A linha tênue entre a ânsia de querer e o ócio de ter se tornou um comitiva pouco ortodoxa nos adornos da personalidade de Graco.
Isso se torna ainda mais turvo na vida profusa de tranquilidade e monotonia dele.
Por conversar diariamente e em quase a todo momento com Eztli, Graco se sentia empanturrado de sociabilidade, isso o fez falar pouco ou ter uma escassa vontade de socializar.
Claro, ele conversava e convivia com sua família, mas eram mais eles que iniciavam uma interação, se não, ele ficava à deriva os escutando.
A sua nova tatuagem de Kovskaya ainda não demonstrou nenhuma percepção extraordinária. Graco deu de ombros com isso, ele espera que sua entrada na escola o ajude com isso.
E agora com seu próprio quarto, ele se enfurna diariamente.
Seu treinamento de respiração e controle do aspecto umbral se tornaram obsoletos, seu núcleo e corpo deram de cara com o limite natural desta técnica e o aspecto umbral se tornou menos arisco e corrupto.
Ele conseguia o manter por quase 5 minutos, e isso era o suficiente para ele por enquanto.
Atualmente Graco e Eztli planejam sua nova rotina de auto desenvolvimento em seu novo quarto minimalista, mas não antes de atravessar as etapas de sua conversação casual e fluída nesta madrugada.
Eles queriam privacidade total.
'Eu treinar boa parte do meu dia, consequentemente fez eu dormir quase 12 horas por dia e perder ainda mais tempo comendo. Os meses passaram voando e nem me lembro direito das coisas, praticamente os dias eram iguais.'
Graco diz com nostalgia e uma expressão pensativa
'Pois é, Kibi e Uvu já estão maiores e seus pais já tem um semblante mais maduro, a juventude da pós adolescência já está indo passear.
Eles neste ano passaram dos 30 anos, e Glob se aproxima dos 60 anos, Tia Kae e Moi já estão com quarenta e poucos'
Eztli raciocina com seu parceiro
'Bem, mãe Yuliya e Kletka trabalham como curandeiras nas vilas e na cidade do Baronato que nossa família administra como posse dos Lhublu e dos Drumoxan.
Pai se não está na fronteira como comandante, está administrando o Baronato, Moi de vigia da propriedade e Glob e Tia Kae como nossos seguranças pessoais, tudo isso fez todos ficarem mais amadurecidos.'
'Glob, Kalinie e Moíah são quase exceções, eles já tinham experiência nisso.'
Eztli diz
'Vou fazer 6 anos em alguns meses. Nossa ... o tempo passou voando. Dizem que uma vida regrada e uniforme é entediante e demora a passar, mas em tempos turbulentos, o estresse e preocupação faz o dia ser muito mais longo'
Graco se diz perplexo, contudo ele não sente que o tempo foi perdido, ele fez o que podia aos seus limites e com cautela.
A sensação de estar em uma corrida compulsiva e cheia de obstáculos foi substituída lentamente por uma maratona constante e progressiva.
Ele não tem estímulos que o distraiam também.
Atividades infantis obviamente não são de seu agrado, a preguiça desestimulante dificilmente o atinge, e ficar à toa nem foi cogitado, além de não existir outro tipo de passatempo.
Isso resultou em Graco perguntar a Globrilov sobre livros, e ele lhe disse que tudo que tinham nesta casa seus pais doaram e compraram com a verba municipal para a escola pública do Baronato.
Desde livros de história, economia, geografia, filosofia á contos e fábulas.
'Tá bom, deu de papo, Graco. Temos que explorar aquele grimório, faz dois dias que o descobrimos e nem o invocamos de novo.' Eztli diz com um bater de palmas mental, como se para encerrar a divagação
'Era fim de semana e me arrastaram para comer o bolo da Tia Kae.'
Graco apresenta sua defesa
'E estava delicioso. Se concentre e vamos.'
Graco acenando com a cabeça, se levanta de sua posição deitado de costas com as mãos atrás da cabeça na sua nova cama e vai se sentar no tapete no centro do seu quarto.
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Ele não quer ser visto pela janela do seu quarto, total discrição é o lema dos dois, mesmo que ninguém da família esteja no jardim.
'Não se esqueça de fechar a porta com a chave.'
Eztli o avisa
'Ok'
Graco faz como indicado, e logo se senta em posição de lótus no piso da madeira negra polida.
