Sob a tampa, oculto na tumba sob as rochas há um corpo; pedras e corpo, os dois feitos da mesma matéria.
Lúcien aspirou demoradamente o ar. Ainda estava com aparência humana, que usava quando interagia com os homens. Mas, a achava ridícula, e acabou por tomar sua aparência natural, seu corpo ondulando no ar.
- Uma nova guerra – falou Masriel pensativo, a voz rouca pelos pensamentos enovelados.
- Há muitos demônios por aqui. Eles acabaram se aproveitando de tanta queda - lamentou.
- Pensa em ter algum encontro com eles?
- Nesse caso, dos demônios, o inimigo de nosso inimigo não é nosso amigo. Vamos aguardar. Não quero tomar qualquer atitude precipitada.
- Penso assim também.
- Além disso, eles mataram muitos de nossos irmãos. São tempos difíceis e estranhos esses, não é mesmo Masriel?
- Sem dúvida. E a medida da loucura é quando até mesmo pensamos em um acordo com os demônios – sorriu abatido.
- Isso seria perigoso. Eles não são confiáveis. Afinal, são demônios, não são? Na verdade, precisamos é dos dahrars – exclamou, o olhar pensativo e distante, sonhador. – Eles farão a diferença. Acredite.
- Disso não tenho muita certeza. Bem sabe como eles são independentes, principalmente aqueles que tiveram os demônios como origem.
- Por isso você irá sozinho.
Masriel ficou em silêncio, avaliando o que estava acontecendo. Então ficou se perguntando em que momento abdicara de seu poder para ter se submetido daquela forma. Acreditara que teria um aliado, mas acabara arrumando para si um senhor.
- É perigoso, Lúcien.
- Não há risco. Você é um vigilante de guerra. Além disso, bem sabe o que estará fazendo, não sabe?
- A escolha está feita – declarou, o ego o impedindo de ter algum receio. – Tem algum em mente?
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- Sim, eu tenho. Há sussurros sobre um, que possui grande respeito entre os seus. Se conseguir trazê-lo para o nosso lado, muitos deles virão.
- E sabe onde ele está?
- Ele fez para si um lar em um lugar retirado, e de lá ele nunca se afastou demais. Continua naquele mesmo lugar, que logo te passarei onde fica.
- Ele é confiante demais... – cismou preocupado. – Eles estão chamando muito a atenção sobre si. Há grupos de anjos caçadores atrás deles.
- Não se alimentam de anjos, ou mesmo demônios. O que tem demais eles se alimentarem de homens e pessoas?
- Não deixa de ser um bom uso para eles.
- Também acho – Lúcien cismou, os olhos se perdendo no pequeno paraíso que haviam levantado naquele mundo caído.
Do lado esquerdo se erguia uma grande cadeia de montanhas com os topos cobertos de neve, que contrastava lindamente com o céu salpicado. Distraído virou os olhos para o grande vale, com as vilas dos vigilantes e de algumas pessoas que ali viviam para servi-los. Apesar de bonito e convidativo, aquela visão o deixou abatido. Aquilo não chegava aos pés do que haviam deixado para trás, mesmo estando as visões daquele tempo já muito diluídas. O véu nessa dimensão era pesado demais, e ele já havia lhe tirado muito de suas lembranças.
Masriel também deixou os olhos escorrerem pelo mundo, e estranhou que já não lhe tinha tanto ódio quanto antes. Talvez tenha sido por isso que aceitou a missão tão bem. Se algo desse errado e viesse a ser morto no encontro com o dahrar, aceitaria que sua nova encarnação se desse completamente até mesmo dentro dos seres mais abomináveis que poderia nominar: os humanos.
Tinha que arriscar. A guerra estava às portas, mesmo que ela fosse num grau bem menor do que a guerra que desejava, quando procurou por Lúcien.
- Acho que o melhor é assumir uma forma dahen, não é mesmo?
- Será muito melhor, sem dúvida. Não o colocará de sobreaviso imediato contra você – falou. – No entanto, cuidado para que não fique muito humanizado. Pode atiçar o modo de caça dele – orientou.
- Eu não sou a forma: eu sou o que eu sou.
- Mas a forma é como um farol, uma marca.
- Para os fracos...
- Não estamos todos nós nos enfraquecendo aqui, cada vez mais?
- Assim é. Mas, você está certo. Vou deixar algo do poder aparente.
- Muito bom – congratulou. – Vamos torcer para que tudo dê certo.
- Dará! Ele é apenas um dahrar...
- Sim, apenas um dahrar – concordou, tentando ignorar a apreensão que sentia no peito.
Em silêncio ficou se perguntando como deixara aquilo escapar de suas mãos. Por longo tempo procuraram as fêmeas e os machos, e deles tiraram filhos dahrars e nefilins. Ele e suas legiões proliferaram dahrars e nefilins, que deixaram que se espalhassem por aquele mundo. E tudo estava bom e conforme seus desejos, tanto que até mesmo resolvera atiçar legiões de demônios contra os seres, para que gerassem muitos mais daqueles que as pessoas e os homens e anjos chamavam de abominados.
Então, voltava a pergunta, de como os deixara escapar de seus cuidados e domínios. Agora via que errara, que deveria ter tomado aquelas crianças e criado em suas vilas.
Agora estavam ali, perdidos e espalhados, cada um fazendo clãs, que se julgavam justificados para atacar tanto anjos, demônios e vigilantes.
Absorto em seus pensamentos de lamento apenas abanou a mão em despedida, quando Masriel se virou para tomar sua missão.