O que foi construído não foi terminado, e o que foi terminado foi antecipado. A corrente está quebrada, e em sua instabilidade o horror planejado.
Três seres, dois machos e uma fêmea, entraram em total silêncio na estalagem e ocuparam uma mesa mais recuada. Todos eles eram altos e de corpos poderosos. Sênior os observou, e ficou se perguntando se eram originados de alguma experiência genética dos próprios pleiadianos, porque via neles alguns de seus próprios traços, como a pele mais branca e os olhos coloridos. Mas, havia algo mais, e logo ficou claro o que era: realmente haviam sido desenvolvidos por genética, porque era claro que eles tinham traços dos símios recém surgidos no planeta.
Aqueles eram seres diferentes, percebeu assim que os viu. Havia uma fúria natural em seus modos, e eles transpiravam poder, de um poder que não havia visto ainda nos seres humanos. Sem se denunciar estudou as novas criaturas. Sabia que eles faziam parte de um grupo mais arredio, que há algum tempo se aproximara discretamente da cidadela pleiadiana. Apesar de todos seus modos eram silenciosos, e assim eram deixados por si mesmos.
E agora ali estavam eles. Devia haver algo muito importante para eles terem quebrado seu isolacionismo.
E foi só quando seus olhos cruzaram com os deles que percebeu, sem sombra de dúvidas, que eles eram caçadores. Provavelmente, deviam pertencer a algum dos reinos dos homens do norte, onde se mantinham acantonados e isolados.
Algo devia estar acontecendo no norte, anotou para avaliar isso mais tarde, porque por lá também surgiam seres disformes e perigosos, de almas frias e estranhas.
Então perdendo o interesse, deixou sua mente divagar, cismando sobre os dias à frente. Mas, subitamente foi tirado de seus pensamentos ao pressentir interesse e movimento por parte deles.
Sem os observar diretamente os viu se levantarem e caminharem até onde estava.
Mantendo-os sob vigilância aguardou.
- Sênior, não é? – ouviu a pergunta do homem que parara bem à sua frente.
Sênior levantou os olhos e o examinou.
Os cabelos eram negros e chegava-lhe até a altura dos ombros, os olhos eram francos e da cor do mel. O rosto era anguloso e franco. Ao lado do corpo pendurava-se uma espada curta, uma espada forjada em ferro de meteoros, verificou ao examinar a energia que irradiava. E ela já entrara em muitas batalhas.
Então examinou rapidamente os outros dois. A mulher era esguia, trajando um corpete de pelos trançados de animais, bem como um saiote de couro. Ao lado do corpo uma espada quase igual ao do outro, como também trazia uma aa no cinturão. O outro homem era de uma feição mais dura e mais abrutalhada, parecendo ser de uma inteligência menor que a dos outros dois. Esse parecia mais feroz e mais decidido que eles.
- Caçadores – reconheceu, sem confirmar a pergunta do primeiro. – Não estão muito longe de seus caminhos? – perguntou com suavidade, indicando as cadeiras na mesa, que eles ignoraram.
- Sim, estaríamos – falou a mulher, - se o nosso caminho fosse longe daqui. Mas viemos com a esperança de encontrar o Sênior.
- E por que precisam dele?
- Você é o Sênior ou um ganedrai? – perguntou o que se mantivera em silêncio até ali, a voz dura e rude.
- O que o faz acreditar que eu sou, ou desconfiar de que não sou? – sorriu.
- Dá para ver que é um anjo mas... As asas... Não vejo asas – falou o homem de modos brutos, que Sênior conferiu ser de imensa franqueza e ingenuidade.
- Não são as asas que definem alguém. Em alguns momentos me sinto melhor sem elas – esclareceu. – E quanto ao Sênior, ele é também um ganedrai... – falou com ares pensativos. - Mas sim, eu sou Sênior – confirmou.
Então os três acederam e ocuparam a mesa com movimentos ressabiados, típico dos caçadores.
- Eu sou Ganvra – se apresentou o homem de feições mais amenas. – Essa é Gavenal e este é Tondo. Fomos a muitos lugares em sua busca – revelou.
> Por que me buscavam?
- Porque soubemos que tomou, há algum tempo, uma joia de um poderoso demônio.
Sênior ficou mais atento, os olhos se fixando em Ganvra.
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- Uma el?
- Sim, uma el... Está com você?
- Não, mas está ao meu alcance. Qual o interesse de vocês nela?
- Ela é uma el zuni, e guarda em si, aprisionados, seres do nosso povo.
- E vocês os querem libertar?
Os três se entreolharam, e se viraram para ele.
- Não... Nós a procuramos para a destruir. Sabemos que a sentiu, então sabemos que a avaliou.
Sênior ficou em silêncio, os pensamentos se esticando levemente, até tocar na el que estava em Paka Nuta.
- Fale-me sobre ela – pediu, fazendo sinal para trazerem copos e uma grande jarra de hidromel.
- Ela foi construída por feiticeiros drakos que, juntamente com feiticeiros norkanos aprisionaram seres de sombras. Eles replicaram essa el a partir de uma el primordial, e com ela passaram a corromper nossas cidades. O sofrimento foi enorme para nós, até que conseguimos colocar-nos fora do alcance dela. Quando descobrimos o que ela era e a procuramos, ela já tinha sumido, e não conseguimos mais acha-la, até que ouvimos falar de um anjo que tomara uma el de um demônio, e soubemos e sentimos que só poderia ser ela. Precisamos dela, porque ela possui a ligação conosco. Somente destruindo ela e a el primordial poderemos conseguir alguma paz.
- Sabem que através dela não conseguirão encontrar a primordial, não sabem?
