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RECONCILIAÇÃO

Dias esquecidos, perdidos. Que roa e quebre a roda do tempo. Que explodam os raios e se tornem livres para romper o mundo. Colinas e serras se movendo no olhar, antes que ele se feche e novamente se ponha a criar.

Ariel sentiu o coração pulsar mais forte quando o encontrou. Ele estava numa larga praia ao sul da falésia do contorno, em pé, na borda do mar, circundado por dois dragões, que reconheceu ser o Shen e o grande Buba, deitados na beirada da praia. Ela sabia que os dois estavam atentos no anjo. O carinho que eles tinham nele era algo bonito de se ver.

- Apenas eu não vi o quanto ele é especial – sofreu, dando um giro bem suave, temendo que ele volitasse e se fosse, recusando sua presença.

Enquanto descia não tirava os olhos dele, num pedido mudo e desesperado para que esperasse por ela, que não se fosse.

Deu um imenso e demorado suspiro ao confirmar que ele não fazia qualquer movimento para ir embora.

- Olá... – cumprimentou, a voz suave e hesitante, descendo um pouco distante do anjo, os pés em silêncio se enterrando um pouco na areia de praia branca como um sonho, limitado por um azul gentil. Com um movimento lento cumprimentou os dois dragões, que apenas moveram as cabeças, parecendo totalmente tranquilos com sua presença.

- Olá, vigilante – ele cumprimentou, a voz triste e longe, sem tirar os olhos do horizonte.

- Foi Safiel quem o defendeu, quando tentaram expulsá-los do paraíso e do céu, não foi? – perguntou, a voz suave e pausada.

Lázarus se virou para ela, os olhos em fresta, pensativos.

- Um dos... Miguel e Yeshua ficaram do nosso lado também. Foram só os três, contra toda a assembleia.

- Eu gostaria de ter estado lá...

- Para também gritar por nossa expulsão e conseguir o nosso desterro? – interrompeu, mostrando que desejava partir. Aquela conversa tinha tudo para causar mais dor.

- Não, Lázarus – falou apressada. - Para ficar ao lado de vocês, para ficar ao seu lado...

- Tenho quase certeza de que não ficaria... Eu acho que não precisamos...

- Se eu estivesse lá, estaria porque saberia dos fatos – falou com teimosia, se aproximando com cuidado, as mãos um pouco trêmulas parcialmente estendidas num pedido mudo, - e não por ter ouvido alguém tendencioso contar. Eu decidiria porque saberia a verdade, como sei agora. E, sabendo, agora eu posso decidir. Você não me contou tudo – acusou com muita suavidade. – Você queria que eu me afastasse?

- Você já acreditava... Você não queria ouvir, não queria pensar em outra possibilidade a não ser naquela em que já acreditava.

- Você poderia ter insistido – falou como que em um murmúrio. - Mas, tive que saber a verdade por outro – acusou com timidez.

- Safiel?

- Sim, ele me levou aos registros. Eu vi...

- E por que não os viu antes? – perguntou com estranheza.

- Se esqueceu que sou uma caída? Você é um AsaLonga, e pode, tal como os anjos e alguns poucos demônios, acessar os registros. Mas não nós, os caídos.

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- Se esqueceu que não sou mais um AsaLonga?

- Um nome idiota, não uma condição. Um anjo me fez ver que você realmente não é mais um AsaLonga, mas sim um AsaCortada. Você não é AsaLonga porque não pode sair do planeta, e nem pode acessar as dimensões além da quarta, mas você ainda continua imortal, tal como os anjos, e nem consegue se esquecer. Se fosse um caído como eu, então seu futuro é morrer, mesmo que leve um tempo bem maior que o tempo que os homens e pessoas tem à disposição, e isso sem contar que minha experiência irá ficar um pouquinho mais forte a cada momento, até o momento em que não me lembrarei mais de quem fui e sou, ou das capacidades e habilidades que um dia tive. Eu sei que um dia eu vou me esquecer e virar uma pessoa ou uma humana, e querer ou não em nada mudará isso. Então, há uma grande diferença entre nós, porque um AsaCortada é o que você é.

Lázarus deixou a cabeça pender. Que diferença lhe fazia, saber que era um AsaCortada ou um AsaLonga, pessoa ou humano? Dera mais valor à vida enquanto pensava que poderia morrer. Pensou um pouco no que Safiel lhe dissera, e não prestara atenção: se assinasse o contrato...

