Sou culpado e devo ser punido. Bem sei que ter agido por amor não reduz a minha falta. Ou será que reduz?
Sekhmet foi a primeira a acordar do transe, e ficou desconfiada de que ele fora colocado ali pelo anjo, para que pudesse ir-se em grande estilo.
Os outros foram rapidamente saindo de seus marasmos, e em cada rosto havia o desânimo estampado.
- E ele nem esperou – lamentou Bhantor. – Eu tinha perguntas...
- E quem disse que ele estava aqui para nos responder algo? Cuidado com esses anjos, eles estão sempre jogando – alertou Sekhmet.
- E se não quisermos jogar com eles? – sugeriu Theliel.
- Isso, por si só, já é jogar – ripostou Anael.
- Entendi.
- Eles não podiam ter feito isso com ele – Layla reclamou para as paredes roídas. - Eles simplesmente tiraram dele o poder de escolher, de crescer. É por isso que ele voltou ao mesmo nível do guerreiro que era.
- Talvez seja por isso que ele fica tentando assaltar o céu – Amonet sugeriu.
- É, talvez! Como será que fizeram isso com ele? – cismou Zadiel.
- Acho que ele mesmo havia percebido a armadilha em que estava. Uma promessa bastaria, e ele aceitaria esquecer... – aventou Cassiel. - Ou talvez o tenham capturado e o forçado a esquecer...
- Acredito mais na primeira opção. Já vi isso – disse Sekhmet.
- Agora que despertou como Damâni, talvez busque vingança, mesmo que conscientemente não saiba o que fizeram. Ou não sabia – Theliel pensou alto.
- Então, se ele não sabia, e agora sabe... Em algum momento ele irá contra o céu, não irá?
- Bem provável, Bhantor – Anael concordou. – E isso vai ser algo terrível. Talvez seja por isso que esse anjo estava preocupado aqui, nos escombros.
- Que queimem na fogueira que acenderam – estocou Layla, os olhos duros vasculhando os escombros, imaginando o que o anjo poderia estar procurando. – O que será que ele estava procurando?
- Acho que uma pena, ou um fragmento de uma, da asa de Gadhiel – aventou Tueris.
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- E para que precisam de uma?
- Para poder segui-lo, saber onde ele está, onde ele estará...
- Acha que isso daria certo?
- Não acho. Mas esperança é esperança – Tueris sorriu compassiva.
- Sei que estamos todos com raiva, mas já se perguntaram porque eles agiram assim? – inquiriu Anael. – Afinal, eles eram a família dele...
Layla cismou sobre a pergunta, tal como os outros, e viu que era uma excelente pergunta.
- Por que talvez acreditassem que ele não iria conseguir despertar por si só... – sussurrou.
- Há algumas estórias antigas sobre um anjo que foi aprisionado, e que arrancaram dele o que era e implantaram memórias nele, e personalidade. Acho que essa estória é verdadeira – sussurrou Adiene. – Vi essa estória quando toquei numa espada velha, naquela que você achou no campo, pai.
- É, eu me lembro dessa espada quebrada. Também me lembro que contaram que ele foi capturado por um grupo muito pequeno. Sempre ficaram se perguntando se eles não foram chamados para que fizessem isso.
- Um pedaço de uma espada? Vocês ainda a tem? – perguntou Layla, toda atenta.
- Sim, ela está guardada. Você acha que era isso que esse anjo poderia estar procurando? – se questionou Adiene.
- Provável, porque se for a velha espada de Damâni, tem muito da energia dele nela – pensou Layla em voz alta. - Talvez a possamos usar para encontra-lo. Mas, acha que essa estória é verdadeira?
- Isso é mais lógico e crível - suspirou Cassiel.
- Por qual motivo será que fizeram isso? – cismou Amonet.
- Eu acho que só tem uma resposta para essa pergunta – falou Anael, a voz pensativa e sonora, apesar de se parecer mais que ele estava sussurrando, para que os lugares sombrios não ouvissem nossas confidencias. - Amor... Um pedido oculto...
- Acho que você está certo, Anael. Afinal, eles eram uma família. Eles haviam combatido por milhões de anos deste planeta, eles viram coisas que nós só podemos imaginar, sempre juntos, sempre um amparando o outro – aventou Zadiel. - Pelos que amamos cometemos as maiores burrices, não é mesmo?
Subitamente, sob o olhar dos outros, Layla se fixou num ponto no meio dos escombros. Uma extensão de sombras se apresentou em seu ombro, que se alongou com lentidão naquela direção, onde mergulhou para baixo de algumas rochas.
Quando retornou viram que ela aninhava, com um carinho comovente, uma pequena pena branca e felpuda, que pulsava numa pálida luz azul.
Devagar Layla a tomou, os olhos em brasa, perdida em visões e lembranças. Apoiou a pena no coração e gemeu muito baixinho.
Então a estendeu para Adiene que, com cerimônia e tomou entre suas mãos e a sondou.
Sob os olhares esperançosos de todos ela se fechou e mergulhou, procurando qualquer indicação, qualquer informação que pudesse tirar a dor da amiga.
Por fim, após agoniantes minutos, seus olhos se abriram, suas mãos caíram no colo.
Layla a olhou, controlando a ruína em que se via.
- Lamento, minha querida, mas aqui nesta pena tudo está em silêncio. – Eu acho que Ovandriel já a tinha encontrado, e por isso estava tão abatido – informou. – Gadhiel não deseja ser encontrado – declarou, a voz quase desaparecida.
Layla pegou a pena que lhe estava sendo devolvida. Com uma pequena concentração a desfez em um suave vapor que se tomou de um pálido azul, e o fez mergulhar em seu coração. Como se distraída levantou a mão e limpou as lágrimas do rosto.
Então suspirou fundo, o corpo se retesando, como se tivesse se conformado.
Layla olhou para Sekhmet, e viu que ela percebera isso, e ficara pensativa logo após.
A partir desse momento, no dia que se seguiu, Layla percebeu que ela estava sempre com um olho em si. Mas deu de ombros.
Já decidira o que iria fazer para trazer o seu Gadhiel de volta.