Esqueça! Tudo vai dar certo!
I
Quando Gadhiel atingiu a rocha que servia de abóboda para a caverna fez seu corpo vibrar com terrível violência, o que fez com que as rochas explodissem e um largo buraco se abrisse nela, por onde despencou.
Assim que tocou o chão, no meio da nuvem de pó e escombros, sua dor subiu num alto grau, levando junto todo o ódio que por eras conseguira controlar, tanto que passara até mesmo a acreditar que nunca mais o sentiria, que não mais precisaria ter receio de se perder nele, como por milhões de anos se perdera, e que por fim teria paz, como lhe haviam prometido, e que conseguiria até mesmo manter esquecido de si mesmo o que era. Então ali tudo estava de volta, e o esquecimento agora lhe era negado, e tudo o que fora voltava com imensa força.
Ver Layla amarrada, os demônios à sua volta, destilando prazer nas terríveis dores, mentais e físicas que causavam, explodiram tudo o que era e acreditava, e desejara.
E ouviu que o reconheciam e chamavam seu nome, e teve prazer nisso porque nesse nome reconheceu sua energia, bem como cresceu no medo que demonstraram. Com um toque da vontade a espada azul se avermelhou poderosa, o som da morte dela escapando.
- Não mais o horror, não mais o desprezo, não mais o esquecimento – recitou, sentindo um prazer imenso correr pela sua espada e braço enquanto cortava os que vinham contra eles.
Não pôde deixar de sorrir quando percebeu que vinham mais, pelos corredores. Os três corredores às suas costas explodiram apenas ao pensar neles, mas manteve abertos todos os outros, que iriam desembocar bem à sua frente, onde se posicionou, criando uma barreira para a plataforma onde Layla estava deitada numa poça de sangue.
A vibração cresceu à sua volta, fazendo o próprio ar e as paredes da caverna pulsarem numa absurda energia.
Enquanto se aproximavam pôs sua atenção em Layla, e seu coração doeu ainda mais, pois via que, além de torturar sua mente e seu corpo, procuravam torturar sua alma, empurrando para o seu coração toda a maldade e escuridão que podiam gerar. Com um simples gesto de vontade destruiu as formas pensamentos que eles haviam instalado ao lado de sua alma, inoculando ali uma pequena luz violeta e uma outra verde, que logo lhe deram paz, viu pelo relaxamento que ela demonstrou.
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- Vá, leve-a daqui! – ordenou, assim que Bhantor começou a cortar as amarras que a prendiam à laje. – Deles, eu cuido.
Então pôs sua atenção completamente sobre os demônios, saboreando cada segundo que levavam para se aproximarem dele.
- Vá, Layla, e esqueça-se de mim, porque logo eu mesmo estarei esquecido de alguma possibilidade embalada – recitou, girando a espada na mão, o som lúgubre enchendo aquele lugar que já se encontrava destruído em sua mais pura essência antes mesmo que fosse posto abaixo pelo anjo enfezado. - Tudo vai dar certo, acredite. Você vai ver...
II
Os poucos demônios que Damâni permitiu que sobrevivessem contaram, em vozes pequenas e assustadas, que um demônio fingindo ser anjo os atacara. E eles o haviam reconhecido, pois que era o velho Damãni, o mesmo que os perseguira muitos e muitos milhões de anos atrás, caçando-os como animais, ele e sua maldita família de revoltosos, que até mesmo os anjos pensaram em expulsar do paraíso.
As estórias correram pelas furnas, e se acreditou profundamente no retorno daquele velho demônio para os demônios, porque os domínios destes estavam sendo violados e destruídos sem qualquer piedade ou compaixão.
Grupos imensos de demônios foram montados para caçá-lo. Em grandes batalhões começaram pela caverna onde Layla fora aprisionada, e viram que nada havia lá, afora os cadáveres apodrecendo e uma energia incrustada por todo o local que os fazia passar mal.
III
Layla estava quieta, como vinha se mostrando há muitos dias já, desde que fora resgatada por Gadhiel e Bhantor, desde que soubera que Gadhiel não voltara após o seu resgate. Seus olhos se acendiam momentaneamente quando davam alguma notícia sobre um anjo velho e maldoso, muito enfezado, contando que mais uma guarnição de demônios fora destroçada. Mas logo voltavam a se apagar, quando confessavam não saber para onde ele seguira.
Bhantor e os outros a viam e sofriam, e ficavam quietos, pensativos.
- O tempo vai mostrar, vai trazer – ouviam a voz tranquila e encorajadora de Cassiel, que procurava sempre estar por perto.
Então, para obrigá-la a se recompor, em grupo de caça se armaram. Quando lhes chegava ao conhecimento a descoberta de alguma prisão dos demônios do submundo se punham a caminho para libertar seus prisioneiros, na esperança de encontrar o amigo perdido.
Mas, quando chegavam lá, e não o sentiam nem mesmo nas redondezas, tudo se tornava como algo mansamente mecânico, pensativo.
Só ficavam mais atiçados quando davam, às vezes, com alguma prisão que mostrava todos os sinais de que fora atacada por um só ser, como revelavam alguns dos horrorizados sobreviventes, fossem eles os carcereiros ou os prisioneiros.
Isso foi assim até que, em uma das prisões que fora destruída por Damãni, deram com um anjo examinando os escombros.
Ele era imenso e majestoso, e mostrava o semblante pensativo e sério.
E ele estava tão concentrado na destruição do lugar que parecia ignorar completamente suas presenças.