Eu estou pronto para destruir o passado e lançar a base do futuro, bem aqui, bem agora.
Lázarus sentiu toda a dor que podia sentir, se acumulando perigosamente. Lentamente, podia perceber que cada parte do que acreditava ser verdade, que cada parte da esperança que criara, era roída e eliminada.
A guerra contra os dahrars já durava muitas estações, e nada parecia estar melhorando, mas tudo, certamente, estava num crescendo de almas sendo corrompidas e esmagadas.
- Essa guerra parece que não quer terminar – lamentou uma vigilante, sua voz ecoando pelo grande salão nas entranhas das montanhas no Vale Fendido. – Quanto tempo já? Dezoito, dezenove primaveras? – sofreu, os olhos passando pelos presentes.
- Por que diz isso? – questionou um saci.
- Temos que descobrir o que segura essa guerra contra essas terras, o que faz suas vontades se fixarem assim, dessa forma – falou. – E destruir suas vontades.
- São os demônios – alertou um dranian de porte majestoso, o olhar posto ao longe.
- Não são só eles. Há vigilantes se aproveitando da guerra, bem como pessoas, que desejam trazer os anjos para a guerra, para destruí-los – avisou uma sedenerá.
- Pois a vigilante está mais que certa. Nós temos que dar um jeito em definitivo nisso – avisou um grande comandante Dranian chamado Carbadael, o justo e impiedoso, elevando a voz na assembleia. – Gaia está em grande sofrimento, e talvez não consiga perdurar por mais tempo. A destruição está sendo muito intensa e os lamentos das criaturas estão muito altos. Temos que destruí-los de vez.
- O que propõe, Carbadael? – perguntou um ancião curupira sentado no conselho.
- A destruição de suas bases, começando pelas maiores e mais poderosas, eliminando tudo que esteja dentro das muralhas.
Ante o assombro do que propunha, o Dranian ficou em silêncio, esperando que tudo se acalmasse, o que aconteceu quando o curupira exerceu sua autoridade.
> Sei que lhes causa temor, temor que caiamos, temor que a escuridão que vive em nós se alimente disso, mas não temos outra opção. Estamos lutando como anjos, com compaixão, e eles estão usando isso contra nós. Os de nós em que deitam as mãos são torturados, humilhados, abusados, devorados, e empurrados com violência para a escuridão – relatou, a voz em um tom mais baixo, como se as visões que evocavam lhe trouxessem intensa dor. - Não nos sobrou outra opção a não ser a de que temos que trabalhar pela destruição deles, de todos eles, dos mais velhos aos... aos mais novos – falou, a voz dura num tom tranquilo e distante de um guerreiro. – Lázarus está aqui, e pela velha espada todos sabem que é Sênior em sua essência, e vemos como ele batalha. Temos que segui-lo, temos que lutar como ele.
- Uma carnificina – sofreu uma flor-do-mato, assustada com o rumo que a assembleia tomava. – É o que propõe? Sênior é o Sênior, e ele tem a força suficiente em si para não cair, ainda mais porque ele não carrega o karma. Mas, e nós? O que essa carnificina fará conosco?
- A carnificina já está ocorrendo. Temos que reagir à altura. O que nos sobra?
- Sempre temos opção, sempre temos escolhas – ralhou um saci.
- Pois é isso mesmo que estamos discutindo aqui.
- De igual modo... – sussurrou uma mãe-da-mata, incrédula. – Reconheço e aceito a guerra, quando nela há nobreza e honradez. Na guerra que está propondo não vejo isso.
- Eu entendo isso – interveio um poderoso mapinguari. – Então o que devemos fazer? Deixar que continuem nos matando lentamente? Deixar que continuem se proliferando como gafanhotos e tomem o mundo todo para eles? Eles se matarão somente quando o mundo que lhes deixarmos não existir mais. Somos guerreiros, temos que lutar.
Lázarus ergueu os ombros, sentindo que havia alguma esperança de que as coisas não se perdessem. Ariel apertou sua mão, dando-lhe poder para intervir.
Safiel e o conselho o sentiram e se voltaram para ele, observando-o com atenção, como todos os outros.
Era nítido o desejo até insano de que uma esperança os mantivessem apartados da escuridão.
