Eles se deram o esquecimento de quem e o que são.
O paraíso não é um lugar, ou mesmo um tempo; ele é uma condição que alcançamos.
Sênior e os outros flutuaram sobre o grande sol central, na quinta dimensão, confirmando que continuava a ser um lugar vasto onde a luz se aninhava com prazer e força. Nos planetas que via ao redor do grande sol via cidades brancas e de outras cores suaves, que encheram seu coração de prazer e quietude.
Sênior inspirou com emoção e sorriu para os outros, como se dissesse: estamos em casa.
- Vejam – ouviram Khyah feliz se referindo ao grande movimento de anjos em torno dos planetas. Havia leveza e suavidade ali, era o que se pensava ver. Mas, se se prestasse um pouco mais de atenção veriam que havia uma diferença em relação à última vez que tinham vindo naqueles lugares: agora se viam anjos armados em vários pontos ao redor daqueles espaços. Mas, mesmo assim, era um bálsamo em relação às batalhas e lugares destruídos que haviam partilhado nos últimos tempos.
- Vamos então? – Sênior sugeriu.
Com tranquilidade os milhares de tardischs foram descendo pela atmosfera do planeta central, e não houve qualquer animosidade ou bloqueio, como haviam receado. Por fim pousaram na bela e espaçosa praça central, onde ficava o grande templo de luz.
Sênior inspirou maravilhado e reverentemente, desejando trazer para seu coração toda aquela paz e cuidados, que sabia que era o mesmo que acontecia com os outros.
Os tardischs, com Sênior e Haamiah à frente, entraram nas zonas protegidas, que os anjos daquele lugar chamavam de paraíso, um local de intensa luz onde a escuridão, por mais que tentasse, não conseguia penetrar, nem mesmo aquele que não tivesse a vibração adequada. Ultimamente esse lugar estava servindo como prova do valor dos que atendiam à luz.
Já dentro dos pátios centrais os quatorze se destacaram dos tardischs, porque no local da assembleia só havia espaço para comportar os representantes.
Em silêncio os quatorze foram avançando pelos vastos corredores, onde inúmeros anjos se reuniam. Ao fundo da parede norte estava o arco dos anciões, e uma reunião se desenvolvia ali.
Sênior e os outros se colocaram à direita da mesa arqueada, em silêncio ouvindo os anciões discorrendo sobre os últimos acontecimentos, suas armas emitindo um brilho extremamente suave.
- É impressão minha, ou estão nos olhando de forma estranha? – Amadiel chamou a atenção num sussurro preocupado.
Khyah prestou atenção nos mais velhos, e viu que havia um fundamento na observação do irmão.
- Você também estaria preocupado com nossa presença, se estivesse na situação deles – falou constrangida.
Então olhou de soslaio para os outros, e viu que todos estavam cientes disso.
Khyah observou Sênior, e viu que ele parecia absorto, os olhos pensativos. A aura dele, sempre tão forte, mostrava-se suave demais. Mas, ao observar Haamiah, sentiu um peso maior nele, como que um receio.
- ... Por isso não podemos ir contra eles – discursava um ancião. – Se os atacarmos, seremos iguais a eles.
- O que propõe fazer, para proteger os sistemas que ainda estão livres? O que propõe fazer, para que possamos proteger os sistemas aonde os fugitivos buscaram abrigo? – perguntou um anjo colocado mais à direita dos antigos.
- Só há uma forma de tornar a solução definitiva. Temos que nos reunir com nossos irmãos perdidos e trazê-los de volta. A luz é mais forte que...
- Nossos irmãos estão morrendo. Eles são atacados e...
- A morte e o sofrimento não existem – um ancião interrompeu um anjo de modos que transmitiam a confusão que tomava sua alma.
- Ah, infelizmente eles existem sim – intrometeu-se um arcanjo de tons avermelhados, que viram tratar-se de Lúcifer. – Vocês, aqui protegidos, acreditam que não. Falta-lhes empatia – estocou com um sorriso sarcástico no rosto.
- Há uma ilusão que avança, e temos que ser muito cuidadosos com ela. Ela pode subverter tudo o que há... – discursou um outro ancião de modos amigáveis e tranquilos.
- Apenas sinto que, se não fosse por pessoas como nós, que se arriscam a cair muito fundo, logo vocês estariam com a escuridão envolvendo todo esse lugar. O que vocês iriam se tornar então, nos tronos que se tornariam todos escuros?
Uma onda de mal-estar correu pelos presentes.
