Me diga, quero saber, preciso saber: se é amor o que sinto por você, por que dói tanto?
- Você é um desgraçado, você sabe, né? – Layla o encarou, fula da vida.
- Ora, dêmona, e por quê?
- Você me deixou ser torturada. Me envenenavam, se esforçavam em me destruir. Você sabia e deixou...
- Sua escolha...
- Mas, vim por você... – ela xingou, vendo-o se sentar numa laje alta de pedra.
- Eu não pedi isso...
- Pediu, exigiu, quando me chamou de amiga, quando me mostrou o seu coração – ela sussurrou. – E quando eu mostrei o meu para você...
- Esse era uma outra pessoa, uma pessoa melhor do que eu sou agora.
- Bem, isso não importa. Eu vou com você – ela decidiu.
- Não tem como – ele rebateu, desfazendo a última mancha de sangue sobre seu corpo.
- A escolha não é sua. Se você não quiser ficar perto de mim, não importa. Vou ficar te seguindo. Ouviu isso? Não tem como fugir. Eu vou ficar te seguindo – repetiu, forte e bem devagar.
Damãni a observou desolado, e seu rosto ficou duro quando a viu colocando o pedaço de uma espada à sua frente.
- A Guardiã... - suspirou ao reconhecê-la. – Pensei que estivesse perdida. Mesmo sem as memórias, era por ela que procurei por muito tempo.
- Acho que ela não queria ser encontrada. Faltam alguns pedaços da lâmina – mostrou o óbvio, vendo-o tomá-la e, num movimento carinhoso, a esgrimir como se estivesse matando uma saudade.
- Obrigado, Layla – agradeceu, fazendo o coto da espada sumir em seus pertences, numa trouxa deixada ao lado de sua perna. Observou Layla, toda suja de sangue, e a olhou intrigado. – Vai deixar esse sangue aí?
- Se te incomoda, sim... – ela exprimiu, deixando livre a sua irritação.
- Olhe, Layla, você não sabe, realmente, quem eu sou.
- Sim, eu sei... O velho anjo justiceiro, o que se recusa a crescer.
- Que seja isso. Viu? Você realmente me conhece. Não sou Gadhiel, ele era uma criação dos anjos. Esse sou eu...
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- Me descreva “esse sou eu” - desafiou, jogando sobre ele algum sangue de demônio.
Damãni olhou o sangue que caíra sobre si. Deixou os ombros penderem e balançou a cabeça.
> Não gostou? – perguntou ela lançando mais um pouquinho.
Por fim ele desistiu, e fez aparecer novamente todo o sangue que havia tirado de si.
- Vê? Agora tanto faz...
- Melhor, bem melhor – falou ela se limpando num movimento súbito.
Ele ficou olhando-a sem poder acreditar.
- Sério isso? – reclamou.
- Somos uma boa dupla, nos damos bem, lutamos sincronizados... Que importa se essa união é de um anjo velho, sujo, asqueroso, rabugento e maldito como você, com uma dêmona linda e charmosa como eu. Isso não importa em nada, somos bons juntos. E quanto a ter sido dominado e ter tido suas memórias ocultadas, acho que está enganado. Se buscar bem fundo de você, acabará descobrindo que você mesmo ansiou por aquilo, porque devia estar muito cansado de toda aquela carnificina, e de uma dúvida que devia estar te torturando... – arriscou.
Ele a observou com estranheza.
- E que dúvida seria essa, dêmona?
- A de desconfiar que mesmo os demônios e os seres escuros com os quais se batia também eram seus irmãos, só que estavam tendo outro tipo de experiência. No final, meu amigo, você desconfiou de que, demônio ou anjo, certo ou errado nunca foi uma realidade. Tudo experiência... – recitou o que ouvira de Sekhemeth uma vez, e torcia para que isso fizesse algum sentido para ele, e que ele tivesse, realmente, tido essa dúvida.
Ele ficou em silêncio, avaliando-a. Então, com enorme simplicidade, atirou sobre ela um pouco de sangue.
- Linda, charmosa e pouco higiênica – ele sorriu por fim.
- Senti sua falta – ela sussurrou segurando um soluço, os olhos grandes e marejados.
Ele a observou, e ela percebeu carinho em seus olhos.
> Vou entender se insistir que não...
- Xi, estragou o clima. Verdade que vai usar isso? Esse truque é velho. Não me emociono assim tão facilmente – ele sorriu outra vez, sentando-se no pequeno barranco.
- Ora, não funcionou mesmo? – ela sentou-se ao seu lado, limpando abaixo dos olhos com as costas da mão.
- Não, de jeito algum. Muito fraco isso.
- Está bem... Então me diz, o que pode funcionar?
Ele a olhou por um tempo.
- Você não tem nem uma asinha? Nem uma pequenina?
- Um fetiche? – ela riu. – Você é um velho miserável safado, é isso?
- Não só – ele riu também. – Mas, é sério, as asas, pode não parecer, mas podem ser arma ou proteção, se souber criá-las e mantê-las, além de manter uma concentração de sua vontade.
- Isso sem falar no efeito que causa nos outros, não é mesmo?
- Também...
- E sem falar também no efeito estético...
- Éééé... Tambémmmm... – sorriu ele, já totalmente confortável com ela, como ela se lembrava, o que fez seu coração exultar de alegria.
- Só se você voltar a usar o nome de Gadhiel. Damãni já teve sua serventia.
- Tudo bem – ele respondeu após pensar brevemente. – Afinal, é apenas um nome.
- Sabe que é mais que isso...
- Que seja, Layla. Que seja...
- Então, é assim que pensa?
Ela se levantou, e de suas costas trouxe duas grandes asas, à princípio meio disformes, que logo foram se firmando. Eram asas negras, de uma escuridão que, apesar de manter a forma, pareciam ser feitas de algo que se revolvia.
Totalmente concentrada ela viu a sugestão dele, e atendendo a intenção, rapidamente se fechou dentro delas, e após as abriu com grande velocidade, penas negras como que se destacando delas, as bordas serrilhadas e afiadas, prontas para serem lançadas.
- Isso mesmo... – o ouviu dizer, o tom de voz meio roufenho.
- Demais... – ela saboreou. – Isso é novidade, e é bom demais. Juro, vou cuidar com muito carinho das minhas asas. E você, o que é que está olhando? – perguntou quebrando o quadril.
- Realmente, você estava certa. É um fetiche... – falou enquanto se levantava e a tomava nos braços.