Em uma das manhãs solitárias de Graco após alguns dias de todo o planejamento com Eztli, Globrilov faz a típica visita a Graco. Agora mais afeiçoado pelo garotinho manhoso, Globrilov o tira do berço sem preocupações, o hábito somado com a experiência criou a maestria.
Ainda com seu rosto calmo que traz um leve sorriso de não mostrar os dentes, mas que já cria linhas suaves devido a rugas oriundas da idade avançando, Globrilov carrega casualmente em seus braços um Graco que o olha curioso.
Sentindo a aparência esguia do homem de meia-idade, Graco observa seus olhos cinza prateados claro e cabelo da mesma cor, somente um pouco mais escuro. Sua barba rala que se entrelaça com um bigode fino, traz um semblante sério e arrumado com seu terno preto impecável e sem gravata.
O único som da sala é o caminhar dos sapatos pretos reluzentes de Globrilov. Parado em frente a grande janela com Graço em seus braços, os dois olham a paisagem do jardim bem cuidado da propriedade.
''Vô Glob'' Graco diz com brandura
E isso gera uma boa reação, tira o homem de sua normal indiferença. Como se tivesse sido expulso de um transe frequente, Globrilov olha afetuosamente para Graco.
Mesmo já tendo passado meses desde a vinda de Graco, Graco falou muita poucas vezes com Globrilov, e para salientar, ele já não falava muito com os outros.
''Já sabendo falar um pouco pequenino? Aprendeu os apelidos com sua irmãzinha Kibi, é ?'' Globrilov diz lentamente, ele espera que, apesar de Graco ter um ano e meio, ele consiga entender.
''Ela sempre que me visita fala sobre todos''
''Ela gosta muito de você, Ac. De todos muito, mas você, ela é fascinado.'' Ele diz a Graco enquanto caminha de costas e se senta na cama, ainda virado para a janela, mas olhando para a pequena criança.
''Vô Glob, também gosto de todos.''
''Sabemos disso, até o distraído Moíah sabe.'' sorrindo, enquanto diz isso, Globrilov volta seu olhar para o cenário através da janela.
O silêncio segue após isso, segundos se passam e o peso de reiniciar a conversa é somado aos poucos. Sentindo sua inatividade social na prática, Graco trava.
'Pergunte a ele sobre a expressão de preocupação dele. Se esforce, este também é um treinamento, Graco. Globrilov foi o que você menos conversou entre todos, pergunte sobre ele.'
Eztli instrui rapidamente Graco, até para ela o clima da conversa está se desintegrando.
''Por que Vô Glob está sempre assim?'' Graco, tentando manter a fachada da criança bobinha, filtra suas palavras com cuidado. Ele segue o conselho de Eztli, mas fica difícil para ele manter este teatro infantil.
''Assim como, Ac?'' Globrilov pergunta mansamente, mas a pergunta de Graco fez ele ter uma curiosidade pela percepção infantilizada do garotinho.
''Vô Glob parece estar preocupado, ou pensando muito''
''Olhos muito astutos você têm, Ac. Vô Glob está, mas não é assunto para os pequenos.''
Suas palavras afáveis são que Graco esperava, entretanto não é motivo para não tentar despertar o fascínio do senhor.
''Vô Glob conhece as mães faz tempo? Acho que elas gostam muito do Vô.''
''Eu segurava elas como você agora, elas eram menor que você quando eu as conheci.'' Globrilov diz pensativamente, sua expressão se transforma em um profundo palácio de memórias que Graco reconhece, pois esteve nele frequentemente, um palácio antigo de memoriais do passado.
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''Por que elas são parecidas, mas tem cabelos de cor diferentes, Vô Glob?'' Graco diz lentamente, mas não perde tempo em deixar o homem cair em seus próprios pensamentos.
