vai se deformar. De um jeito ou de outro a amo, não como quer, mas como consigo amar. E esse filho, esse nefilim, será poderoso, porque estarei com ele, e você cuidará dele e o ensinará sobre esse mundo de vocês, onde um rei ele será.
A mulher, que se perdera naqueles lindos olhos azuis, crispou seus dedos nos braços do demônio quando algo como um fogo pareceu girar dentro do seu corpo.
- Apenas mais mentiras, eu reconheço agora – gemeu entre as dores que rasgavam seu corpo.
Seu grito ecoou pela floresta e pelas montanhas quando o pequeno demônio saiu de seu ventre e foi tomado por seu pai que o levantou alto em direção ao céu e, após, a mostrou para as sombras da floresta.
O demônio cismou sobre o filho, vendo a mulher falecer. Pensara que poderia tê-la aprisionado naquela mentira, mas ela não acreditava mais nele.
Então, abatido, viu seu fractal se libertar e, rapidamente, ir na direção dos anjos, que num lampejo desapareceram.
- Que pena. Sem a força de sua mãe você de pouca valia tem, para os meus planos. Que pena – sussurrou, enquanto o esganava.
Quando se levantou atirou com desprezo o corpo de filho sobre o corpo da mãe, e logo desapareceu nas furnas escuras do vale.