Seja aquele que te fez algum mal...
Você é um daqueles que corrompeu e maltratou os pequenos anjos do senhor?
- A dor dele está intensa demais – disse Melchior. – A dor e a mágoa são de tal monta que até nos afeta, sugando nossa energia.
- Eu sei – Sênior suspirou fundo, tomado de preocupação, os olhos perdidos no sol azul que indiferente corria no céu.
Abatido levantou os olhos e examinou o amigo, perdido em pensamentos na beira do penhasco, nas ondas de morro que progrediam para longe.
Inspirou fundo e demorado, passando os olhos pelos outros, que se mostravam silenciosos, preocupados com o que acontecia com Haamiah.
Com um sorriso acanhado se dirigiu para onde estava o torturado amigo.
- Você andou procurando os anciãos? – Sênior perguntou com suave interesse, assim que se aproximou de Haamiah.
- Sim, eu os procurei – confirmou, a voz dura, o rosto impenetrável e tensionado.
Sênior o observou com cuidado, medindo a dor do outro, que o atingia de uma forma incomoda. Sentia, desde que se haviam reunido com o conselho, que o amigo cada vez mais se afundava numa mágoa espessa demais, bem como os outros também viam. Mas, por mais que tentassem aliviar o sofrimento dele, bem sabiam que era uma luta que não tinham como intervir, porque o próprio Haamiah os impedir de se aproximar.
- Meu querido amigo, sabe que isso não vai funcionar. Eles pouco estão se importando...
- Você sabia que eles estão tentando marcar reuniões com os escuros? Os idiotas? Eles estão sendo usados, enganados. Estão desviando a atenção deles para que possam avançar e...
- Mas nós estamos aqui, Haamiah, e não estamos sozinhos nisso. O conselho não é a fonte de poder, somos nós. A escuridão está com muita dificuldade em avançar e...
- Você e suas palavras. Vejo perigo nelas. Não sei como não via antes – acusou, se virando diretamente e encarando Sênior com um estranho e perigoso brilho nos olhos.
- Mas, o que? Haamiah, o que está dizendo...
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- Eu fui até o conselho, há alguns dias, e resolvi que não irei mais...
- Ah, então..., então isso é bom...
- Sei que você acha isso bom... – Sênior estranhou ainda mais. Havia fel destilando na voz. – Sabe o que eles me disseram? O grande ancião olhou bem para a minha cara e disse: “Que se desterre, e aos seus também, em qualquer canto, em qualquer buraco”. O desgraçado disse isso, bem na minha cara, olhando nos meus olhos.
- Haamiah, não podemos...
Haamiah, com um golpe seco afastou de si o braço estendido de Sênior, que o olhava com um misto de dor e compaixão.
- Não quero sua compaixão, não quero sua fraqueza e maldade perto de mim. De nenhum de vocês – gritou, mostrando algo de descontrole.
- Mas, eu não entendo. Nós...
- Eu pretendo atacar a cidade branca – revelou se levantando, o corpo todo tenso. – Você irá comigo em mais essa batalha? Os escuros tomaram os anciãos. Somos nós os únicos que podemos...
- Isso é loucura, Haamiah – contrapôs Sênior, o tom da voz, mesmo que firme, cheia de cuidados. - Essa não é a nossa luta. É contra os escuros que estamos batalhando. Os anciãos são como nós, e fazem as escolhas deles... Cada um tem o direito...
- Eu sabia, eu sabia – gritou, a voz dura e cruel, repleta de dor. – Você está do lado dele, e voltou todos os outros contra mim. Não vê que eles também estão escuros? Pelo UM, e vocês também. Quando vocês ficaram do lado dos escuros? – gritou enojado recuando um passo. - Desgraçado você é, Sênior; desgraçados são todos vocês, que se chamam de tardishs, que se nomeiam ganedrais – falou com desprezo, desfraldando as asas. – Ao final, parece que o miserável do Lúcifer tinha razão...
- Haamiah, pelo UM, não deixe que a mágoa e a dor o levem para a escuridão. Nós estamos aqui e podemos te ajudar – pediu se elevando e se colocando no mesmo nível do amigo, as asas ruflando suavemente.
- Você não vai me enganar como engana os outros. Eles não devem ter te contado, mas procurei cada um deles, e eles não quiseram me ouvir. Você trabalhou na surdina, e trabalhou bem, tenho que te dar os parabéns. Dominou bem a mente deles, mas não vai dominar a minha. Agora as coisas vão se aclarando: você sempre quis o meu comando. Foi você que nos envolveu para que o conselho nos renegasse, não foi? Ah, seu miserável... Pois então veja ao longe, desgraçado, e verá que eu tenho comigo os que acreditam em mim.
Num movimento súbito sacou a espada e avançou, tomado de ódio e rancor.
O choque das espadas feriu o ar e o encheu de um som que ribombou além.
Sênior, num giro rápido, atingiu Hamiah de lado, lançando-o para longe.
De súbito, os ganedrais se dividiram, muitos se formando ao lado de Sênior enquanto os outros tomaram posição com Haamiah, se juntando a muitos dos antigos companheiros, os olhos tão atordoados e dementes como agora ele apresentava.
- Que se vá em paz, velho amigo – Sênior sussurrou com frieza. - Apenas desejo que aquiete seu coração e pare de depender tanto da aprovação dos outros. Esse não é um bom sinal. Que siga em paz, Haamiah – falou Sênior com voz forte, colando a espada ao seu lado.
Haamiah parou no ar. Lentamente embainhou a espada, os olhos passando por cada um dos ganedrais.
- Sinto por vocês, que um dia chamei de família. Umdosirmãos – falou com uma nota de nojo. - Se despertarem, é só me procurarem e eu estarei de braços abertos esperando por vocês. Mas, se vierem como inimigos, inimigo encontrarão, e não terei piedade. Haamiah eu era, Negrumo eu sou. Então, quando me procurarem, sabem a quem devem chamar.
Sem mais qualquer palavra, lentamente foram subindo no céu, onde se perderam.
Os ganedrais restantes, contando algumas centenas, cercaram Sênior, e todos se uniram em um largo círculo, chorando de dor pela perda do amigo.