Eu abro os braços para vida, e não deixo que nada me prenda, sejam pessoas ou coisas. O mundo é imenso demais para que nos deixemos enjaular.
- Eles chegaram – Mulo avisou, se afastando um pouquinho de Valentina, que o olhou compreensiva, teimosamente se aproximando dele e tomando sua mão.
Ele a olhou e deu com aquele sorriso enorme no rosto. Então, relaxou.
Assim que fizeram a curva na trilha viram os dois descendo suaves. Eles pareciam flutuar como uma pena no ar sustentados por uma brisa gentil. Então os dois, com as asas abertas, pararam junto às copas das árvores, examinando os dois.
Os dois vigilantes, satisfeitos com o que viam e com a energia que ali havia, fecharam as asas e se deixaram cair na trilha. Com a maior naturalidade se aproximaram deles, que os aguardavam.
O sorriso feliz e luminoso dela os acolheu, e os dois sorriam enquanto se aproximavam.
- Meu nome é Ariel, e este é Lázarus, e somos vigilantes – ela se apresentou.
- E eu sou Valentina, e este cabeçudo aqui é o Mulo – Valentina apresentou por sua vez.
- Pois a Ariel aqui te chamou de Lázarus 2 – Lázarus riu se dirigindo para Mulo, apontando com a cabeça discretamente para a vigilante.
- E é verdade, Mulo – ela cumprimentou.
Ariel deu de ombros, abraçando Valentina, que tomada de alegria a abraçou também. Rindo felizes as duas se sentaram no barranquinho do córrego, os pés na água gelada, desfiando uma animada conversa.
- Nem se aproxime – Lázarus avisou. – Conversa de mulher ali – apontou. - Lugar perigoso e proibido. Que tal abrirmos um clubinho para nós? – convidou com um enorme sorriso.
- Então, você é um anjo... – Mulo falou, os olhos tranquilos e curiosos. – Já vi muitos de vocês, mas...
- Mas não foi lá uma boa experiência, não é mesmo? – sorriu Lázarus. – Você sabe por que?
- Acho que minha energia não lhes fez bem...
- De certa forma é isso mesmo. Você sabe o que você é, Mulo?
- Da última vez me chamaram de nefelin esquisito – contou, o que fez Lázarus rir.
- Você é, digamos, um nefelin de poder, um dahrar – revelou com tranquilidade.
Vendo a estranheza nos olhos do ser, continuou:
> Vocês são seres raros, de imenso poder – explicou, sentando-se em um monstruoso tronco de uma árvore caída.
- Então é isso que sou? Um nefelin de poder? – perguntou com curiosidade, sentando-se ao seu lado.
- Não, não um nefelin. Você, meu caro, é um dahrar. Nefelins são originados do cruzamento de pessoas, demônios ou anjos com humanos. Dahrars é algo diferente.
Então os dois sorriram para as meninas, que se aproximaram e se ajeitaram em troncos de outras árvores que a gigante derrubara em sua queda, de frente para os dois. Elas haviam ouvido parte da conversa, e por ela se interessaram.
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> Dahrars são originados da união de pessoas, demônios e anjos entre si, em qualquer ordem.
- E também de pessoas, mas não qualquer pessoa. Pode ser com uma pessoa, desde que seja pessoa dos fantasmas ou dos demônios – explicou Ariel.
- Ora, então Mulo é alguém assim? – falou Valentina, olhando com carinho para ele.
- Você sabe quem são seus pais, Mulo? – perguntou Ariel, tomada de curiosidade.
Nesse momento Valentina se fixou nele. Lembrava perfeitamente de quando lhe fizera a mesma pergunta, e de como ele se esquivara de respondê-la.
Mulo percebeu a curiosidade de Valentina, e pensou se não deveria judiar dela um pouco. Sorriu por dentro, examinando aqueles maravilhosos olhos negros que tanto enchiam a sua alma.
Voltou os olhos para os dois anjos e suspirou profundamente.
- Não os conheci – respondeu. – Fui criado por uma manira-ellos já bem velha. Ela me disse que me encontrou quietinho, escondido nuns arbustos. Parece que alguns anjos mataram minha mãe. Ela estava um pouco distante de onde eu fora escondido. Quanto ao meu pai, nunca soube dele.
