Criar deveria ser um ato só do UM? Acho que não, porque não foi ele que distribuiu esse poder? O que pode existir sem que ele deseje?
- Você soube, Lázarus? – chamou Ariel tomada de urgência, se aproximando do alto da árvore em que ele estava sentado, cismando como o mundo parecia estar sendo alterado de uma forma rápida demais.
- O que aconteceu, Ariel?
- Se a gente achava que os dahrars eram raros, pode esquecer. Algo aconteceu, porque agora muitos deles estão sendo avistados.
- Sim, eu ouvi alguma coisa disso. Ainda não encontrei nenhum deles, mas os relatos de encontro estão aumentando, sim. E esses encontros quase nunca acabam bem. Mas, isso já era esperado, não era? Era sobre eles que os demônios falavam, é por eles que eles esperam.
- Mas, você não está nem ao menos surpreso? – Ariel assombrou-se. – Esses avistamentos assim, como que de uma hora para outra, são preocupantes, não são?
- Claro que são. Isso quer dizer que o que temíamos está para acontecer.
- Eu sempre fiquei me perguntando quanto à naturalidade com que encara os dahrars. Por que os encara com tanta normalidade?
- Para mim, quando as pessoas começaram a procriar entre si, pessoas demônios com seres do fogo, seres do fogo com seres da água e outras combinações, o caminho já estava desenhado. Quando os anjos, demônios e pessoas procuraram os humanos, não foi surpresa os nefelins surgirem, porque eles já eram esperados. Não foi assim? – falou com indiferença. - O aumento do arco de possibilidades dos dahrars também já era esperado. Além disso, eu ainda consigo dar uma espiadinha nas linhas do tempo... E, as mais prováveis de acontecer são as mais nítidas... Os dahrars sempre estiveram espalhados por muitas das mais prováveis linhas – revelou. - E os anjos sabem disso, até melhor e há mais tempo do que eu.
- Está bem, está bem – concordou, sentando-se ao seu lado no galho da gigantesca árvore. – Se você já imaginava que isso fosse acontecer, então por que está com essa cara tão preocupada? O que você viu de possibilidade nas linhas de tempo? – perguntou, cismando se gostaria mesmo de saber. Ser uma caída, com acesso tão restrito ao exame das linhas futuras, em alguns momentos podia até ser considerado como uma dádiva, mas em outros momentos se mostrava como algo realmente desconfortável e limitante.
- Os dahrars ficaram ocultos por muito tempo, tanto que até pensávamos que tínhamos visto coisas. As escaramuças que estão ocorrendo estão mostrando o grande problema que são.
- Mas o mundo está cheio de seres de poder – falou Ariel pensativa. - O poder dos nefelins, originados dos homens com pessoas, ou com anjos ou com demônios não é lá muito grande. No máximo, em raríssimos casos, terão o poder igual ao de seu genitor ou genitora de maior poder. Os nefelins, ao menos grande parte deles, são dominantes em relação aos humanos, podendo com enorme facilidade submete-los às suas vontades. Eu vejo nessa linha que uma guerra é uma grande possibilidade. O que quero dizer é que as pessoas já estão aí há um bom tempo, e a maioria sempre pode submeter os humanos, quando a isso se dispõem. Então, qual a diferença na existência desses... dahrars?
- Você já sabe o que eu vou dizer.
- Sei, mas não quero arriscar. Me diga o que você viu, ou ao menos, as possibilidades mais reais – pediu.
- A diferença fundamental não está no poder, mas na forma como as mentes deles funcionam – revelou, não diminuindo do rosto o ar de preocupação. – A forma como os homens e as pessoas foram criados não irá suportar tal poder. O poder contido nos dahrars, poderes de conflitos, indicam que é muito possível que muitos deles podem ficar loucos com o tempo, provavelmente na puberdade ou, até mesmo, há enorme chance de grande quantidade deles já nascerem loucos.
- Entendendo.
- O que aconteceu com esse dahrar que foi visto? – quis saber, curioso sobre o ocorrido.
- Os que o encontraram apenas tomaram conhecimento dele e o deixaram ir. Parece que ele era o cruzamento de um anjo com uma manira-ellos. Mas, o que chamou a atenção deles era o poder que possuía. Era muito mais alto do que o das pessoas.
