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'Foi bom conversar com ele, nunca tive um avô, mas sinto que Glob pode ser o mais perto dessa figura. Alguém que te instrua no lugar dos pais, e tenha a sabedoria dos que viram as rodas da história se moverem.'

Graco indaga de forma apologética sua crença sobre a figura paterna. Ele teve uma pessoa que o orientasse nas questões morais da vida, porém seus ensinamentos foram pulverizados e diluídos na bestialidade da guerra.

Sem as travas morais e com o lembrete da morte iminente, muitos se entregaram no hedonismo e promiscuidade desenfreados, se prender a crenças limitantes, por mais belas que eram, havia se tornado algo inútil e sem sentido perante a chance de você ser dilacerado.

Portanto, para Graco, ter esta paz juntamente com todo o afeto de sua nova família afrouxou seus nervos de aço, reduziu sua antiga fúria a cinzas. Todos os meses que passou se tornaram uma terapia banhada na redenção psicológica, tanto ele quanto Eztli, criaram novas concepções acerca da vida.

Nada drástico que os tirou de suas percepções niilistas enraizadas no comportamento cognitivo, contudo nuances foram adicionadas aos poucos, tornando-os mais propensos a se puderem ter escolhas mais leves, porém dificultosas, ao invés da tática violenta e conveniente, eles refletiram.

'Concordo, Graco. Ele já está envelhecendo, não sabemos o que o preocupa ou que o faz ser ansioso, o que você pode fazer é se aproximar mais dele. Talvez ele te ensine sobre a magia'

'Estamos em uma encruzilhada cercada por barreiras. O desenvolvimento do nosso poder está encalhado, tentar novos métodos ou forçar o caminho pode gerar danos. Mas nesta idade isso era inevitável, ninguém tendo quase 2 anos têm as condições cognitivas para pensar sobre ter mais poder'

Graco raciocina com pesar, seu progresso era linear e estável, mas nas últimas semanas a eficiência do treino de respiração da energia mundial foi se tornando mais diluída.

Os ganhos de tentar refinar seu físico foram se tornando obsoletos, os resultados chegavam, entretanto eram em contagem de gotas.

‘Somos restringidos pelas condições de sua idade corporal, Graco. Mesmo que daqui a algum tempo você pedisse ajuda a seu pai ou avô para o treinar, a nossa largada inicial não será mais uma vantagem.'

'Eu sei, o desenvolvimento do núcleo e da energia vital depende de fatores além da respiração que nem sabemos, pode ser somente deixar o tempo passar, mas este é um caminho que não posso seguir.

O tempo ajudará, mas também ajudará os outros, temos que ter algo exclusivo nosso. Vamos ter que fuçar mais sobre a entidade, Eztli, é o mais viável. Sem perigo, sem ganhos.'

Os dois suspiram com aflição, mas sabem o que devem fazer.

'Por enquanto ninguém sabe que você tem um núcleo e é um reparador, e isso é um ganha tempo. Creio que o poder da entidade deve ter algo que camufle isso, se esconder é necessário, com certeza a entidade deu esta capacidade a seus portadores, eles não podem ser caçados em sua fase de maturação'

'O aspecto umbral não resolve isso?'

'Ele é custoso com o tempo, mas devemos tentar, pode ser que não vimos toda a gama do poder.'

'Fique atenta, Eztli, alguém pode vir me ver.'

'Ok, te vigiarei também'

Acenando com a cabeça, Graco fecha os olhos e se concentra. Ele sente seu orbe abissal tremer levemente, e começa a liberar a típica fumaça negra. O gás dançante orbita seu espelho esférico e sua alma cinzenta, criando raízes que se aprofundam neles.

Quando ele abre os olhos, Graco sente as mudanças loucas em seu corpo. Ele se levanta do berço com seu corpinho gordinho para ficar de pé, e rodeia seu olhar por toda a sala e vê apenas as mesmas partículas, linhas e fumaça translúcidas.

Suspirando de decepção, Graco se joga de costas no berço.

Instintivamente, devido a prática constante, Graco fecha os olhos e começa a inspirar e expirar ciclicamente, diferente das outras vezes que trancava a respiração para aguentar o aspecto umbral.

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Como se estivesse nas ondas do mar, ele se deixa ser levado livremente, a leveza de ser uma boia humana à deriva faz ele ficar entorpecido.

