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ENCONTRO COM UM DAHRAR

Eu o estudei por longo tempo, no mundo e nos sonhos. Confesso que ainda não me decidi sobre você.

O pulso estranho estava ali, novamente. Era já uma brincadeira de esconde-esconde fazia uns três dias. E, agora, acontecia novamente.

Ela acabara de surgir dentro de uma trilha larga e espaçosa dentro da floresta, um ativo caminho dos homens, viu.

Lázarus suspirou, se perguntando, como vinha se perguntando desde a primeira vez que o sentira, quem ou o que conseguiria se esconder de um anjo, mesmo que fosse um descido. Já encontrara alguém assim há pouco tempo, e a experiência se mostrara muito perigosa.

Então ficou cismando se ele estava se ocultando intencionalmente ou se seria assim inconstante naturalmente.

Parado no ar se aproximou um pouco mais de Shen, que se remexia no ar como uma serpente, mantendo a mesma posição.

- Então, meu amigo, o que você acha?

- Não entendo essa criatura – o dragão falou. – Vejo maldade quando penso nele.

- Também estou confuso com ele - confessou. - Então, será que ele se oculta de forma espontânea ou premeditada? O que você acha?

- Ele se oculta de forma intencional...

Sem muito ânimo Lázarus se focou no pulso, e se surpreendeu: o pulso estava firme. Tomando o cuidado para não assustar o que quer que fosse volitou os dois com brandura, surgindo um pouco distante. Com um sinal muito discreto pediu para Shen se posicionar do outro lado da trilha. Com cuidado foi se aproximando, até que o viu. Era um ser de poder, podia ver com facilidade, e ele agora estava estável.

Decidido, volitou, surgindo ao lado da criatura.

A criatura, que caminhava na trilha que seguia ao longo de um córrego perdido na floresta, parou subitamente, totalmente atento, os músculos rígidos, em completo silêncio.

Com facilidade Lázarus viu um pulso dissimulado de energia denunciando a desconfiança da criatura, que aumentou perigosamente ao ver Shen descer do outro lado, acreditando que estavam com a intensão de cercá-lo.

Aquele ser era enorme, provavelmente beirando quase quatro metros. Era um macho, e destilava poder, um poder perigoso, notou. Com cuidado lançou sobre si uma proteção suave.

- Se protegendo de mim, anjo? – ouviu a voz cavernosa do sujeito, que mesmo assim não se virou para vê-lo, mantendo sua dissimulada atenção em Shen, que fechava a trilha logo a frente.

- Deveria me proteger de você?

- Talvez sim, dependendo do medo que sua alma guarda.

- E você, está com medo?

- De você? – riu baixinho. – Não, não estou. Sei que não é um risco para mim. Do seu bichinho ali na frente? Não, também não, pelo mesmo motivo – pareceu caçoar.

- Ora, mas isso é muito bom... – sorriu Lázarus, estudando-o da beirada do regato. O barulho da água era bom, era calmante, notou com prazer.

- Sim, acho que sim – concordou se virando e encarando o vigilante. – Sabe, sempre gostei de dragões. A energia é... doce. Esse seu amigo, eu já tinha ouvido falar. Do oriente – cismou com prazer. – Ouvi dizer que, se não quiser problemas com um dragão você tem que obedecer algumas regras – murmurou. – Não invadir o local que ele guarda, e não os tratar com desrespeito.

- Alguma coisa assim – sorriu, confuso com a criatura. Havia aquela aura escura, mas ele todo mostrava algo um pouco diferente, de uma densidade perturbada.

- E se eu matar você?

- Essa é uma outra regra: nós somos amigos. Se tentar fazer o que disse, aí então, acho que você terá que se ver com ele. E lhe digo que ele é muito mais do que parece – sorriu.

- Pode ser algo interessante. Ele tem nome?

- Sabe que somente eles revelam. Saberá, se ele quiser.

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- É, me lembro dessa parte. E quanto a você? Devo vê-lo como anjo, caído ou vigilante?

- Nem um nem outro. Meu nome é Lázarus. E o seu?

- Não tenho. Nunca me dei um – falou após um breve período de silêncio. - Me dê o nome que quiser – riu novamente, tão baixo que poderia ser apenas um sorriso.

- Não sou bom para nomes. Devo chamá-lo de nefelin ou dahrar?

A criatura arretou o corpo, a atenção num nível um pouco mais acima, o que não passou despercebido para Lázarus.

> Ah, mais um dahrar... Achei que levaria um tempo maior para que surgissem em grande número. Afinal, os nefelins começaram a surgir há algum tempo.

- Não deixo de ser um nefelin – lançou como que descuidado.

- E os seus pais?

- Meu pai se foi. Acho que, na verdade, apenas se encontrou com minha mãe para testar uma possibilidade. Quanto à minha mãe, não aguentou o nascimento.

- E quem o criou, se sua mãe morreu no nascimento?

- Hummm, muitas perguntas. Curiosidade demais, héim? Querendo avaliar o risco? – sorriu.

- Talvez... Então, dahrar, quem o criou?

- Minha mãe me sustentou.

- Ela não morreu logo quando nasceu?

- Sim, ela morreu sim. Mas, mesmo assim, ela conseguiu me sustentar por alguns dias ainda.