- Ao menos esses são dois seres nobres.
Então Lázarus ficou em silêncio, pensativo, a mente examinando possibilidades.
> Ariel, se os nefelins, que são seres de meio poder já causam alguma estranheza e conseguem perturbar as linhas onde surgem, mesmo que de forma tão sutil, o que causará seres com tal poder descontrolado, originados de cruzamentos tão poderosos como demônios, anjos, pessoas, e os próprios nefelins de poder? O que poderá ser originado dessas vias?
Ariel sentiu um frio escorrer pela espinha. A visão que Lázarus lhe mostrava a encheu de temor pela criação.
- Um grande perigo – sussurrou para um vento que passava.
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- Na verdade não importa os pais – continuou Lázarus em seus pensamentos. - No final das contas se resume a seres de grande poder da luz e da escuridão. A loucura seria até esperada ao ser a luz e a escuridão obrigadas a conviver em tal proximidade... E, não há nada que possamos fazer.
- Safiel sabe disso?
- Deve saber. Desde quando houve a batalha contra Beliel a gente não se encontrou mais.
- Ora, e por que não?
- Achei que você soubesse – falou baixinho. – Ele e Beliel eram verdadeiros irmãos. Eles tomaram consciência na mesma família – esclareceu.
- Mas Beliel não era da sua família?
- Ser de uma família não impede que seja de outra. A realidade é que todos, qualquer consciência que existe, faz parte da mesma família.
- Mas, Safiel sabia o que estava se desenrolando. Ele não quis participar. Ele te acusa de algo?
- Não, ele não me acusa. Mas, ...
- Você está enganado, se pensa que sim – ouviram ao lado.
Os dois se viraram ao mesmo tempo e viram Safiel flutuando ao lado deles, o rosto pacífico e tranquilo.
- Ora, que bom que deu as caras. Por que demorou tanto, Safiel? – cobrou Ariel com um sorriso amigável. – Achamos que tivesse ficado chateado com Lázarus pelo que aconteceu com Beliel.
- Ah, temos que respeitar o desejo dele, não temos? Foi uma escolha que ele fez. Mas não foi isso que me obrigou a ficar distante. Além de ser desnecessário a intervenção angélica naquele conflito, a escuridão avançou muito por esse universo.
- Sério? – se preocupou Lázarus, os olhos sondando a face do anjo. – Por que acho que não vou gostar do que vai nos dizer?
- Vi que já sabem dos dahrars.
- Sim, acabamos de conversar sobre isso.
- Pois é... Por alguma razão esse sistema solar se tornou peça principal num quebra-cabeças muito perigoso. O quarto planeta já foi arrasado, vocês sabem, há muito tempo atrás, quando os escuros tentaram tomá-lo. As formas dominantes que lá estavam encheram os olhos dos escuros de possibilidades.
- E as formas que surgiram aqui são bem mais avançadas, e desejadas que aquelas, é isso?
- Isso mesmo. As pessoas, os humanos, ... Os escuros os querem, e eles querem principalmente os humanos.
- Ora, e por que os humanos? – estranhou Ariel. – São tão frágeis... Sem poderes, sem armas...
- Há algo diferente nesses humanos. Eles parecem ter a capacidade de viverem com enormes cargas de luz e escuridão dentro de si sem que isso os leve à loucura, o que os torna diferentes das outras criações. Pelo que entendemos até agora, os humanos podem ser ao mesmo tempo os maiores santos ou os piores assassinos. Os escuros os querem... Eles veem que os ganhos serão bem maiores. Eles podem usá-los para criar seres híbridos de imenso poder.
- E assim, além de se servirem deles pela capacidade de suportarem a dualidade, ainda poderão tomar essas criações e alterá-las a bel prazer – Lázarus sondou, a voz meio abafada, os olhos perdidos nas entranhas da floresta. – Eles estão fazendo experimentos com os homens e com os dahrars?
- Eles já fazem isso, há muito tempo. Mas, foram tão sutis que não havíamos percebido a dimensão e a extensão do que faziam. Notaram como a quarta dimensão está sendo alterada e dominada por eles? A quarta acabará sendo proibitiva para nós, se continuar nesse caminho.