- E ela disse qual pessoa era a sua mãe?
- Não, ela não quis chegar perto.
- Algum deles deve ter algo de pessoa, ou de um demônio. Eu vi farpas de escuridão surgindo de você em nosso último encontro.
Lázarus viu o momento em que a energia dele subitamente endureceu, os olhos ferinos postos nos seus, uma raiva doentia crescendo.
Valentina deve ter percebido essa mudança porque levantou como quem não quer nada e sentou-se bem apertada com ele. A fúria que crescia no dahrar simplesmente se foi, perceberam. Até mesmo Mulo se deu conta disso, e pareceu feliz.
- Precisa controlar isso, meu amigo – Lázarus avisou, os olhos estreitos avaliando os dois, sob o olhar compassivo de Ariel, que não mostrava qualquer sinal de preocupação. Ela devia saber o poder benéfico que Valentina exercia sobre ele, cismou Lázarus.
- Eu sei – gemeu.
- Saber é pouco. Isso que quase aconteceu colocaria você e os outros em risco. Como seria se Valentina não estivesse aqui? – perguntou, a voz preocupada e dura.
- Mas, eu estou – Valentina encarou o anjo, preocupada com seu tom de voz.
- Eles estão tentando, meu querido. Tal qual você – ela riu, o que o fez relaxar. Então, tal como Valentina fizera, ela se levantou e sentou-se ao lado de Lázarus.
- E como seria você se Ariel não estivesse ao seu lado? – perguntou o dahrar, os olhos fixos nos do vigilante.
- Possivelmente tão perdido quanto você – riu, o que fez surgir um pequeno sorriso em Mulo, que relaxou de vez.
- Então, me fale mais de mim. Quanto mais informação, mais fácil deve ficar.
- Está bem. Pelo que vi seu pai é um demônio, um dos mais perigosos que se conhece. Tudo leva a crer que ele é um juguena.
- Não pode ser a mãe? – perguntou Valentina. – Como sabe que o pai é que era o demônio? Os dois não poderiam ser demônios?
- A energia masculina é um tom mais agressivo, mais seco, mais brusco. A sua energia, Mulo, é muito brusca.
O silêncio pesou entre eles. Todos conheciam bem a fama desses demônios, que muitos consideravam demônios puros, e não uma pessoa, tal o tamanho de seu poder e contumaz desprezo pela vida.
Lázarus viu o peso nos olhos do dahrar, e teve compaixão por ele. Mas, apesar disso, a preocupação se revolvia dentro de si. Havia poder demais ali, dependendo do outro ser que o gerara. E desconfiara de quem seria.
- Sinto preocupação em você, anjo. Acha que posso me transformar em demônio, como meu pai?
Lázarus o observou pesaroso.
- Talvez você não saiba, mas os dahrars, quando surgem ou se mostram, são caçados por anjos e caídos. Sabe por que?
- Me diga!
- Não é pelo poder que demonstram possuir, mas pela maldade que os enlouquece. Eles se tornam loucos e destroem tudo em que botam suas vontades.
- Por isso sua preocupação que eu saiba me controlar, mesmo sem ter Valentina ao meu lado?
O silêncio do anjo lhe deu a medida do que acontecia, e viu que ele estava certo.
- Meu amigo, os dahrars são novos, e eu não os conheço em profundidade. Mas, acredito que se você estiver predisposto a se tornar louco, nem mesmo Valentina lhe será de alguma utilidade – falou, vendo o enorme peso que caia sobre o dahrar e sobre a humana.
Com um peso no coração viu os olhos tristes de Valentina, as mãos dela acariciando com carinho as mãos dele, como se fossem uma pequena oração e um pedido.
Os olhos dele estavam quietos, cismando no chão atapetado da floresta.
> Está bem – falou, erguendo os olhos diretamente para Lázarus. - Você está certo, anjo! Vocês podem me ajudar?
Valentina suspirou feliz, pela decisão de Mulo, se aninhando satisfeita em seu ombro. Seu mundo parecia estar bem melhor, agora que estava com amigos.
- Claro que vamos tentar, Mulo e Valentina – declarou Ariel, apoiado por um sorriso gentil de Lázarus.