Evoluir é ter conhecimento da escuridão ou aprender em como procurar a luz quando dela se esqueceu?
Nemaiel estava horrorizado.
Em silêncio se recriminava por não ter se dado conta do tanto que tudo fora comprometido. E também havia aquela dor e insegurança por ter sido manipulado com toda aquela facilidade.
Os anciões o olhavam compadecidos, seguindo a mágoa que vincava seu rosto.
- Como pode você se deixar enganar pela escuridão que tomou nosso irmão? – acusou um dos anciãos, aquele que mais se mostrava contra os ganedrais.
- Nós o olhamos e não vimos mal nele. Você confirma o mal neles? – perguntou, notando com uma pequena alfinetada no coração o desconforto no ancião.
- Duvida de mim, Nemaiel? – perguntou, a voz num timbre que fez com que os outros anciãos o observassem melhor.
- Sabe, nós observamos o akáscha – Nemaiel acusou, os olhos presos no ancião. – E de uma forma muito, muito profunda.
Com pesar viu que o desconforto aumentara mais um pouco, o que não passou despercebido para todos os que estavam reunidos ali.
- Noto que está me acusando de alguma coisa. É isso mesmo?
- Você não conseguiu ver, ou não se preocupou em ver? Você não se preocupou com a verdade, com a injustiça que poderia ter sido cometida? Sempre acreditei em você, Samartel. Eu sentia, mas não conseguia entender. Porém, quando se sabe o que procurar tudo fica mais fácil, tudo fica claro, não é mesmo?
- Tenha cuidado com a mão podre da escuridão. Ela consegue ser muito tentadora ao toque. O mal, a escuridão é muito insidiosa, você sabe – acusou o ancião Samartel, a voz pausada e cuidadosa. – Uma despreocupação aqui, um descuido ali, uma insensibilidade, acusações... É muito fácil destruir algo...
- Infelizmente tenho que concordar com você, ancião, até mesmo que o tempo da consciência não é um selo – falou, sob o olhar tranquilo dos outros antigos.
Nemaiel subiu várias dimensões, sem tirar os olhos dele, e viu que ele se mantinha íntegro nelas. Confuso com o que não via se questionou, se perguntando se realmente não se deixara enganar. Então pensou em Sênior e em seu grupo, e neles viu guerreiros terríveis e temidos, mas repletos de dignidade. Havia clareza neles, percebeu, voltando sua atenção para os anciões. Em seu íntimo sentia que algo estava estranho. Os registros haviam sido enganados, mesmo que não totalmente.
> Ouço sussurros pelos corredores – falou com a voz um pouco distante voltando das dimensões mais altas, sentindo o pulso de tudo o que acontecia ao redor. – Vozes que não querem ser ouvidas, temendo estarem erradas, ou temendo que o medo os tenha alcançado. São como sombras que se levantam no leste antes do sol, ocultando e roubando toda a luz prometida e ansiosamente aguardada, que se podem ver nos planetas. São olhos tímidos sob as pedras, temendo o que está vindo ao encontro dos nossos corações.
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- Que sussurros seriam estes, meu filho?
- Somos irmãos, não sou seu filho – falou, sem deixar de usar um tom ameno. Não havia recriminação, mas apenas era o que era, uma observação.
- Sim, claro que essa é uma verdade. Mas, que sussurros ouve, meu filho?
Nemaiel e alguns outros anciãos, olharam com mais cuidado para Samartel.
- De que este conselho está em queda...
- Um absurdo, sem dúvida. Quem diz isso? Ouviu isso de alguns caídos, ansiosos em semearem a discórdia e desconfiança, ou uma divisão que só a eles beneficiaria? Eu bem avisei, há algum tempo atrás, da influência terrível que esses ganedrais poderiam causar entre nós. Lembrem-se daquele que agora se reconhece por Negrumo. A corrupção que eles têm potencial para espalhar e...