> Vocês sabem do que falo – disse Lúcifer se dirigindo para a assembleia. – Você e os seus irmãos, os terríveis tardischs, apesar de meio lentos, concordam comigo, não concordam, Haamiah? Não concordam, Sênior? – perguntou Lúcifer, o rosto posto para os lados onde eles e os companheiros estavam reunidos.
Sênior sentiu o peso dos olhares, e viu o que Lúcifer estava fazendo, o que o desgostou. Mas não podia negar que havia verdade no que ele dizia. Eles mesmos não estavam procedendo assim?
- Há muito tempo nos aproximamos deles, e eles tomaram um de nós e o torturaram – Sênior contou, imprimindo na voz a maior suavidade que pode. – É certo que eles ainda são jovens na escuridão, estão maravilhados com ela, e se sentem justificados nela ao se acreditarem afastados e banidos pelo UM. É certo que temos que ter compaixão por eles, como é certo também que eles estão fora do nosso alcance no momento, porque é assim que eles desejam, mas...
- Tal como vocês, que não conseguem nos ouvir, meu filho? – um ancião o interrompeu. – Vimos seus atos terríveis, tardischs, atacando como loucos a escuros e anjos, sem qualquer discriminação e piedade...
Sênior viu a atenção de um dos mais antigos sobre si, e havia uma dor ali, uma compaixão que o emocionou.
- Ou de vocês, que não conseguem nos ouvir – respondeu com simplicidade, sabendo bem o que causava. – Tudo isto é novidade para eles e para nós, e estamos todos tentando encontrar nossos caminhos. Qual é o mais correto?
- Qual é o mais errado? – o ancião devolveu a pergunta.
- Esperar, ter esperança de que a qualquer momento irão rejeitar a escuridão que se tornaram – declarou com firmeza e tranquilidade, para satisfação de Lúcifer.
- Ah, a escuridão que toca sem se denunciar... Sim, sim... Eu entendo que o caminho que escolheu, você e seus irmãos, e Lúcifer e seu grupo, é um caminho muito longo para retornar, da queda que estão se dando – falou um outro ancião com ares de repreensão.
- É esta então, uma reunião de julgamento? – questionou Sênior, sob o olhar sisudo de muitos dos anciões. Sabia que tinha se arriscado a comparecer frente aos anciões, mas sabia que isso, em algum momento teria que acontecer.
- E seria justificável, visto toda a carnificina que os seus imprimiram nos espaços. As trevas se adensaram ainda mais, se tornaram bem mais agressivas, em resposta à própria escuridão dos tardischs, e das legiões de Lúcifer e de outros que lhes seguiram o exemplo. E, caso não tenham percebido, muitos anjos em escuros se mostram agora, e isso pode ser colocado também na conta de vocês.
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- Sim, e agora nos culpam, até mesmo pelas escolhas desses. O caminho mais cômodo e fácil. A alternativa que propõem será vista como fraqueza, o que fará o mal se julgar mais poderoso e os deixará sem rédeas. Vocês não arriscam só a vocês...
- Então devemos entender que não vão abdicar de seus modos...
Sênior inspirou demoradamente, os pensamentos correndo por todos os eons de batalhas e dores, por cada momento que haviam presenciado, sempre lutando para que a luz permanecesse em seus corações, desesperadamente resgatando os seus quando se desesperavam e ameaçavam abandonar a luz. E, agora, eram julgados.
- Para nos tirar nossas armas, a escuridão deve ser desarmada... – recitou, a voz dura e impessoal, os olhos fixos no conselho.
– Ah, que pena – sorriu um alto conselheiro, parecendo se justificar numa decisão que já tomara há muito tempo. – É por isto – falou se virando para seus pares, - visto o grande perigo que representam para si mesmos, Lúcifer e seu bando, e esses tardischs sanguinários e loucos, que volto a dizer que eles devem experimentar então a queda que desejam. Prepotência e arrogância..., orgulho e ego – acusou com desprezo. - É por isto que proponho que sejam banidos, porque o poder que possuem de corromper não pode ser menosprezado. Soubemos que até mesmo o “código dos descidos” deixam ao lado com facilidade.
O silêncio pesou na assembleia, os olhares confusos passando por todos.
Haamiah franziu o sobrolho, a confusão tomando seu olhar. Como que perdido sondou os semblantes dos conselheiros, incrédulo com o que ouvira.
Lúcifer se empertigou, o olhar duro dirigido para o ancião de modos bruscos e duros.
