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APENAS UMA RAZÃO

Aceito destruir o mundo que construí, por você...

I

- É você a resposta, meu amigo. Sempre foi você... – Bhantor exclamou tomado de alegria.

Gadhiel o olhou, e havia decepção em seus olhos.

- Ah, Bhantor, eu não acho que...

- Eu estou certo, Gadhiel. Apenas escute, está bem?

Gadhiel o observou em dúvida por algum tempo, então cedeu, vendo os olhos em brasa do amigo.

- Você e Layla, todos vemos o que está acontecendo entre vocês. E não fique com essa cara, é obvio, quer você confesse ou não...

- Que seja, Bhantor. Mas, como isso resolve...

- Você não percebe, seu cego? Amor, a força mais poderosa, a única força que existe, que cria a ilusão da existência das outras.

- Mas como isso...

- Eu te vejo parado às vezes, como se ouvisse o vento. Quando a dor tenta submeter o coração e insistir para que desistamos, é no que nos faz desejar continuar que nos ligamos, é nessas coisas, que podem ser as coisas mais simples e desprezadas que nos agarramos para continuar a viver.

- Uma ligação?

- Isso, uma ligação. Em seu sofrimento você a chama e, tenho certeza, de que é você que ela está chamando agora. Tenho certeza de que ela está pensando em você. Você, meu caro amigo, apenas precisa ouvir...

Gadhiel olhou incrédulo para Bhantor, e sorriu, como quase se esquecera de como fazer.

Tudo era energia, tudo, das montanhas ao ar, corpos, água,... E tudo bulia com essa energia, como a raiva, o ódio, o amor. E o amor era a energia mais poderosa que se poderia invocar, quieta, silenciosa, mas de um poder avassalador e inigualável.

Depressa fechou os olhos, se deixando afundar na energia que o rodeava.

Quando os abriu tudo estava imerso em luz e cores; ondas de energia varriam o mundo como sons e vibrações. Um pássaro passou ao longe, feito de inúmeras linhas de luzes de diferentes matizes, onde se aninhava uma centelha que a tudo organizava.

O vento fendia e revolvia o ar, fazendo-o cantar, como fazia cantar também as pedras e folhas e galhos quando passava por eles; e havia a água do córrego um pouco distante, correndo suave sobre as pedras. E havia um trovão ao longe no céu, e uma montanha explodindo em chamas; e havia os pássaros voando, e a raiva incontida, e a luxúria e a vingança e a inveja e...

E no mundo deu com a escuridão que apenas se mostrava como uma luz extremamente pálida, triste e magoada, apavorada, tomada de medo e horror, brutalmente se ferindo e se recusando a despertar por temor do que poderia encontrar dentro de sua própria dor.

Gahiel emitiu um pulso de luz e conforto para o mundo, como um manto suave e gentil, se deixando disponível para aplacar aquela dor insana, se assim a centelha perdida se dispusesse a aceitar.

Então, mais apaziguado se afundou mais, se deixando levar, suavizando seus pensamentos. E deu de encontro às energias gentis que são suaves no mundo, apenas desejando se recolher em sua satisfação, numa compaixão imensa pelas experiências desejadas pelas almas, que não aceitava perturbar.

E havia o amor...

Do céu colunas de luzes, fachos suaves desciam à terra, amor puro do UM, penetrando em tudo o que existia, como um sussurro, como uma voz suave nos sentidos dizendo que tudo sempre estaria bem. E esse amor, que a tudo ligava, era suficiente em si mesmo, o bastante em si mesmo, ao encontro de onde as paredes levantadas de ódio e medo, erguidas para manter oculta a escuridão, se dissolviam. O amor incondicional...

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E foi então que tocou em algo, que com uma gentileza imensa sussurrava seu nome. Havia um desejo, uma oração para que nada acontecesse a ele, um pedido para que a dor não o perdesse, para que a escuridão não o tocasse, sussurrando que temia por ele, tão pungente e entregue que chegava a ignorar a própria dor e desesperança, mostrando a força que tinha para furar a parede espessa de ódio e rancor que os demônios haviam erigido à toda a sua volta.

Com um cuidado extremo puxou aquela energia para si, depositando-a no seu coração, que sua alma abraçou.

Era ela, reconheceu, como viu que ela o reconheceu por sua vez, na luz que se acendeu.

Com muito cuidado Gadhiel manteve aquele contato aninhado em seu coração enquanto se virava apressado, os olhos postos no sudoeste. Sem qualquer palavra abriu as asas e se impulsionou em total silêncio.

Não muito distante planou acima de uma montanha, na beira de um deserto de pedras, num lugar seco e esquecido.

