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O MULO

O que eu posso criar e deixar para este mundo? Talvez, se eu encontrar algo que ilumine o mundo, eu possa criar alguma coisa...

- Eu sei que você está aqui – Valentina falou para a distância, a alegria se espalhando em seu ser.

> Eu sei! - repetiu para a brisa e para as montanhas distantes.

> Está bem, então – falou se levantando e se preparando para tomar a direção da aldeia, que ficava a poucas léguas para o sul.

- Eu só estava cuidando...

- De mim?

Ela sorriu ao vê-lo surgir ao lado da trilha.

Ele a sondou, os olhos azuis cintilando.

- É que... Eu estava vigiando esses lados e...

- Sei... Então você é um guardador...

- Eu acho que pode me chamar assim – falou se aproximando.

- Que bom então, senhor guardador. Agora fico bem mais tranquila – falou sentando novamente e depositando o arco ao seu lado na rocha que improvisou como banco. – E seu nome, não vai me dizer?

- Os nomes são poder que delegamos... – falou, mostrando estranheza no interesse dela.

- É mesmo? O meu é Valentina, e não tenho medo...

- Nome bonito – disse ele meio sem-graça.

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- Eu lhe disse o meu. Me diga o seu – pediu. – Uma troca de poder. Que tal?

Ele ficou em silêncio, pensativo.

- Mulo. Meu nome é Mulo – revelou.

- Estanho esse nome. Por que esse nome? Não pode gerar filhos?

- Me chamam assim porque não os tenho, nunca os tive, e nem os quero ter.

- Ora, e por que? – ela se mostrou surpresa. – Você os pode ter, se quiser?

- Acho que sim. Mas, por que os teria?

- Então é por falta de filhos que lhe deram esse nome... – cismou.

- Não, não só por isso. Muitos acreditam que estou destinado a não encontrar quem quer que seja.

- Ora, e por que pensam assim?

- Porque sempre repeli qualquer tipo de amor. Acho que amo mais a guerra, e temo o que posso deixar de herança nesse mundo. Esse mundo não é bom.

- Mas é o mundo que temos.

- Talvez, se algum dia o tornarmos melhor...

Valentina o observou com mais cuidado. Não esperara esse pensamento dele. Afinal, ele lhe parecera extremamente duro no encontro anterior.

- Você é diferente, meu amigo. O que você é, Mulo? Pessoa não é, nem mesmo anjo ou demônio. Você é um nefelin?

- Um nefelin – sussurrou ele pensativo.

- Se for mesmo um nefelin, confesso que nunca vi um como você. Eu não consigo definir. Me diz, que pessoa, ou pessoas, são seus pais?

- Essa cabecinha sua descansa algum momento?

Valentina abriu um enorme sorriso.

- Ora, então o meu amigo tem senso de humor? Não acredito – falou, forçando um modo assombrado.

Suspirou forte, tendo novamente aquele sentimento de intimidade, de um relacionamento discreto e antigo.

> É você, não é?

Ele ficou quieto por algum momento, observando-a com ar de quem não entendeu o que ela queria insinuar.

- Não entendi.. Eu o que?

> Ah, você sabe do que eu estou falando, sim. Por muitas vezes, e já faz um tempo longo demais, que me sinto sempre protegida. Eu sei que muitas vezes os que vinham contra mim fugiam sem motivo, ou simplesmente desistiam ou sumiam. Era você?

- E se fosse, me julgaria?

- Como poderia? – sussurrou. – Esse cuidador, nunca senti que agisse como dominador, nem com sentido de posse. Eu sempre o senti como um ato de carinho. Nunca poderia julgá-lo, a não ser dizer que sempre me senti em dívida, e que sempre quis dizer: obrigada, muito obrigada... Então, Mulo, muito obrigada...

Mulo baixou a cabeça. Valentina podia jurar que vira uma ameaça de um sorriso, e com certeza um sinal de alívio. Então, comovida, o viu chutar sem jeito uma pedrinha e se sentar bem devagar ao seu lado, em paz, enquanto observava também as montanhas no horizonte.