- Então é assim? Mostram medo e se voltam contra aqueles que sabem que nada farão contra vocês? Eu chamo isso de covardia, e vendo isso, digo que estão corrompidos. Quem lhes deu poder sobre nós para nos banir? – Lúcifer perguntou, a voz perigosa e satisfeita. Com um grande sorriso se virou para Haamiah e Sênior. – Vocês lhe deram esse poder?
Sênior ficou em silêncio, esperando as coisas se desdobrarem antes de se manifestar, tal como todos seus irmãos estavam fazendo, exceto um deles, que se mostrava dolorosamente injuriado, para pesar de Sênior e dos outros.
- Eu olho para vocês, e fico revendo o que disseram, me dizendo que vocês não devem acreditar nisso. Nos acusam de ameaçar corromper seus corações? De que corações estão falando? – Haamiah estava transtornado, a dor pulsando em seu semblante. – Abrimos mão de muita coisa, abrimos mão da nossa energia do coração, abrimos mão da luz que éramos, pela própria luz, para que ela não sucumbisse, porque pouco se fazia para contê-la. Não faz muito tempo que me acuso de não atacar uma coluna escura de súbito, perdido que estava, me torturando na questão se deveria ou não me esforçar em trazê-los para a luz. Foi assim que perdemos todo um imenso e belo sistema, que foi destruído porque demoramos para agir, porque eu demorei para agir. Contra o que acham que estamos lutando? – perguntou, a voz atingindo uma perigosa dureza. – É dessa inércia, é dessa bondade falsa que se traduz em inação que eles se valem. Eu...
Sênior pegou no braço do amigo, que bufou e se aquietou, sem tirar os olhos do ancião que os acusara.
O silêncio que já estava incômodo se tornou ainda mais pesado.
Então, um ancião de modos gentis se mexeu à frente.
Sênior o observou com discrição, e percebeu que era o mais antigo ali presente.
Com bastante sutileza subiu alguns níveis, e viu porque ele se mantivera em silêncio até ali: ele estava conversando com pessoas de alto poder. Quando os seres que se reuniam com o antigo se voltaram e o observaram, sorriu, vendo ali um carinho que raramente via, no universo de agora.
- Emanoel e Yeshua... – suspirou para si mesmo, se despedindo com um sorriso simples, voltando para a dimensão onde os outros estavam reunidos.
Então, o ancião que conversara com os seres de amor abriu os olhos e levantou a mão, pedindo a palavra.
- Sabem, tenho que concordar com nosso irmão Lúcifer, e com nosso irmão Haamiah, e com os que não se manifestaram – falou com suavidade. - Se procedermos assim, banindo os que estão num caminho que não o nosso, então eu serei forçado a entender que caímos, porque estaremos mostrando o medo que temos e a pouca compaixão que embalamos em nós. É isso? – contrapôs-se, olhando com repreensão para o outro, que deu de ombros, se considerando vencido. – Não precisamos punir ou expulsar ninguém que discorda de nós. Se alguém cai sua vibração, ele mesmo se impede de acessar alguns lugares ou dimensões. Então, não precisamos tomar qualquer atitude quanto a isso. Haamiah, bem sabemos o que você e os seus irmãos têm feito, e como suas lutas são árduas e que acreditam justiçar pela luz. Estamos bem cientes da dura e terrível luta que travam, obrigando-se a ficarem se relembrando a todo o momento que são guerreiros da luz, sofrendo o terrível esforço que empreendem para permanecerem nela, mesmo quando engolem em seco vendo que a vibração diminuiu um pouco mais. É o preço, os ouvimos dizer em suas almas tristes, nessa dramática troca de sua tranquilidade pelo brilho da luz. Em vocês vejo abnegação, entrega, e esses são valores que prezamos, diferente do que vai em vocês, não é mesmo, Lúcifer?
- A minha luta é tal qual a desses palermas... – Lúcifer reclamou, levantando-se em toda sua injuriada altura.
- Talvez em um grau diferente, meu irmão. Você vê, não é mesmo? É certo que muitos lugares ficarão bloqueados para vocês, não porque os impediremos, mas simplesmente porque as vibrações desses lugares lhes causarão dores estranhas e duras. E tudo irá piorar ainda mais porque, tal como os escuros, vocês irão nos acusar de tê-los lançado para a queda.
- Você nos acuda de sermos escuros? – vociferou, o corpo avermelhando-se perigosamente.
- E é a verdade, não é mesmo? – concordou o ancião, a voz tomada de compaixão. – Veja-se nessa forme doentia de poder, de dominação.
- Eu e os meus escuros? – gritou tomado de ira. – São esses tardischs que matam anjos e demônios sem discriminação, que destroem qualquer um que se coloque no caminho deles. Mas é contra mim que vocês, que luto pela luz...
