Eu vi o olhar curioso parado na página em branco. Tive muitas esperanças quando vi o sorriso na face de Deus.
- Ali, ali... – gritou Jasmiel eufórica, apontando para o chão muito abaixo.
Sênior, tal como os outros, ficaram flutuando no mesmo ponto, as asas batendo com extrema suavidade, estudando as criaturas tímidas que se escondiam nas folhas das árvores nas extensas savanas de Obeléria, o continente a leste da Setai, que mais tarde seria chamada de Mércia.
Pela extensa savana seres esparsos se ocultavam no alto das árvores. Havia algo de diferente neles, como uma aura mais forte e um brilho. Eram poucos, espalhados por várias árvores, que nem bem surgiam num simples lampejo se punham a colher frutos.
Pelo que puderam perceber das alturas em que estavam, eles possuíam a forma dahen, apesar dos braços serem maiores em proporção, medindo em torno de 1,40 metros de altura. Eles estavam nus e se mostravam totalmente recobertos de uma pelagem castanho-avermelhada.
Devagar os ganedrais se vestiram de paz, para que as novas criaturas não ficassem assustadas, e desceram bem à frente de um grupo empoleirado num grosso galho, suspensos a vários metros do chão.
Assim que eles se postaram à frente deles as criaturas foram se aproximando, curiosos, as mãos repletas de frutas. Eles mastigavam distraídos, os olhos presos nos olhos dos anjos.
Uriel se aproximou mais, se colocando bem defronte a uma fêmea. Ela, devagar e inocentemente, estendeu o dedo indicador e, com suavidade, tocou em seu rosto.
Uriel sorriu.
Bem lentamente se afastou, cortando a ligação com o ser.
- São lindos – suspirou. – E os olhos têm algo diferente. É como uma canção nova – sorriu entretida.
Sênior sentiu toda a pressão crescendo assim que os viu. Eles eram de uma consciência quase instintiva, num primeiro olhar, mas nem ele nem mesmo seus irmãos se deixaram enganar, pois sabiam que eles eram muito mais do que o que aparentavam.
Então ouviram sons nos terrenos abaixo, e viram que pessoas se aproximavam. Devagar subiram e se afastaram, não porque não desejassem ser vistos, porque o contato entre eles e as pessoas já era até muito corriqueiro, mas porque queriam deixar as pessoas à vontade para que interagissem com as novas criaturas, pois que sabiam, de antemão, que as pessoas tinham alguma coisa com a sua criação.
- Pelo Trovão – Angelina assombrou-se enquanto se afastavam. – Então é mesmo aqui onde tudo vai começar? É aqui onde novas possibilidades vão se mostrar para nós?
- Não é maravilhoso? – Jophiel suspirou radiante com as inúmeras possibilidades que se abriam.
- A linha é muito poderosa, agora que se mostrou – Sênior murmurou. - As ramificações a partir daqui se espalham com violência pelo tempo, abrindo caminhos somente sonhados, que a muitos sistemas destruiu.
Uriel então parou, os olhos sondando os outros continentes, do oeste, do norte e do sudeste. Com os olhos fechados recuou um pouco na linha do tempo, tal como muitos deles estavam fazendo, tinha certeza.
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- Vocês viram? – murmurou abrindo os olhos. - Os moldes foram recolhidos. Eram onze, e duas mais foram acrescentadas, duas que o próprio Trovão cinzelou – Uriel sussurrou assombrada.
- Sentiram suas centelhas, as centelhas dos moldes? – Azazel perguntou aos ganedrais.
- São anjos de poder – Jasmiel sussurrou. - O Trovão instalou poder nelas, um imenso poder, que apenas poucos não fragmentados podem encarar. Mutas... – nominou, repetindo o que ouvira no éter.
Sênior ficou cismando, observando com discrição uma das mutas, como se a reconhecesse. O conhecimento estava ali, na borda de seu entendimento, mas insistia em se manter fora do seu alcance. Relaxou e deixou passar. A resposta para isso viria, sabia.