- Estou de acordo com isso, com tudo o que foi dito aqui - falou. - Mas, meus irmãos, não podemos nos esquecer de como o poder é. O poder não pode ser tirado, ele só pode ser dado. Não são eles que determinam o que somos e o que deveremos ser. Não somos escuridão, e para lá não desejamos nos encaminhar. Somos melhores que isso, somos mais fortes que isso. Sei que me veem como Sênior, e digo que realmente sou assim. Mas, em cada ato que praticamos, somos honrados quando procedemos com nosso coração.
Houve um silêncio geral.
Carbadael o olhou confuso, tentando entender por que um guerreiro como aquele, que já trucidara inúmeros inimigos, estava sendo contra a sua estratégia.
- Se tornou tão fraco assim? – sondou? – Agir com o coração? Que loucura é essa?
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- Se ser forte, de acordo com você, é também trucidar inocentes, então devo começar por aqui, porque aqui há muitos inocentes? – perguntou, a voz num tom frio e perigoso. Então suspirou fundo e amaciou a voz. - Ser dahrar, meus amigos, não deve ser uma sentença automática de morte.
- Já sabemos que você e os seus protegeram inúmeros dahrars...
- Somente os que foram merecedores...
- Então você se tornou um juiz?
- Mais iluminado que vocês, que como juízes levantaram suas espadas e declararam todos como culpados.
Carbadael ficou em silêncio. Por fim seus ombros suavizaram a tensão.
- Também estou cansado da guerra, e do quanto ela nos transforma. Pensou em alguma coisa?
- Esses dias eu conversei com um grande guerreiro, um caipora de olhos cheios de ardorosa paixão pela vida – contou Lázarus. - CãoDaLua é o seu nome. Acho que devíamos ouvi-lo, prestar-lhe a devida atenção.
Lentamente todos se viraram para o conselho, onde se levantava um grande caipora, os longos cabelos de fogo crepitando suavemente.
> Que fale, que seja ouvido – falou Lázarus, ficando em silêncio, os olhos postos no ser de fogo.
O caipora ficou em silêncio, parado à frente de todos, se deixando examinar por algum tempo. Então, com um grande suspiro, mostrou que ia falar.
- Meus amigos, venho pensando há um longo tempo. Estamos nos perdendo, guerreando contra vários inimigos ao mesmo tempo, quando o único pelo qual essa guerra foi iniciada é apenas um: os dahrars. Alguns anjos, e vigilantes, e pessoas, homens e nefelins estão usando essa guerra para seus próprios fins. Foram eles que lançaram os dahrars contra nós, e isso irá continuar e continuar. Então, para mim é simples: penso em um grande isolamento dos dahrars.
- E eles se deixarão ser contidos? – duvidou um pequeno mapinguari.
- Por certo que não – sorriu CãoDaLua. – Mas, observem, eles não são leais a ninguém nem a nada, como nada nem ninguém lhes é fiel, muito menos entre eles mesmos. Eles se alegram quando os outros vão mal, como os outros se alegram quando eles vão mal. Isso é uma vantagem, uma bela vantagem. Podemos isolá-los com relativa facilidade.
- É isso então o que propõe? – estranhou uma vigilante.
- Eles estão como pequenas tribos distribuídas dentro de grandes espaços vazios. Devemos nos aproveitar de que o grosso deles está mais concentrado na metade continental sul; devemos ocupar esses espaços e não lhes dar mais condições de se proliferarem e de se unirem em alianças, mesmo que frágeis. Estrangulamento, enfraquecimento. Isso derreterá a força deles – disse. – No céu, na terra e na água temos que impedi-los.
- Mas, há os que tentam usá-los, e eles irão se por contra nós. Então, não é só sobre os dahrars que estamos falando – gritou um anaquera de modos nervosos.
- Isso é uma verdade – falou o caipora. – Temos que estar preparados, porque todas as forças irão se mostrar, porque será assim que a verdadeira guerra irá ser desembainhada do destino. Então, ao que me parece, isso que você propõe apenas usará o assunto dahrar para colocar todas as outras pendencias, que põe em risco Gaia, se mostre. É isso?
- Que aja uma grande guerra, mas temos que resolver todas as pendências que se colocam contra todos os seres neste mundo – o caipora declarou, sob aprovação de grande parte da assembleia.