Bhantor correu para ele, mas não teve como impedi-lo.

Tomado de urgência e todo poderado Gadhiel simplesmente despencou do céu, todo fúria, todo pressa, se abatendo contra uma área pedregosa.

Banthor ficou observando, flutuando acima de Gadhiel que se precipitava e penetrava na terra. Gadhiel não lutava contra os elementos, mas apenas os desfazia como energia que eram, como se a terra e as rochas simplesmente se abrissem à sua apressada descida.

II

A abóboda do salão simplesmente explodiu e cedeu, ruindo com estrondo, para imensa surpresa dos demônios que ali estavam reunidos. Quando se viraram e ergueram as vistas para tentar entender o que havia acontecido viram-se frente a frente com um anjo que portava uma espada azul irradiante, flutuando poucos metros acima do chão imundo.

Assustados viram uma pesada neblina toldando seu rosto. Em pânico se entreolharam, voltando assustados novamente os olhos para o anjo enfezado que os encarava.

- Damãni, Damãni... – gritaram horroizados, a grande maioria se perdendo nos corredores.

Outros, mais refeitos, avançaram contra o anjo, mas foram abatidos de súbito, tamanha a ferocidade com que ele manejava a espada.

Damãni, Bhantor ouviu o nome proferido pelos assustados demônios, descendo às costas de Gadhiel, rapidamente se lembrando de onde ouvira aquele nome.

Gadhiel conferiu que Layla ainda vivia, apesar de ter sido duramente torturada. Ela estava presa, amarrada sobre uma larga laje de pedra elevada em torno de um metro do chão, tendo ao lado muitos instrumentos cortantes e perfurantes.

Com um movimento rápido indicou para Bhantor cuidar de Layla, e que dos demônios ele cuidaria.

- Então viu surgirem dos buracos, como se ele os cuspisse, levas e levas de demônios, como se um vespeiro tivesse sido bulido.

Mas a fúria em que Gadhiel havia se tornado fez-lhes frente, impedindo o caminho até Layla, que Bhantor tratava de libertar das amarras que a mantinham presa na laje de pedra.

- Ela está desfalecida, mas está viva – Banthor avisou. – Eles a estavam envenenando com escuridão pesada.

- Vá, leve-a daqui!

Bhantor ouviu aquela voz, e seu corpo gelou, como sabia que também os demônios haviam sentido, porque estavam parados na frente daquele anjo, confusos com tamanho ódio.

Sem questionar, tomado de urgência, Bhantor tomou Layla nos braços e subiu pelo buraco que Gadhiel havia aberto em sua queda.

III

- Vocês conseguiram, não conseguiram? – Bhantor perguntou, sentando-se de frente para os outros, os olhos passando pela pequena cabana, onde Layla estava adormecida, após ter sido cuidada. Com um toque na dêmona confirmou que Layla estava fora de perigo e logo estaria melhor.

- Sim... Atacamos todas as tocas – informou Anael. - Vocês sinalizaram bem as prisões. Milhares foram libertados. E nomeamos dentre eles espiões, para identificar mais dessas prisões, sobre as quais sabemos que os libertos tomarão atitude – esclareceu, a voz triste e meio amorfa.

- Que bom, que bom – gemeu Bhantor. – Gadhiel recomendou isso com muita força.

- Bhantor... – chamou Sekhmet num sussurro. - Pelo UM, você os viu mesmo chamarem Gadhiel por aquele nome?

- Sim, foi o que ouvi – confirmou para todos, postos em arco ao seu redor.

- Então está explicado porque ele não é aceito no céu – suspeitou Sekhmet. – Bem como explica a força do espírito dele, que não ousa recuar.

- Eu não o sinto em lugar algum – revelou Adiene, sob o olhar preocupado de Anael.

- O que o preocupa, Anael?

- Apenas que podemos ter perdido Gadhiel – falou, os olhos tristes postos na paisagem, do que foi brutalmente arrancado quando um lamento sentido se fez ouvir.

Quando se voltaram todos viram que Layla estava parada na porta do casebre, os olhos pesados e desesperados postos em Anael.

- Nãooooooo... Onde ele está, Anael? O que fizeram com ele? – perguntou Layla mostrando um terror fracamente controlado, caindo de joelhos no chão, os braços abandonados ao lado do corpo, os olhos desesperados e suplicantes. – Eu senti sua presença, e implorei para que não se preocupasse comigo. Por que, por que ele não me ouviu?

Sekmet correu até ela, e com ela ficou abraçada, tentando controlar seu soluço desesperado.

- Ele não morreu, meu bem – falou, sentindo que esse era o temor que assolava a amiga. – Ele está vivo e forte. Só não sabemos onde ele está...