- Parece que ele recolheu algumas mônadas de alto poder e instalou nelas – Sênior murmurou.
- Que papel elas irão representar? – Castiel se perguntou, os olhos perdidos em algumas centenas de criaturas que, meio encurvadas, zanzavam pela terra e pelas árvores, os olhos assustados e assombrados com o mundo. – Elas parecem tão frágeis, tão... adormecidas.
Sênior inspirou demoradamente, se lembrando de tudo o que sentira quando vira Aden em formação, em torno do pequeno sol dourado. Havia tantas promessas, suspirou. E tudo agora dava um novo salto, sua alma lhe sussurrando ao ouvido que tudo logo iria começar, pois um pouco dessa linha de tempo já fora vista e seguida, linha essa que puxaria os ganedrais, ou ao menos sua grande maioria, para a experiência.
Seu coração se encolheu no peito.
Pensativo se afastou, volitando para um lugar distante no universo, ao lado de uma anã branca. Procurado não foi encontrado, porque ele assim queria, e seus irmãos entenderam isso, por fim, e isso respeitaram.
Era algo não dito, mas pressentido, pelo vasto tempo que permaneciam unidos. Provavelmente seria ele, Sênior, o último ganedrai que desceria na experiência, o que muitos deles até mesmo duvidavam que fosse descer. Doía-lhes pensar na solidão que ele poderia aceitar lançar sobre si.
Quando Sênior retornou para a companhia dos outros ganedrais havia carinho nas linhas de seu rosto, o que foi sentido por eles como uma despedida. Então os treze se abraçaram apertado, cada um sabendo que seria cuidado pelo outro.
Quando se separaram havia luz em torno de cada um deles, embalada na esperança de aventuras incríveis.
- Ainda demorará para os marcadores do caminho se apresentarem, e irá depender de muitos como nós para que possam cumprir suas missões – Azazel falou, os olhos luminosos numa fêmea que se firmava ao galho de uma árvore, colhendo pequenas frutas, cuidando de um pequeno filhote agarrado ao seu corpo. – Vai dar tudo certo, vai dar tudo certo – exultou.
Sênior a puxou para si, num longo e carinhoso abraço.
- Sim, minha querida irmã, tudo vai dar certo. Vocês vão ver, tudo vai dar certo. E o estranho é que, pelo que vi, os escuros terão grande responsabilidade em moldar os “esperados” a partir destes. Não é incrível? – sorriu.
- Como eles não conseguem ver isso? – estranhou Anaita.
- Não veem porque essas visões só podem ter os que pouco se fragmentaram, porque essas linhas estão em planos bem altos. E os que veem, em segredo manterão.
- O surgimento dessas criaturas irá revolucionar tudo o que existe, envolvendo anjos, demônios e pessoas e toda a vida neste planeta e universo – Castiel avaliou. - Como é que algo tão... tão...
Então parou, pensativo, os olhos examinando novamente as novas criaturas, as linhas do rosto mostrando o quanto estava se esforçando em procurar pela palavra ou expressão mais correta, sob o olhar divertido dos outros.
> Tão frágil – se decidiu por fim, - tão frágil pode ter tamanho poder?
- Olhem para o coração deles, e vocês irão ver – Sênior orientou.
Então, quando os observaram com cuidado, inclusive em outros planos, entenderam. O coração deles pulsava com um poder poucas vezes antes visto, dele emanando ondas de força, ainda como uma promessa, mas estavam lá, essas ondas, que também emanavam de suas cabeças, todas as linhas de força ligadas às grades de linhas de força do planeta, tal como os outros, mas de forma muito mais poderosa.
Foi então que, assombrados, viram que as linhas de força com que interagiam e que emanavam tinham em si a luz e a própria escuridão, pendendo de um estado para o outro como uma gangorra, podendo facilmente se equilibrar em ambos os aspectos.
- Um equilíbrio. Pelo Trovão, eles podem transmutar. Vocês viram, vocês viram? Eles podem transmutar escuridão em luz... – Uriel murmurou maravilhada.