''Elas são irmãs de sangue, Ac. É uma condição rara, mas acontece''
''Papai é casado com as duas?'' Graco sabe que já está saindo do limite da inteligência normal de alguém de sua idade, mas algumas questões estão o alfinetando a meses para ser saciada.
''Em nossa sociedade, um homem só pode se casar com mais de uma mulher se suas esposas forem gêmeas, e elas consentirem.''
Globrilov diz devagar, mas ele vira seu olhar para Graco novamente, avaliando-o fascinado, tentando saber se a criança entende tal frase.
Ele diz, e Graco nota que ele não parece descontente com este arranjo de casamento. Pelo contrário, satisfeito e realizado.
'Acho que ele notou alguma coisa. Tomará que não seja o núcleo' Eztli diz com apreensão, ela e Graco não sabem exatamente o quanto anormal isso é.
'Ele é sagaz, se fosse o núcleo ele já teria notado faz tempo. Posteriormente devemos explorar um modo de o esconder, Eztli, se não ficamos nas mãos da sorte deste jeito.'
''Raposinha espertinha, você é bem curioso para sua idade.''
Globrilov diz afetuosamente, o despertar de seu interesse por Graco ser não apenas um pequeno menino, mas um com astúcia, o faz olhar mais atentamente para ele.
Graco responde com uma risada infantil e estende os bracinhos para passar as mãos pela barba espinhosa de Globrilov.
''Ganhei um novo apelido?'' Tentando disfarçar, Graco se surpreende por Globrilov esfregar carinhosamente seu rosto em suas mãozinhas enquanto fecha os olhos cansados.
''Ganhou, sim. Ac, a raposinha espertinha da casa Lhublu Drumoxan.''
Pela primeira vez, Graco vê Globrilov rindo, fracamente rindo, mas rindo.
''Apesar de você ter o cabelo e olhos do seu pai e seu avô, você me lembra de suas mães quando criança.'' falando com saudade e afeto, Globrilov se levanta para levar Graco ao berço.
''Meu avô não é você, Vô Glob?'' O interesse extrovertido de Graco foi despertado com um fato que ele deixou passar.
''O pai de suas mães era amigo de longa data do pai de Vermuthi. Eu sou e sempre fui o mordomo da casa Lhublu, cuido de suas mães a anos.''
A voz de Globrilov traz uma tristeza efêmera, mas ele segue em frente em levar cuidadosamente Graco para seu berço.
''Mesmo assim, ainda o considero meu Avô, sempre será assim.'' Graco, involuntariamente saindo de sua atuação, diz com firmeza, a sinceridade de seu tom surpreende ele mesmo. Eztli assistindo toda a cena, prende a respiração inexistente.
''Obrigado, pequeno Ac.'' Parado em frente ao berço de Graco, Globrilov paralisado por alguns segundos enquanto olha nebulosamente para a parede do quarto. Fechando lentamente seus olhos, Globrilov fica estático no mesmo lugar.
Isso dá tempo de Graco ver pela primeira vez sua aparência. Virando seu rostinho para o espelho adjacente à cama de seus pais, ele vê um garotinho de cabelo roxo violeta escuro com traços pretos profundos e de íris violetas anoitecidas circundadas por uma cor prata viva.
Ele tem uma aparência fofa com a roupinha branca de seda, e isso somente destaca o breu de seu cabelo que passa das orelhas.
As cores dos olhos criam uma discrepância esquisita fazendo com que Graco foque na observação de seus olhos, seu cabelo é parecido com a cor do de seu pai e Kalinie, contudo a negritude da cor de alguns dos fios é abissal como a escuridão, é uma tonalidade intensa e obscura, porém não doentia como a cor da entidade.
'A cor dos seus olhos é um contraste implacável com o que consideramos normal, Graco. E não era você que dizia achar Globrilov estranho? Acho que suas emoções amorosas são mais fortes que sua desconfiança, pequeno Ac.'