- Pelo UM... – suspirou Ariel tomada de preocupação. – Com os nefelins e os dahrars...
- Eles poderão colocar em risco toda a criação. Eles se alimentam do medo e da loucura, e esses sentimentos trevosos serão escalados aqui, a partir do momento em que surgirem os mais escuros deles.
Lázarus respirou fundo, pensando, o cenho franzido.
- Sabem, eu estava lá quando a escuridão surgiu, e logo após os demônios. Eu estava no quarto planeta quando a vida se desenvolveu lá, e quando ela morreu. Eu estava aqui, quando as pessoas foram criadas e os homens também. Eu vi os nefelins, e agora vejo os dahrars... E eu estou aqui, e confesso que já cansei de ver a escuridão avançar assim – falou se levantando e ficando ao lado de Safiel, suspenso na altura.
- Tem alguma sugestão? - perguntou Ariel saindo do galho, flutuando ao lado dos dois.
- Temos que conhecer essas novas criaturas. Pelo que falou, nesse último com que se encontrarem, ele parecia bem, ser da luz. Precisamos encontrar outros, esses que os demônios guardam tanta esperança que nos enfraqueçam.
- E ir matando-as quando forem surgindo? – preocupou-se Ariel.
Lázarus a olhou, a confusão em seus olhos.
- Não, de forma alguma! – declarou, para alívio de Ariel e de Safiel. – Não somos responsáveis pelas escolhas dos outros, mas todos nós, pessoas, caídos, anjos e homens, temos a responsabilidade de acolhe-los e mostrar-lhes a luz.
- Essa é uma verdade... – saboreou Ariel, satisfeita. – E quanto aos que se mostrarem realmente propensos à escuridão, ou aos que se mostrarem irremediavelmente loucos?
- As escolhas deles são deles; que vivam então com elas, ou morram com elas, loucas ou sãs – falou Safiel com autoridade. – Ninguém tem o direito de se impor ao outro e de buscar submetê-lo para que cumpram suas vontades. Os que assim procedem, devem voltar para a fila e reencarnar novamente, e novamente e novamente, até que aprendam. Não concordam?
- Se agirmos assim não estaremos fazendo justamente isso, ao impor nossa visão? – perguntou Ariel, expondo suas preocupações e dilemas.
- Não vejo assim, vigilante. Eu vejo apenas que estaremos usando nosso poder para impedir que exerçam dominação – sorriu. – Eles não podem exigir que as escolhas que fizeram seja as escolhas que os outros devam fazer. O livre-arbítrio é peça importante do jogo da experiência – declarou.
- Está certo... Mas, me diga, Safiel, sei que já sabia disso tudo, e que vocês anjos já devem estar se mexendo para identificar os nefelins de grande poder escuro e de olho no surgimento dos dahrars... Há outros poderes aprisionados aqui em Urântia... Avaliações quanto à posição na fila da reencarnação?
- Vocês, anjos, estão sondando os caídos? – completou Ariel, mostrando toda sua desconfiança.
Lázarus examinou o anjo, e o que viu o deixou preocupado.
- Está em uma cruzada, anjo? – perguntou, a voz num tom mais distante.
- Sabem, estamos num nó, e tudo está sendo precipitado pelo surgimento desses dahrars e de alguns e desconhecidos nefelins escuros de alto poder, fantasmas e demônios. Este momento é muito importante e crucial, e o que está ocorrendo aqui em Urântia, por alguma razão ainda desconhecida, parece ser determinante para os multiversos.
- Por isso retornou para cá...
- Sim, Ariel, por isso voltei para Urântia. O papel dela na criação é muito mais importante do que poderíamos ter imaginado. Não sabemos porque, mas temos, agora, conhecimento do quão importante ela é.
- E se algum caído ou...
- A velha questão do “se”. Uma palavra tão pequena que sabe se ramificar por dentro das mentes e desejos, que pode mudar decisões e futuros... Que bom que ela existe, não é mesmo? – sorriu amigável, ruflando as asas e sumindo de súbito, deixando atrás de si um turbilhão que varreu as copas das árvores mais próximas.