- Sinto essa amargura em você, e isso, a meu ver, é um tanto sombrio – Nemaiel interrompeu com energia. - Negrumo se perdeu, e é uma lástima que isso tenha acontecido, e prevejo imensas dores ainda, por causa disso. Mas, parte da culpa pela queda dele e de outros, é justamente desse conselho, que não soube ou não quis olhar na alma que ele abria. Na verdade, eu não entendia, mas agora eu estou entendendo... – Nemaiel continuou com tranquilidade. - É uma experiência que nos damos. Sei que não consigo avançar para as dimensões bem mais altas, mas sei que o UM ainda está aqui em meu coração. Eu olho e vejo vocês, anciãos, indo em dimensões ainda mais altas que as que posso acessar. Mas, mesmo entre vocês, alguns não conseguem ir muito alto, não é mesmo?
Nemaiel se virou e encarou o mais bondoso deles, que era, sem dúvida, o que podia alcançar as mais altas dimensões.
> E você sabe disso, não sabe, Antigo?
Nemaiel seguiu o sorriso tranquilo e bondoso, e seu coração se encheu de toda aquela paz e amor, e soube que todos ali sentiam o mesmo.
- Sim, meu amado irmão, sabemos disso, e nos policiamos na queda que todos nós desejamos experimentar. Escolhas que fazemos nas possibilidades que surgem. Mas, às vezes, nos esquecemos – desculpou-se.
- Como se esqueceram, alguns, da compaixão e de não sentirem medo?
Samartel se remexeu incomodado. Havia um peso aparentemente imenso em seus ombros, como se reconhecesse algo que sempre temera.
Então Nemaiel o viu virar-se totalmente para si e suspirar. Havia um alívio ali, no sorriso gentil e humilde que se espraiava em sua face.
Nele viu entrega.
- Que bom que você está aqui, Nemaiel, com seu bom-senso. Realmente, você está certo! Eu falhei, com todos, mas principalmente comigo. Sei que falhas não existem – levantou a mão, impedindo que o interrompessem, - e que tudo é experiência. Mas, confesso, não queria ter tido esta. Por isso, meus queridos amigos, peço dispensa deste conselho, pois vejo que minha queda está mais acentuada. E, não foi Lúcifer, nem mesmo nenhum escuro a causa da queda, que julga que nos corrompe – sorriu amável. – Apenas curiosidade a respeito de possibilidades. Foi a minha curiosidade a causadora da minha queda – suspirou, os modos em paz.
- Assim está feito, meu querido Samartel – concordou o mais antigo com um sorriso gentil no rosto. – A bem da verdade, o UM, quando criou consciências individualizadas dentro de si mesmo, expressou o desejo pelo novo, pela novidade em contraste com “a mesmice” – sorriu novamente, como se pedisse para que tivessem cuidado com a análise de suas palavras. - Que bom que os ganedrais estão na luz.
- Sim, eles estão, e estão sofrendo, ao combater a escuridão que descobrem dentro de si mesmos – Nemaiel sussurrou compadecido pela sorte dos amigos. – Eu os manterei sob atenção, mas não irei contra eles – avisou, - se escuros não se mostrarem, a mim e aos meus.
- E quanto às nossas guarnições? – questionou um lugar tenente de Nemaiel, os olhos presos nos de Samartel.
- Lúcifer... – declarou num sussurro. – Acabei de sondar os arquivos agora, e já expus a manipulação. Antes, apenas não dei importância em pesquisar, e julguei que seriam realmente os ganedrais. Aceitei os registros adulterados e nem me preocupei em averiguar, apesar de sentir claramente que algo não estava certo – reconheceu.
– Que assim seja, e que esse conselho se torne mais digno da confiança que depositamos – Admoestou Nemaiel. - Façam a sua parte, porque a escuridão máquina e espreita – falou com dureza, sob o olhar tranquilo dos anciãos. Então, num movimento súbito, se afastou juntamente com os seus.