'Não conheço a história dele, mas admito que gosto muito dele e dos outros, e agradeço que minha empatia com os entes queridos não tenha sido varrida. Acredito que o prata dos meus olhos vem do meu avô materno que Globrilov disse, mas você não acha que meu cabelo tem alguns fios muito negros? Gostei da cor, entretanto.
'Talvez seja influência da entidade. Você não vê, mas seu cabelo no aspecto umbral fica um escuro absoluto, como se ofuscasse a luz.''
'Ver pelas suas memórias e ver pessoalmente é como água e vinho.'
'Hmph!'
Achando engraçado a reação brincalhona de Eztli, Graco vira seu olhar para o rosto de Globrilov, que agora demonstra um sorriso que destaca dentes brancos e alinhados.
'Se eu tivesse um sorriso destes na época que eu fumava, eu sorriria mais'
'Como se fosse possível com seu tabagismo extremo.'
''Tudo bem, Ac. Tá na hora do Vô Glob ir, daqui a pouco Kibi virá te ver.'' Globrilov entrega Graco a seu berço com cautela, e logo segue caminho pela porta.
Globrilov tentou disfarçar, mas não passou despercebido os olhos marejados dele por Graco e Eztli.
'Inesperadamente tímido em algumas situações, né?'
'Toda pessoa tem suas fraquezas, a dele é a saudade para com o passado e a fragilidade do presente. Não vimos seus filhos, e creio que é anormal para a nobreza ter uma família pequena como a nossa, acontecimentos que não sabemos desestruturam nosso sobrenome'
Graco diz com uma sensação de igualdade e empatia, Eztli sente as emoções dele, e vê que Graco se apegou sem perceber ao velho homem durante os meses que passaram, afinal os dois são muito parecidos em alguns aspectos.
Eztli sem perceber também, fica feliz pelo progresso lento mas contínuo de Graco, ela sabe como é viver sem alguém que ama você, ama sua existência e seu ser.
Ela quer isso tanto para Graco, quanto para ela, ela não sabe como terá um novo corpo, mas se contenta com as sensações de Graco e quando ela assume o corpo dele.
A parceria dos dois se estende, em um momento futuro será uma vastidão inquebrável e calorosa. Eles têm suas discordâncias, porém eles se completam, se fortalecem no caminho que esperam conseguir.
Uma casa é construída com materiais, um lar com boas lembranças. Graco sente a nostalgia dessa sensação, e Eztli a novidade de estar a sentindo.
Seu laços ficam densos como aço, a dependência emocional se torna um pilar central, não um que se cair leva toda a estrutura, mas um que a carrega com firmeza e não irá cair apesar de todas as avarezas e insalubridades, tudo pode ruir, mas o pilar continuará existindo com tenacidade como um arauto nefasto.
E um dos mais comuns, é a dificuldade de demonstrar o quanto se importam com os outros, o instinto de autoproteção age primeiro, a relutância de amar alguém novamente dói como uma ferida agindo como um aviso.
Contudo, eles tentam e querem amar novamente, afastar a frieza da apatia de suas entranhas, voltar a ver as cores do mundo. E quando provam a cornucópia, eles se agarram a ela com unhas e dentes, caem atirando, e morrem lembrando que foram felizes enquanto a tiveram.
Após este conversação casual e afetuosa, semestres se passam, muitos aniversários são comemorados e Graco, junto com Eztli, aprecia a troca de estações. Graco começa a interagir mais com a sua família, conseguir se comunicar e ter saído daquele véu amaldiçoado o ajudou enormemente.
Ele continuou com seu treinamento escondido, sua vitalidade ficou mais tenaz, seu corpo mais nutrido e saudável, e sua alma mais tranquila. Sua convivência com Eztli se tornou uma amizade que ele nunca pensou que teria, algo puro e agradável.
E isso fez ele ter mais controle e uma sensação de segurança com o poder, mas isso pode ser um erro ilusório de seu comodismo de uma vida na paz.