Eu vejo o movimento no ar, o movimento nos olhos que procuram. Uma faísca de luz cai além, um vulto de sombras gentis escorre no canto e se esconde embaixo da pedra solitária. As gramas se dobram e o pássaro se põe em alerta. O meu coração sabe que algo está para acontecer.
- Algo está para acontecer – Gadhiel alertou, os olhos passando confusos por todos. - Sabem, em algum momento eu vi algo, eu senti algo. Há algo que preciso fazer.
- A missão que se deu? – perguntou Anael. – Nunca foi a de assaltar o céu, não é mesmo?
Gadhiel o olhou, e se admirou da perspicácia do amigo.
- Sim, a missão que me dei. E é claro que não era a de ir contra o céu. Eles nunca me fizeram mal. Tudo o que aconteceu, foi porque eu permiti, e talvez tenha ansiado, como vocês mesmo pensam. Na verdade, eu consigo alguns vislumbres de que eles estavam sempre ao lado, me protegendo.
- Mesmo quando te espancavam? – riu Devaniã.
- Até mesmo nesses momentos – sorriu.
- O que é ela, Gadhiel? Essa missão? – Adiene perguntou, vendo que ele ficara um pouco absorto, como se procurasse tocar algo escondido dentro das dobras das sombras.
- Algo está para acontecer, algo grande, que deve mudar tudo. Não sei o que é, apesar de, às vezes, chegar a desconfiar.
- Você olhou à frente? – quis saber Sekhemeth.
- Olhei, mas não consegui ver. Vi apenas vultos, e ouvi coisas que não entendi. Mas, em todo o caso, parece que algo novo está vindo.
- Desde que retornou o UM está numa febre de criação maravilhosa – cismou Haniel. – Já conversamos sobre isso, porque já sentimos algo diferente também.
Gadhiel olhou um por um, e não pode deixar de sorrir e de tentar se desculpar por ter sido tão arrogante. Aquela parecia que não era uma verdade, uma descoberta só sua.
- É isso, então fica mais fácil. O UM está criativo, e sabemos o que acontece quando ELE fica assim.
- Ao fim ELE cria algo de impacto, algo apoteótico – falou Sekhemeth.
- Algo com uma parcela da consciência DELE – completou Devaniã.
- Um novo ser, provavelmente – arrematou Amonet.
- Eu os vi – revelou Adiene, com simplicidade.
Anael a observou com mais cuidado que os outros.
- Então essa é a razão pela qual está tão silenciosa por esses dias? Achei que fosse pela situação dos nossos amigos.
- Também - ela sorriu.
- Por que não nos contou, por que não me contou?
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- Porque, como disse Gadhiel, tudo ainda está meio enevoado, pai, e não quis arriscar... – explicou.
- E o que você viu, Adiene? – Gadhiel perguntou, totalmente interessado.
- É uma visão recorrente, que se repete, querendo me dizer algo. Com o que vocês falaram, parece que tudo agora ficou mais claro. Como se o tempo para se mostrar finalmente tenha chegado.
- Pode nos descrever essas visões, Adiene? – Pediu Sekhemeth.
- Claro que sim. Começou há alguns dias. Eu vi uma fabulosa cordilheira ser levantada ao ocidente daqui – falou como se estivesse descrevendo uma visão. - Ela é imensa e muito alta, montanhas sobre montanhas, que atravessa toda a terra, de norte a sul, das terras geladas às terras quentes, onde um gigante rio vive caudaloso. Vi uma isolada, grande e poderosa cadeia de montanhas de topos congelados até a terça parte de sua altura, ao oriente da grande cordilheira, dela um pouco afastada, mas não muito, se espichando também para o norte, carregando consigo um largo e tortuoso rio de águas claras e transparentes. E os topos congelados eu contei no momento em que o frio é muito pequeno, e contei que eram em número de doze. E vi também, mais para os lados do oriente, a partir da margem do rio, um vasto local verde com manchas de maravilhosas florestas. E lá, naqueles campos, o céu se abriu e caíram várias sementes de poder que foram se batendo contra a terra – contou ela, agora já com os olhos fechados, como se ainda pudesse ver tudo o que relatava.
- Continue, por favor – pediu Bhantor, vendo que ela ficara em silêncio, como se tivesse se perdido nas visões.
- Essas sementes eram de coisas muito diferentes entre si, que a voz que vagava por ali amava, como ama todas as coisas que cria. E elas eram fêmeas e machos, porque ele assim determinou e as criou, e essas sementes eram de muito poder e controle sobre a natureza. Algumas eram feitas de fogo, enquanto outras de água eram formadas, outras do próprio ar ou da terra, ... Tudo o que existe tem ali uma semente de que se fez e que o pode controlar, e algumas tem mais e outras menos poder. E essas serão as que ele semeará, após os anjos e os demônios. Mas vi também grandes sombras que tentavam tirar o sol dessas sementes, e muitos animais que corriam para delas se alimentarem, e sombras brancas e escuras que se moviam para impedir que elas germinassem. Aquela era uma visão horrível e triste, porque as sementes gemiam e sangravam quando não podiam crescer. Foi por isso que a voz enviou seres de luz, para abrir as nuvens e espantar as sombras e dar oportunidade para que as sementes crescessem e se tornassem fortes na terra.
Um silêncio pesado perdurou por um bom tempo, após ouvirem o final da descrição.
- Sem dúvida, novas criações... – suspirou Haniel embevecida com a visão.
- E seres que vão buscar sua destruição – gemeu Bhantor. – A criação de seres assim irá criar muita confusão...
- E outros que foram enviados para protegê-los – suspirou Devaniã.
- E o tempo para essas novas criações? – peguntou Zadiel concentrado em Adiene, a voz baixa, a mente tentando recriar os eventos descritos.
- Elas já estão quase tocando aquelas terras – declarou Adiene. – Não deve demorar muito agora.
- Então...
Anael interrompeu Tueris, fazendo sinal para todos ficarem em silêncio, apontando com cuidado para Adiene, que claramente mostrava ter entrado num transe profundo, o que foi confirmado quando ouviram a voz que saia da boca da menina. Era uma voz sem tempo, que parecia fluir até mesmo das pedras e ser criada pelo ar:
- Essas foram as primeiras criações, após os anjos e os demônios, e essas foram criadas para Urântia. Da semente germinada o tempo correrá e novas sementes surgirão, neve e fogo expelidos pelo tempo, rodando em torno de uma intensa fornalha que dá vida, até que, num lugar distante, aconchegado entre dois rios que se unem ao sul e desembocam num vasto mar, na metade do trânsito para o oriente, essas novas tocarão a terra, e a elas, como voz que SOU, tenho imenso amor, mas não lhes dei qualquer poder, a não ser um, que sopro com suavidade em seus ouvidos – a curiosidade que tanto os assolará.
Nesse ponto Amonet não pôde deixar de notar como aquela voz que falava através de Adiene flutuava entre o passado e o futuro, até mesmo, em alguns momentos, como se falasse do aqui e agora.
- Coisas de um Deus, sem tempo, apesar de viver em todos eles – cismou, sem deixar de prestar atenção nas palavras que emergiam da menina.
> Foi por essas criações que eu, como voz, juntei à sua frente treze anjos, anjos brancos e anjos escuros juntei, e para eles apontei as criaturas que traria e com as quais semearei Urântia. Então EU digo: Vão e cuidem para que vicejem, e continuem, anjos que são.