- Como? – Ganvra franziu os sobrolhos totalmente surpreso. – O feiticeiro foi bem claro que ela poderá nos revelar onde está a primordial, e que se ela for inutilizada, todo o mal que veio será desfeito.
- Ele foi enganado, e assim, usado para enganar vocês – falou com tranquilidade. – Não existe isso de uma el primordial.
- Então, porque isso?
- Diversionismo, e diversão, lógico.
Sênior deixou o copo de hidromel ao lado, o rosto avançando um pouco em direção aos três, estudando seus cômodos confusos.
> Vejo que são bons caçadores, que são bons guerreiros, mas vejo que não sabem tanto o que deveriam e o que essa el representa. Ela está presa num poder bem maior, que até mesmo poucos caídos podem ameaçar fazer frente.
- E que poder seria esse? – perguntou Gavenal.
- Ao que parece, uma muta...
O silêncio ficou pairando sobre eles por algum tempo.
Ganvra suspirou e se recostou pesado em sua cadeira, os olhos vagando abandonados pelo salão e pelas pessoas que se moviam ali.
- Muitos desconfiam de que as mutas não existem – Tondo declarou, sem muita convicção.
- Elas são assim, querem ficar nas sombras, ocultas...
- Muitos de nós desconfiávamos de algo oculto, de grande poder, mas não imaginávamos... – cismou Gavenal.
- Em todo o caso, isso pouco altera a nossa determinação – falou Gavendra, - e isso porque temos que tentar nos libertar. Se como diz a primordial não existe, e só há ela em nosso caso, então tudo ficará mais fácil. Sabe, anjo, é com o uso que faziam dela, antes que você a tomasse, que eles estavam alterando os de nosso povo em que eles conseguiam botar a mão.
- Os disformes... – Sênior disse com lentidão, agora reconhecendo o padrão dos estranhos seres que começaram a emergir das sombras, há apenas alguns anos.
- Eles mesmos. Eles são dos nossos e de alguns outros grupos de homens, deformados e torturados, alterados até a estrutura de suas almas – falou a mulher, a voz com uma leve titubeada. Sênior sentiu a sua dor, e ficou imaginando quem ela havia perdido.
- Os drakos?
- Foram os que mais fizeram experiências de alterações. Mas outros também participaram de nossa maldição, como os pleiadianos e os de Sirius – o rosto de Gavenal mostrou uma dor controlada e recuada para um canto da alma. - Em todo o caso, parece que tentaram primeiro com os ellos e manira ellos, mas foi difícil com eles, e os resultados não foram os esperados, nem com as outras pessoas. Havia muito dispêndio de tempo e energia. Mas conosco... Parece que somos muito fracos para resistir às els, ou aos poderes que invocam.
- Vocês não deveriam ter esse julgamento quanto a vocês – murmurou. – Os homens, desde o momento em que surgiram, suscitaram muita curiosidade e desejo nas outras criações. As mutas não ficaram fora disso, principalmente elas, porque elas foram os arquétipos em que vocês foram baseados. As els ainda são objeto de muita discussão, não sendo bem entendido ainda suas origens, pois que há muitas els diferentes. No entanto, parece que as els em foco, sendo criações das mutas, a vocês estão direcionadas...
Então viu as linhas do rosto do homem que se dizia chamar Tondo. A dor ali também era muito sentida. Com respeito tirou os olhos dele.
- Os pleiadianos e Sirianos há muito compreenderam as falhas em suas ações. A curiosidade quanto a vocês lançou uma sombra sobre eles, que lutam até hoje para tirar de seus espíritos – falou com suavidade. – Quanto aos drakos, eles não estão mais aqui no planeta.
Sênior viu os olhos dos três, tristes, passeando pela estalagem, pelos semblantes dos seres que estavam ali, pelas mesas e copos e jarras, pelas paredes e, por fim, para além delas.
Sênior suspirou e aguardou que suas dores fossem suavizadas.
- Mas eles voltarão – disse Ganvra por fim. - E, mesmo que não voltem, eles deixaram o mal para trás, um mal que deve ser parado e obrigado a recuar...
- Se for confirmado que realmente há uma muta envolvida com isso, pouca diferença fará a presença ou não dos drakos.
- Como disse, nada podemos fazer, a não ser continuar a tentar – Gavenal sorriu com mansidão. – Temos que combater o mal...
- O mal... – Sênior suspirou. – O mal é neblina que entra com o ar que respiramos, é a cortina fina que passa ante os olhos e distorce a verdade. O mal é a garra que acaricia e rasga, oculta e suaviza, que quer apenas destruir e se apossar, tremenda dor que traz em si mesma. Tantas definições, tantos modos de se mostrar, apenas na tentativa vã de não ver o próprio reflexo.
- Vai nos deixar ter contato com a el, para descobrir o que nos interessa? – quis saber Gavenal.
- Vou fazer melhor que isso – falou sorvendo o último gole de hidromel, enquanto se levantava. Após ter se despedido de todos que estavam na estalagem, acompanhado dos três humanos eles saíram. – Retornem para onde vieram. Logo iremos ter com vocês...
- Os ganedrais? – Tondo quase engasgou.
- Não, meu amigo... – Por mais que tivesse tentado, a voz não saiu clara e firme como gostaria. Deu de ombros. – Eles não estão mais aqui – falou fazendo surgir os dois pares das grandes asas, enquanto as desfraldava. – Talvez eu leve uma amiga – contou, se perguntando se Braba aceitaria se juntar a ele.
- Vai nos ajudar, então? – quis saber Gavenal, sob os olhos avaliadores de Ganvra.
- Sim! Afinal, acreditaram mesmo que estavam sozinhos? – sorriu enquanto se elevava e tomava a direção de Paka Nuta.