As formas translúcidas no ar começam a serem sugadas levemente por seu corpo, ondas trêmulas e escurecidas surgem perto da pele dele, gerando uma imagem errática do corpo de Graco.

A luz próxima de seu corpo é puxada, fazendo-o parecer um espectro. Uma fumaça doentia que escorre repugnância pelo mundo é emanada de sua pele, ela se contorce e tenta devorar seu entorno.

Graco sente que está quase ativando algo dentro de si, o sentimento de sufoco nesta forma está mais controlável a ele, ele consegue manter por mais tempo sem se sentir sendo controlado pela entidade.

As tatuagens de letras em seu corpo se movimentam, organizando-se como um formigueiro em transe.

Se aprofundando-se neste sentimento, ele não ouve nem a voz nervosa de Eztli, Graco a traz forçadamente para isso, puxando suas almas fundidas para o vazio.

Como se estivesse explorando a escuridão, Graco sente que ainda não está preparado para ver lugares deste limbo, ele cruza passagens estreitas, chega a terrenos acidentados, a percepção do tempo se torna irregular.

Caminhando vagarosamente às cegas, somente pelo puro instinto desolado, com olhos nebulosos, o silêncio absoluto o empurra cada vez mais longe neste trajeto no abismo vasto e vazio. Neste estado, Graco e Eztli não são indivíduos corrompidos, somente espectadores imparciais e amorais.

Toda sua personalidade é retirada, deixando-os crus e ocos, sem todo o comportamento mecanizado de anos de sofrimento, eles não sentem nada. Abraçando a sensação de se aprofundar neste vácuo existencial, a inércia de emoções se torna uma anestesia do mundo ilusória de sensações humanas.

Em um local no meio de uma noite sem luar ou estrelas, Graco e Eztli chegam em uma cidade aniquilada, com árvores caídas e sendo queimadas por um fogo negro, carros e tanques capotados e amassados incinerados pela mesma chama escura.

Casas e edifícios estão destruídos pelas ruas de chão não asfaltado, pessoas caídas e chamuscadas, algumas carbonizadas até serem cascudas com cor de um carvão.

Enxergando tudo cinzento, como se até a qualidade de ver as cores fosse algo humano, eles passam como cegos parciais pelo ambiente inóspito e produto da guerra.

Pelo céu é possível enxergar fumaças escuras se erguendo às nuvens, sendo levadas por um vento calmo e seco.

Trilhando com passos apáticos por toda a ruína, eles param lentamente sua caminhada quando veem um homem jovem. De cabelo raspado, etnia asiático, sujo até o rosto por uma fuligem cinza, com roupas que mais parecem trapos usados, e de uma bota alta, magro e decadente é seu físico miserável.

Este homem moribundo está ajoelhado enquanto uiva gritando e chorando, batendo furiosamente com os punhos no chão, não se importando com a condição de suas mãos sangrentas e flageladas.

Nesta paisagem decrépita e abjeta, a visão solitária deste jovem berrando lágrimas secas, aparenta ser a pintura perfeita do desespero. Um massacre nefasto ocorreu a poucos minutos neste lugar, este fato torpe resulta na corja dos sentimentos.

Mesmo assistindo com expressões indiferentes, Graco e Eztli choram silenciosamente lágrimas negras, elas escorrem lentamente por seu rosto impassível.

Esta fábula desesperadora deste sonho lúcido os fazem serem robôs automatizados, mas não os impede da ação mais sincera do ser humano: chorar.

Eles queriam abraçar protetoramente e chorar junto aquela pessoa, mas eles estão paralisados forçadamente, somente sendo obrigados a ver um dos momentos da virada de chave da vida melancólica de Loc Wang, os minutos posteriores que a cidade que seu pai e mãe moravam foi bombardeada.

Correntes negras surge e prendem forçadamente Graco e Eztli, um véu negro acompanhado por uma fumaça abissal chega e cobre Loc.

A entidade aparece e começa a conversar sedutoramente com ele, fazendo Loc balançar freneticamente a cabeça em discordância enquanto a agarra com as mãos imundas, primitivamente, Loc começa a gritar com um tom agonizante e animalesco.