Lázarus ficou em silêncio, estudando as vibrações daquela criatura que haviam se adensado e subido. Percebeu, pelos movimentos de Shen, que ele também havia sentido a escuridão no dahrar. Foi nesse momento que sentiu uma energia poderosa riscando o céu, logo seguida por outra, de um poder um pouco menor.

O anjo impactou logo à sua frente, seco, duro. Safiel o ignorou, os olhos presos na criatura.

Ariel desceu logo após, ao lado de Lázarus.

Após um exame rápido, vendo que Lázarus e Shen estavam bem, se fixou no dahrar.

- Então aqui está ele... Este é um dahrar, como sabe, Lázarus – contou Safiel. - O pai dele é um antigo demônio, e a mãe dele foi uma manira-ellos, que o demônio estuprou. Quando esse ser nasceu ela estava muito fraca. Ele se alimentou dela enquanto ela ainda vivia.

- Ora, eu precisava ter um tempo para me poder proteger, não é mesmo? – falou, sem qualquer demonstração de arrependimento ou mal-estar. – E não sou muito fã de carne podre. Cheira muito mal, sabem?

- Ele, desde quando surgiu, vem semeando o terror pelo norte – Safiel continuou a relatar. - A última dele foi estraçalhar uma aldeia de pessoas, um pouco ao norte daqui. Bem, a maior parte ele matou rapidamente. Alguns deixou vivos por algum tempo, que foi devorando lentamente, é isso?

- Algo assim – confirmou o dahrar, uma nota de diversão na voz. – Mas, os culpados foram eles. Eles estavam no meu caminho.

- Era a aldeia deles – falou o anjo.

- A energia deles era ruim – falou com indiferença.

- E por que a tortura?

O dahrar voltou os olhos para a vigilante, e sorriu tomado de prazer.

- Deixa o alimento mais temperado, e eu gosto muito de carne fresca com o tempero exato. Ah, e quanto a você, vigilante, você é uma beleza... Gosto muito de vigilantes... Que bom... – saboreou, dando um passo em sua direção.

Porém, ao ver a energia do anjo flutuar, parou e o encarou, agora os modos duros e concentrados.

- Então eu estava certo. Vocês são meus inimigos também, como qualquer outro. Será que nunca ninguém irá me respeitar? – falou, a voz dura, baixa e irritada, a energia se revolvendo perigosamente.

O movimento foi de uma rapidez estúpida.

A espada saiu da bainha e desceu contra Safiel.

O anjo bloqueou o movimento no último segundo. Girou a espada e tentou acertar a criatura pelo lado, que foi rapidamente bloqueado. A força que o dahrar imprimiu na espada do anjo quase a tirou de suas mãos.

Sem perda de tempo, vendo que o oponente era muito forte, Lázarus atacou em sequência, com uma força que teria derrubado e desarmado qualquer outro. Mas o dahrar apenas sorriu, amparando os golpes como se fosse parte de uma brincadeira. Então, de modo frenético, avançou, dando combate aos dois numa sequência veloz.

Ariel não gostou do que viu e se lembrou do que Safiel dissera um dia, que talvez um desses dahrars poderia, até mesmo, superar um anjo.

Determinada fincou os pés e aguardou, pois viu a intenção do demônio, porque era isso o que ele era, ao menos para ela.

Com os golpes ele foi empurrando os dois, até que ela também foi engolfada na batalha.

Ariel se admirou da força do ser. Ele, sozinho, estava fazendo frente a três anjos guerreiros.

Mas, com estranheza, apenas arranhou a energia de Lázarus, vendo que ela estava bem menor que o natural. Então, entendendo o que ele pretendia, subiu sua energia e aumentou o nível de combate, obrigando-o a se fixar mais nela, tal como Safiel fazia.

A criatura devia ter percebido como tudo iria acabar. Num movimento súbito disparou contra a trilha em direção ao dragão, a espada em riste, os olhos determinados.

Mas, antes que chegasse perto o suficiente para usá-la, Shen se ergueu nas patas traseiras e se deixou cair, a cabeça para frente, o urro grave criando uma onda sonora que o atingiu dolorosamente. Então, com um salto girou no ar, escapando da intensa lavareda de fogo. Quando tocou o solo ao lado da trilha, logo foi confrontado por Lázarus.

Quando Lázarus subiu sua energia subitamente o demônio até que tentou se proteger. Mas já não havia salvação. A espada azul atingiu de forma limpa sua garganta, rasgando a metade de seu pescoço.

Safiel e Ariel giraram suas espadas e se ergueram em silêncio, aguardando.

Lázarus também ficou em silêncio, examinando o dahrar.

A espada da criatura pesou e pendeu, caindo lentamente no solo, enquanto as mãos subiam para sua garganta. Uma nuvem escura se formou em suas mãos, entrando pela ferida, numa clara tentativa de cura.

Lázarus, totalmente em silêncio, segurou e afastou as mãos da criatura da garganta, fazendo com que a névoa se dispersasse no ar.

Então ele se agachou à sua frente, os olhos fixos nos olhos do dahrar, que apenas o olhava com indiferença, até que suas forças terminaram e ele tombou a cabeça no peito. Lázarus se levantou e o empurrou para trás com o pé.

- Isso não foi nada bom – disse guardando a espada.

- O que foi? – quis saber Ariel.

- Acho que nada grave. Mas, vi um vale. Preciso localizá-lo.

- Tenha cuidado, Lázarus – alertou o dragão. – Mal pode parecer, mal não sendo.