- É assim que a luz irá se mostrar, e que a escuridão irá se mostrar também. Então saberemos quem são os verdadeiros inimigos, que maquinam sob os nossos olhos ou escondidos de nós, e não teremos porque atacar os que na luz também estão. Assim, todos lutarão, porque então de honra estará vestida essa guerra – ouviram uma voz soando do alto.
- Honra – Ariel subiu a voz, vendo aquela a oportunidade de que tanto ansiava. – Mas não haverá honra quando matarmos crianças, não haverá honra quando matarmos alguém inocente.
- E haverá honra quando não nos deixarmos sucumbir à loucura, que o medo e o poder soterram os corações fracos – Lázarus falou, a postura tranquila e dura, irradiando luz para a assembleia. – Haverá honra quando lutarmos com compaixão, quando levantamos a espada e sabemos que à frente está um irmão que tomou um outro caminho, quando descermos a espada desejando que faça melhores escolhas da próxima vez, e quando refrearmos a espada, ao vermos que à nossa frente está um ser que sonha com a luz. Disso não podemos abrir mão.
- Muitos de vocês são bons – interveio Mulo, - como muitos de vocês são maus e deploráveis. Mas, nem por isso, todos são caçados e destruídos. Se fizessem assim, seria apenas por medo, por temerem o que não conseguem controlar ou prever. Esse é o velho problema nesse mundo, que parece cada vez se tornar mais imperioso: controlar. Que honra há nisso? É para preservar o que é bom, para proteger a luz que estamos aqui, que acreditamos. Não podemos matar a luz, não podemos dizer a ela que iremos servi-la em um momento mais adequado, mas que agora não. Ser honrado também é uma decisão! – declarou com suavidade.
- Por muito tempo vaguei pensando que não havia nada para acreditar nesse mundo, e que eu só deveria ir me defendendo, dia após dia – falou Avenon por sua vez. - Pois, deixei de acreditar nisso, porque eu acredito que somos donos das escolhas que fazemos, de cada uma delas. Há momentos que são decisivos, e que podem influenciar o tempo à frente. Vejam, esse é um desses momentos.
Lázarus não pode deixar de sorrir orgulhoso. Terem ouvido aquilo de dois poderosos e temidos dahrars como aqueles tivera o efeito que vinha tentando há muito tempo.
O conselho se entreolhou, e parecia que um peso e uma culpa imensos demais lhe haviam sido retirados.
- Obrigado, Mulo; obrigado Avenon. Os ouvimos e vemos honra no que dizem. Assim será!
A surpresa foi imensa quando ele e sua coorte surgiram.
Safiel estava envolto em uma aura diferente, em um poder mais determinado, todos puderam ver. Envolto em paz e luz ambarina ele ficou flutuando contra o teto da caverna que agora parecia transparente, na parte mais baixa de um cone de neblina que se revolvia.
- Do alto vimos a iniquidade dos dahrars e a iniquidade que semearam nos corações de todos os outros surgidos como respostas, que se enraizaram a partir do medo. Do alto vimos a iniquidade dos que se dizem defensores da luz, que não se apiedam dos inocentes na ponta de sua espada, só por serem aquilo que lhe põe receios no coração. Isto precisa acabar – declarou, descendo ao solo, em frente ao conselho, juntamente com um exército de anjos. – Somente a luz nos corações de vocês, que insistem em não desistir mesmo na mais completa escuridão e no mais terrível desespero, é que nos diz que o tempo esperado chegou porque, então, essa é uma guerra pela qual estamos dispostos a lutar.
Safiel olhou para os dois, Lázarus e Ariel, um sorriso distante no rosto.
- O que foi, Safiel? – perguntou Ariel, vendo que o silêncio em volta daquela fogueira parecia que iria continuar a se estender por largo espaço.
- Vejo a felicidade no rosto dos que aqui estão, cansados demais desta guerra. Vocês entendem?
Lázarus confirmou, ao observar Ariel rapidamente.
- Já vi isso muitas vezes, em muitas guerras – declarou.
- Eles acreditam que com a entrada de vocês, essa guerra vai terminar, e tudo voltará a ser como antes. Nada voltará a ser como antes e a guerra não vai terminar – disse Ariel, o rosto com uma pontinha de tristeza.
- Na verdade, vai piorar, e muito.
- As três fases estão em andamento – falou Safiel, os olhos presos na escuridão da noite.