Um silêncio perturbador cai como uma avalanche na cena que Graco e Eztli presenciam, suas lágrimas negras escorrem fortemente pelos olhos ardentes, eles sentem tudo que Loc está sentindo.

Toda a dor, remorso e ressentimento, ódio, desespero, medo e perdição são misturados em uma vontade de destruir.

Sons de soluços se iniciam para logo serem substituídos por uma risada fraca e arranhada, Loc se levanta tremendo e sai para ir aos escombros. A entidade o acompanha enquanto balbucia juramentos tiranos.

A visão se embaralha como se estivesse derretendo cera, o cenário muda para um Loc com as mesmas roupas se jogando contra um grupo de dois soldados ocidentais e dois vietnamitas dentro de um bunker imundo. Todos estão de pé e nervosos com a raiva de Loc.

Um soldado ocidental toma a liderança para falar com Loc, todos estão desarmados e com as armas penduradas longe de si, a pouco tempo estavam deitados.

Loc avança com uma faca na mão, sem se importar com a tentativa de conversa do homem. A adrenalina acelerou seu sangue e o desespero extirpou suas emoções, isso fez Loc decolar com passos decididos.

E antes que alguém pudesse reagir o punhal de Loc afundou na garganta do soldado do ocidente, fazendo ele ter um olhar surpreso, sons borbulhantes são gerados da traqueia dele antes que Loc o chute na virilha.

O soldado cai agarrando a própria garganta com as duas mãos, como se fosse um boneco de pano, ele se contorce no chão enquanto recebe uma saraivada de chutes de Loc.

Os olhos de Loc são tingidos de um brilho faminto e louco, mesmo diante da desnutrição de Loc, o grupo não reage o subestimando. Aproveitando a oportunidade de estarem atônitos, Loc ergue seu fuzil pelo cano e tenta atingir a cabeça do homem mais próximo com um balançar rápido.

A coronha da arma não o atinge por pouco. O impacto com a parede deixa as mãos de Loc dormentes, sem se importar com isso, ele atira sua arma contra a cara do homem mais distante, acertando-o no olho e fazendo-o cair de joelhos enquanto grita de dor.

Diante do estupor maluco de Loc, o soldado oriental se joga tentando agarrá-lo pela cintura, e consegue. Levantando Loc, ele não percebe que Loc traz consigo um ferro quebrado e pontiagudo.

Loc sem se importar com a chance de ser jogado no chão, crava repetitivamente o espeto enferrujado nas costas do homem em um frenesi psicótico. Os dois caem, dando brecha para Loc começar a levar uma série de chutes de botas.

Loc se encolhendo diante dos golpes, tem os olhos enervantes e injetados de sangue, rangendo os dentes, Loc se levanta rapidamente e morde a garganta do soldado asiático, arrancando um pedaço que faz jorrar sangue no rosto de Loc.

Encharcado de sangue, Loc encara o último homem, um soldado do ocidente que agora porta porrete.

Eles entram em briga bestial, as armas foram perdidas no alvoroço, mesmo sendo uma briga desproporcional na diferença de peso, o ímpeto fervoroso de Loc é discrepante.

Loc ganha a vantagem quando fura os olhos do homem com os dedos sangrentos. Sentindo o medo da morte, o soldado começa a se debater, infelizmente para ele, Loc agora com seu porrete começa-o a espancar por todo o corpo até a submissão.

Os aniquilar não é o fim para Loc, ele bate e ergue o bastão contra a cabeça do homem até ela virar uma pilha de guisado no chão, seu corpo espasmódico se comporta como uma minhoca desorientada.

Os outros corpos recebem o mesmo tratamento, além de serem esquartejados e picados pelos próprios facões que possuíam pelos intensos ataques frenéticos de Loc.

Neste vil banho de sangue, Loc teve o prazer de encher a banheira. Coberto por vísceras, merda, pedaços de cérebro e carne, Loc reavalia todo o massacre atroz e implacável que fez com uma apatia patológica.

A sombra rastejante da entidade no canto da visão de Loc, aplaude viciosamente como a única plateia deste espetáculo inescrupuloso e desumano.

'As cabeças deles parecem melancias quebradas quando caem forte no chão, não acha o mesmo, meu querido Loc Wang?'

Com sua voz macabra e luxuriosa, a entidade comenta com louvor orgulhoso.