- Quem sabe? - cismou desanimado.

Talvez fosse interessante, porque havia aquela dor em seu peito que insistia em obrigá-lo a ficar olhando as lembranças que pensara que já tinham ido embora ou que, ao menos, tivessem sido amortecidas e aceitas. Mas, quando vira a dor nos olhos de Ariel, o asco, a vergonha, vira que a amargura ainda estava ali, oculta num canto de sua alma, envergonhada e poderosa.

- O que quer de mim, vigilante? Bem sabe que não possuo nada para lhe dar. Acho que a sua reação, o que sentiu quando descobriu quem sou, era a mais certa – falou, sentindo os pés se enterrarem mais na areia da praia quando uma onda chegou até eles.

Com um suspiro longo olhou para o horizonte distante, uma linha azul um pouco mais escura, separando o céu do mar.

- Eu quero muito que me perdoe, Lázarus. Eu não tinha o direito de julgar sua estória. Fui pega de surpresa pela sua fantástica jornada. Eu sinto muito mesmo, e me sinto envergonhada por isso. Sua estória, toda ela, prova o seu valor, e sou intensamente orgulhosa por você, e me sentirei imensamente feliz e grata se não me mantiver afastada.

Lázarus se voltou para ela, os olhos marejados e doloridos.

Devagar se aproximou da vigilante, os olhos presos nos dela, as linhas do rosto abatidas.

- Meus irmãos se foram, abriram mão do que são, por toda essa dor...

- Ah, meu querido – gemeu baixinho. - Você está pensando em reencarnar também? – perguntou, uma dor imensa nitidamente impressa na voz.

- Não, não penso, mesmo que às vezes me sinta tentado. Algumas vezes sim, mas mais por curiosidade. Porém, sei que reencarnar não muda o que somos, apenas nos damos chance de esquecermos de quem fomos, e nos damos a chance de sermos esquecidos. Mas, está tudo lá, que um dia poderemos relembrar novamente. Mas, não quero esquecer do que fiz e fui, por mais dor que me traga. Aceito tudo o que sou, porque foi para isso que o UM me chamou.

Ariel inspirou profundamente, se perguntando se teria a força dele para viver com tudo o que ele vira e fizera, com tudo o que sofrera, e todas as torturas e traições, feitas e sofridas.

- Será que eu conseguiria? – se perguntou abatida.

- Lázarus, eu posso imaginar, mas sei que nem chegará perto do que traz em sua alma. Eu... – desanimada deixou os braços caírem, uma lembrança roçando sua mente. - Quem foi Negrumo, Lázarus? – perguntou, vendo no ato os olhos do AsaCortada perderem um pouco do brilho.

- Novamente Safiel?

- Sim... E ele se mostrou interessado que eu saiba sobre ele. Quem foi, ou é ele?

- Ele foi o maior guerreiro que eu conheci. Foi ele quem identificou a escuridão, e foi ele que nos incentivou a ir contra ela, mostrando que se não o fizéssemos, muitos iriam sofrer, e talvez o mal avançasse tanto que tudo tivesse que ser, novamente, reiniciado – falou, um pesar esmagando a voz.

- E, por que sinto essa dor terrível em você quando falei o nome dele?

Lázarus olhou para os lados, como se quisesse arrancar do peito alguma coisa a muito escondida e que o torturava. No momento em que viu a enormidade da dor que estava escondida ali Ariel se arrependeu de ter perguntado.

> Me desculpe... Eu não quero te magoar. Esqueça isso. Eu fiquei pensando que seria um irmão que poderia estar...

- Mas é isso mesmo – ele sussurrou. – Ele era meu irmão, e está muito longe do meu alcance.

- Porque Lázarus? – perguntou, a voz rouca e quase inaudível.

- Porque não consigo encontrá-lo em lugar nenhum.

- Mas, os anjos podem te ajudar e... – Ariel, parou, a atenção na dor líquida no rosto de Lázarus. – Por que essa dor terrível em você, Lázarus? – perguntou novamente, a voz quase um sussurro inaudível, vendo que os dois dragões, ao mesmo tempo, levantavam as cabeças e se mantinham atentos em Lázarus.

- Porque eu o matei...