Porque consigo ver através do ar e da água, e não através dos seus olhos?
- Vejo que insiste em manter a forma desprezível dos bonecos – Lúcien acusou com irritação.
- A forma nunca foi problema para as consciências. Por que deveria ser agora? Só por que é um caído e resolveu deixar a forma dahen, e tem orgulho nisso? Mas, em todo o caso, a forma dahen era nossa antes que fosse deles.
- O UM a deu a eles, Gadhiel. Se esqueceu? Não a queremos mais – falou com azedume. - Caído – cismou, os olhos amarelos passeando com amargor pelas cristas dos montes. – Não somos caídos, somos vigilantes.
- E o que vigiam? O cumprimento da vontade de PAI?
- Bem sabe que ELE não tem muita clareza quanto aos bonecos. Mas, agora que sabemos o que somos, vigiamos os nossos domínios enquanto aguardamos que ELE desperte.
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- Irá contra os homens?
O vigilante parou os olhos sobre a terra, os pensamentos dispersos em lembranças dolorosas.
- Não deboche de nossa desdita. Sabe que não podemos ir contra a vontade do PAI.
- Mas foram...
- Aprendemos. Você vê o que nos foi deixado – falou, a garra passando rapidamente pelo ar, como se mostrando o mundo.
- Sim, eu sei, apesar de que devo lembrá-lo de que esse planeta não é de vocês...
- De quem é então?
- Do PAI...
A risada rascante espraiou-se pelo ar, triste e desencantada.
- E ELE está aqui?
- Sim, ELE está. Tudo o que vive está aqui, e em cada um deles há uma centelha do PAI, porque eles são o PAI. E ainda, você está aqui, não está? Você também O trouxe para essa conversa.
- Você debocha, se achando protegido por ser um AsaLonga. Pois eu lhe digo que isso passa, e logo você não precisará mais ficar brincando de cair do céu, porque já estará aqui no chão. Apenas verá que está preso aqui, nesse mundo fedido e imundo, tal como nós.
- Sempre a mesma revolta, sempre os mesmos desejos de dominar, de ter poder, para tentar calar a dor, e o medo.
- Medo? – o vigilante riu alto e solto. – Medo de quem, de você?
- Não, Lúcien, medo de você mesmo, do que encara quando o silêncio o surpreende e pensa ver a ruína que se tornou, sem qualquer esperança de novamente voltar para casa - falou dando por finda a conversa, se acendendo lentamente no ar, ante o silêncio do vigilante, que o seguia, uma saudade apertada no peito.