Uma pena no ar indo de encontro ao incêndio que grassa no mundo. Acha mesmo que poderá sobreviver?
Nathan parou na entrada do pequeno casebre de madeira e palha, o arrepio intenso dominando-o. Já sentira isso antes, mas não tão forte como agora. Sentira algo parecido no ano anterior, quando o seu pai fora morto.
Havia algo ali, em sua casa.
Com cuidado olhou para dentro das sombras, no canto à direita, perto do fogão.
Viu os contornos de um homem sentado de frente para ele num pequeno toco de madeira a modos de banco. Pelo que pode perceber ele tinha o rosto quadrado e poderoso. O corpo que se mostrava parecia grande e forte, quase certamente de um guerreiro. Cheirou o ar, e viu que era um anjo que o procurava.
Suspirou e entrou, se congratulando por se manter tranquilo.
Parou perto da porta, de frente para o sujeito, os olhos já acostumados com as sombras.
Com cuidado, tentando não se aparentar desafiador, ficou encarando o sujeito.
Ele estava quieto, os olhos nos seus, o rosto inexpressivo.
Foi então que ele entendeu quem ele era. Ele estivera em seus sonhos nos últimos dias.
- Veio terminar o serviço? Assassinar o meu pai não foi o suficiente? – acusou.
- Você iria matá-lo, de qualquer maneira. Apenas cheguei na frente.
O Nefelin o olhou pensativo.
- Ele era fraco. Ele nos enfraquecia.
- Sua mãe concordou com seus pensamentos?
- Ela se preocupou com essa possibilidade, sim – revelou. – Ela é muito protetora.
- E acha que ela aceitou com tranquilidade?
- Isso não é relevante. Nunca foi... Em todo o caso, veio pelo que acho que veio?
- Não duvide do que já sabe - ouviu aquela voz que parecia ser o próprio ar.
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- Eu o vi nos meus sonhos – revelou.
- Já se perguntou do porquê do sonho? Já se perguntou por que, quando sonha, vê tudo em primeira pessoa?
- Pensei muito sobre isso, e confesso que não consegui entender o motivo.
- Ah, você sabe sim. Você sabe porque eu estou aqui... – falou com tranquilidade, uma tranquilidade fria e calculada, ele bem sabia.
- Desconfio...
- É mesmo?
- Sei que veio tentar me destruir.
- Infelizmente, não vim tentar – falou se elevando, o corpo tornado predador, os olhos fixos, espreitando os movimentos. Com suavidade, da pequena bainha na cintura foi puxando a espada, que crescia irradiando-se numa cor abóbora. – Mas, te destruir é secundário...
- Por que sou um nefelin?
- Um dos primeiros. Sim, por isso. Mas não se trata apenas por ser um nefelin. Já vi muitos nefelins que são bem melhores que muitos anjos...
- Então, de que mais?
- Esse é o problema, não é mesmo? Para você, e os como você, vocês só existem na primeira pessoa. As outras se tornam irrelevantes. Vocês, Dahrars, são uma declaração de que estamos enfraquecidos. Vocês, crianças, são uma abominação, e dá convicção para aqueles que são contra nós.
- Muitos pensam assim – concordou. – Mas, acho que se enganaram. Estranho você não ter percebido, quando matou o meu pai. Não percebeu que ele era apenas um miserável ser humano? Nem mesmo chegou a desconfiar disso?
- Vocês são muito ingênuos. Você planejava matá-lo para que eu não soubesse que ele era um anhangá. Mas, era tudo um engodo, não é mesmo? Uma forma eficiente para que um anjo o matasse apressadamente, com indiferença, não se preocupando em averiguar quem ele realmente era...
O nefelin, em silêncio, apenas o observava.
> Ideia da sua mãe? – sorriu, a espada girando lentamente.
O anjo viu o sorriso maldoso se anunciando no rosto. Sabia que ele se sentia bem melhor agora, ao poder lutar em sua verdadeira identidade.
- Esse conhecimento de nada vai lhe servir, e isso porque, voltando ao motivo da sua visita, espero que concorde que veio tentar. Sei que sou um nefelin, um Dahrar, e que você é um anjo. Mas, quem o enviou se esqueceu de mencionar uma coisa simples: não sou um Dahrar qualquer...
Num movimento rápido como um raio estocou com a faca que disfarçadamente havia pegado da cintura ao mesmo tempo que estendia um véu escuro de ambos os lados, tentando imobilizar o anjo.
Mas o movimento continuou para frente, sem efeito, vazio, a faca se enterrando num dos paus da parede, frágil e inútil.
O nefelin parou, olhando confuso em volta. Ele havia desaparecido.
O anjo se aproximou por trás, pensando como seria o mundo se deixassem que essas criaturas proliferassem sem controle. Talvez toda a criação fosse destruída, porque eles não conseguiam enxergar que nada era apenas sobre eles.
Nathan tentava se controlar quando sentiu algo quente envolvendo todo seu pescoço. E havia paz e as coisas se tornaram extremamente lentas. O calor escorria a partir dali para o seu corpo, enquanto um frio estranho o invadia.
Sorriu, sabendo que seu fim havia chegado.
- Você era especial sim, dahrar, e ainda é, tão especial quanto qualquer ser vivente – falou o anjo com pesar às suas costas, embainhando a espada, vendo o dahrar desabar no chão, uma poça de sangue se formando embaixo de seu pescoço, que cortara bem fundo.
Então, como se tudo fosse pesado, deu um pequeno impulso até o andar superior, parando à frente da porta do quarto, onde uma pequena dahrar dormia agarrada com uma demiana.