Ele fica nem dez segundos de olhos fechados quando sente que suas pálpebras evaporaram e a leve coceira das escamas surgindo em sua pele.
A fumaça escura cinzenta é trazida pelo nada à seu ser, o metamorfoseando.
De olhos permanentemente abertos agora, Graco examina a progressiva tonalidade pálida se escurecendo de seus antebraços até o preto absoluto de suas mãos esguias e com dedos de garras.
Ele sempre se surpreende com a metamorfose.
'E agora? Como invocar aquele grimório?'
'Tente sentir o mesmo sentimento daquela vez, o grimório se transformou em fumaça e foi absorvido pelo orbe em sua última transformação.'
Eztli aplica seu tom explicativo
'Certo.'
Graco diz com incerteza, ele nem se lembra direito do sentimento, pois ele entrou em um transe alucinante naquela vez.
Sem poder fechar os olhos, Graco apenas fica ali, parado e tentando atingir um foco estranho.
Ele descobre que não consegue controlar sua respiração, ele não tem mais a capacidade de inspirar e expirar, sua obtenção de oxigênio é totalmente independente e involuntária.
O lado bom, no entanto, é que ele também parou a emanação da fumaça negra cinzenta de sua pele, isso fez suas veias pretas se relaxarem e não serem inchadas.
'Porra, assim não têm como. Não consigo fechar os olhos e nem respirar por vontade própria, meu sistema respiratório virou um tipo de coração automático.'
'Pelo menos, é possível te ver normalmente, aquela fumaça deixava sua aparência muito abstrata e abstrusa. Essa sua respiração talvez te dê a fraqueza de não poder ficar embaixo da água, Graco, além de ingerir venenos gasosos.'
'Que vantagem tem? Mas acho que serve para ser evasivo e sorrateiro.'
'Possivelmente a anatomia dos sentidos mudaram também. Entre dentro do armário e se feche, vamos testar sua visão.'
Andando agachado, Graco abre a porta dupla de seu armário de madeira com gavetas para roupas e se senta entre os cabides pendurados. Fechando as portas lentamente, Graco vê que sua visão permaneceu inalterada no breu.
'Que doideira isso.' Graco comenta com olhos duvidosos
Sua visão era tão boa que até suas mãos pretas ele distinguia no escuro. Estranhamente sua figura tornada esguia e delgada pelo aspecto umbral o deixava mais flexível, mesmo comprimido neste espaço pequeno ele se sentia confortável.
'Tente sentir seus batimentos cardíacos.' Eztli sugere
Colocando a palma da mão direita no centro do peito, Graco sente que seu coração bate lento e languidamente.
'Normal, eu acho. Mas sinto que não consigo suar, um instinto, sabe?'
'Entendo.' Eztli diz, mas até ela fica pasma e incerta com as próximas etapas.
Graco sai de seu guarda-roupas, seu rabo rebelde traz consigo algumas camisas. Graco às expulsa com exasperação. Sentando novamente no tapete de veludo, Graco fica perdido no que tentar.
'Só sobra as tatuagens' os dois dizem em sincronia.
Tentando mexer suas tatuagens que parecem ter vida própria como sua calda lisa, ele faz em vão.
'Pensar racionalmente não está me ajudando, mas uma intuição inerente surge quando estou no aspecto umbral.'
Graco passa para Eztli suas sensações bizarras.
Eztli começa a tentar digerir estes pressentimentos, e isso dá a ela um clique nas suas ideias.
'Acredito que as tatuagens são como mecanismos das magias da entidade. Tipo escritas de regras que não entendemos, mas devemos sentir, é um instinto natural, tipo uma criatura com pouca sapiência.'
'Tudo que a entidade nos diz é por puro instinto de nos manipular, ela é inteligente emocionalmente.'
'Então creio que as tatuagens são engrenagens da máquina, portanto tente ... sei lá? Imaginar o livro saindo de você e moldar a fumaça que sai de suas veias para isso.'
Eztli tenta raciocinar com o tipo mentalidade de uma entidade que somente tem instintos primitivos, como um animal, ele já tem suas garras, presas e camuflagem, somente deve aprender a usá-las. É inato.
Ela crê que Graco já têm as amarras de seus poderes afrouxados depois que ela se fundiu com o orbe e ganharam mais autonomia devido a isso, portanto é somente a exploração à deriva neste ponto.