- Vocês dizem que é pela luz que batalham e se esforçam, mas, diferentemente dos tardishs aqui, não é assim com você e seu séquito. Sinto por vocês. No entanto, também me alegro por vocês, porque agora vocês estão fazendo uma firme escolha.
Sênior sentiu o ambiente e sorriu discretamente para Azazel, vendo que fora ela que se abrira para o ancião, mostrando todo seu enorme coração cheio de luz.
Como se estivessem mortalmente incomodados, gritando impropérios e maldições, Lúcifer e os seus rapidamente se levantaram. Esmurrando e gritando rapidamente se foram embora numa pressa injustificada.
Jasmiel os observou se retirando, e ficou se perguntando se a energia do lugar já estava por demais incômoda para eles.
Sênior suspirou profundamente, vendo os olhares acusadores e avaliadores pesando sobre o seu ombro e nos de seus irmãos.
- Sentimos lhes causar tantos desconfortos – falou no silêncio que a partida de Lúcifer causara. – Estou em paz com a decisão que eu e meus irmãos tomamos. Logo no princípio da escuridão, em outros sueruniversos, demos combate a ela. Mas ela era simples naqueles dias, não tinha essa maldade, não era tão densa. Mas, mesmo assim, abrimos mão da energia do coração e abraçamos a energia do ego naqueles velhos tempos. Por eras os contivemos, até que os deixamos e voltamos ao coração e viemos para este universo. Mas a escuridão nos encontrou novamente, e vimos o quanto ela havia enegrecido, quanto mal ela se fizera ao ser “deixada em paz”. Então, novamente abrimos mão do coração e voltamos ao ego, e nos tornamos guerreiros novamente. Sabem, não temos prazer nisso, pois luz nós somos. Apenas, por tudo o que passamos, podemos lhes dizer: estejam atentos quanto a eles, pois que as palavras não são refletidas nos atos, muito menos nos desejos. Meus irmãos, aqui nos despedimos, pois se de guerreiros da luz fomos chamados é a palavra “renegados” que vejo os olhos da maioria de vocês gritando. Agradecemos a acolhida de vocês.
- O paraíso não pode ser tirado, ele apenas pode ser abandonado por um curto tempo – sorriu o velho ancião. – E se engana, porque não só eu vejo a luz de vocês, meus irmãos – falou, um sorriso tranquilo no rosto. – Então, não abandonem o paraíso, por mais tentador que outros lugares possam parecer, porque apenas tronos negros irão se mostrar.
Sênior levantou os olhos para o ancião.
- Que estas palavras estejam no coração de cada um de vocês.
Haamiah, com a dor estampada no rosto, sentiu o silêncio, e viu que era espesso e frio.
- Tendavar, meus irmãos – Haamiah despediu-se com suavidade, virando-se e tomando a saída.
- Tendavar – foram dizendo cada um dos anjos que estavam ali presentes.
- Tendavar – responderam os membros do conselho.
Um velho ancião respirou profunda e lentamente, observando os renegados, até que o último desapareceu.
Então se voltou para Nemaiel enquanto todos os outros anciãos se distraiam, sussurrando entre si suas impressões. Em silêncio ficou apenas aguardando.
- Acham mesmo que eles são um problema? – questionou Nemaiel para a roda dos mais antigos anciãos, quando todos se voltaram para o círculo.
- Lúcifer e os seus assim se mostraram, mas esses outros ainda não. Porém, observamos com preocupação a forma como se deixam afetar pela escuridão. Quando lutam com ela, como ela vão se tornando. Tememos por eles. Haamiah nos pareceu fora do equilíbrio – declarou um dos anciãos.
- E o que querem que façamos?
- Impeça-os de aceitarem a queda.
- E como faremos isso?
- Observe-os e saberá. Há um deles que é a verdadeira pedra angular – disse o ancião.
- Talvez vocês não tenham visto com atenção – falou o ancião de modos amorosos e macios, o mais antigo deles, após chamar a atenção para si com uma leve vibração, - mas a luz neles, apesar de parecer um turbilhão, é muito poderosa. Eles não devem ser vigiados como se estivéssemos aguardando uma queda, mas devem ser vigiados, acalentados, fortalecidos, observados para que, se se sentirem perdidos ou desamparados, sejam lembrados de que nunca estarão sozinhos. Não concordam comigo? – perguntou se virando para os outros conselheiros. Os outros o observaram, e acabaram com ele concordando, assim dando por encerrada a conversa com Nemaiel e os seus.