Ela repassa o cerne de suas ponderações a ele, e ele suas suspeitas instintivas. Os dois degustam estes questionamentos intrínsecos até chegarem ao entendimento mútuo para fins de segurança.
'Ok, calma aí, acho que peguei a dica. Traz toda a sua consciência para minha alma, Eztli, precisamos de todo nosso âmago nisso.'
Graco se expressa seriamente.
Ela invadi a alma de Graco com seu intelecto, como se estivessem coabitando o mesmo cérebro. Isso faz acender o ponto branco no centro dos olhos pretos abissais de Graco.
Segundos se passam com eles sentindo somente a coceira no fundo da mente, unicamente uma espécie de premonição surge, que os guia cegamente em todos os sentidos.
A fumaça é tudo desse poder, ela é a responsável. Ela traz a voz sedutora da entidade, seus poderes, seu clima maligno, ela é macabra e fúnebre, sinistra e luxuosa. Ela é o pecado dos vivos, repugnante e considerada a escória entre os dons.
O silêncio da madrugada na grande casa se estende como um abismo ilimitado, o quarto de Graco, emana ares de um vazio sombrio e mórbido.
O paradeiro do corpo de Graco, origina uma atmosfera sinistra e medonha, sua pele pálida doentia e opaca faz um contraste com a meia-luz taciturna oriunda da fumaça negra cinzenta que começa a ser exalada lentamente pelas veias antes leves, mas agora inchadas que rastejam e adornam seu físico.
Banhado pela penumbra reluzente do luar, o rosto de inexpressivo de Graco é tomado pelas artérias esotéricas, sua figura vai sendo vagarosamente imbuída no gás vicioso, deixando sua imagem distorcida e turva.
Somente o pequeno pontinho branco em seus olhos difere de seu semblante em forma de uma sombra dançante e errática formada por uma fumaça fosca.
Serpenteando sua carne como uma víbora avarenta, as tatuagens vão ganhando novas formas e estruturas, criando um fraco som rastejante. As sombras do quarto oscilam independentemente, esgueirando-se para a estrutura desolada de Graco.
Saindo de seu corpo pelo chão, as tatuagens se ligam a estas sombras, desenhando no próprio chão um pentagrama com uma miríade de letras e pontos pretos irregulares pelo desenho.
A aura vil de Graco se desprende de seu corpo, sendo sugada lentamente pelo pentagrama simétrico e perfeito com Graco sentado apaticamente em seu centro. Consequentemente, o processo de expelir fumaça é pausado aos poucos até parar totalmente.
Eztli e ele apenas vão se aprofundando neste sentimento, como se caminhassem vagamente por um abismo enquanto carregam uma vela fraca em um pequeno candelabro preto.
Eles não se sentem perdidos e desolados, a presença um do outro juntamente com um propósito subjetivo são sua bússola e mapa nesta trilha invisível no limbo.
Devagar, porém sem pausas, todo o pentagrama vai sendo absorvido pelo corpo de Graco, suas tatuagens se instalam novamente como uma dança excêntrica.
A tatuagem do coração anatômico no local da artéria carótida de seu pescoço, se ilumina suavemente ao mesmo tempo que libera uma fumaça translúcida que demoradamente entra nas vias respiratórias de Graco.
O orbe na arcaica gargantilha pisca levemente uma única vez, fazendo com que as longas orelhas de Graco se contraiam e sua boca sem lábios e gengivas pretas se abra pausadamente.
Subindo por suas costas, espreitando por seus ombros, descendo por seu peito, as tatuagens se estacionam na região entre o esterno e o abdômen, e se reúnem cada uma para formar um círculo preenchido por uma cor preta abissal.
Com os instintos os orientando, ele leva sua mão dominante lentamente ao torso, e Graco progressivamente adentra sua mão dentro do círculo abissal em seu torso.
Com a própria mão dentro de si, eles sentem-se oco por dentro. Indiferentemente, a mão vai saindo de dentro deste limbo em seu esterno enquanto segura um grimório vestindo o mesmo couro negro antigo da gargantilha.
Com um som parecido com o estalo da língua no céu da boca, as tatuagens se desprendem instantaneamente, desfazendo o limbo no centro do tórax e tirando Graco e Eztli de seu transe alucinante.
Todo o processo é gravado em pedra em suas memórias, naturalmente os fazendo saber realizar isso sem o devido ritual a partir deste momento.