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MEMÓRIAS DE UM DEUS - Ficção [português]
CONSEQUÊNCIAS DA GUERRA -94.943

CONSEQUÊNCIAS DA GUERRA -94.943

Foi num dia especial como todos os outros, que tudo o que eu havia sido feito e passado voltou com uma avalanche sobre mim. Eu gostaria de ter sido avisado, de ter sido preparado, apesar das vozes que me sussurravam quando eu olhava para o meu coração, do que eu havia sido.

Foi num dia de intensas chuvas, quando as serras e montanhas se mostraram brancas e esfumaçadas que os sinais se tornaram inquestionáveis.

Eram sinais fracos a princípio, que logo foram se mostrando mais fortes: o UM ficara descontente com a atuação de muitos na guerra.

- Estive com Emanoel – contava Lázarus para os seus, que se mostravam sérios, dentro da cabana. – As coisas vão ficar muito sérias.

- O UM?

- Sim... Eles receberam avisos...

- Há alguns humanos que receberam também, em sonhos – falou Valentina.

- E pessoas também. Elas estão muito preocupadas. Parece que a felicidade abandonou este mundo – falou Sol, a voz abatida sob o olhar pesaroso de Avenon.

- Algum de vocês teve algum sinal, ou sonho? – perguntou.

Ante o silêncio ficou pensativo.

- O que dizem esses com quem conversaram?

- Rios caudalosos – falou Ariel. – Muitos rios, por toda Gaia.

- Canais sendo destruídos – contou Sol, - e destruindo todas as plantações. Havia muitas pessoas e homens mortos boiando sobre os campos inundados.

- Uma mulher santa teve uma visão, que ela disse ser profética – falou Valentina. – Ela disse que viu altas montanhas sendo derretidas por águas que cobriam o mundo.

Lázarus ficou atento nessa profecia, e nos outros sinais que contaram.

- Algum outro sinal de que ficaram sabendo? – perguntou, a voz baixa e um pouco sufocada.

- Minha mãe contou que, perto da aldeia vive um xamã, um homem santo. Ele vive só, retirado no meio da floresta – falou Sol, os olhos perdidos além da porta da choupana, para a chuva forte que caia. – Ela disse que alguns dias atrás ele saiu da floresta gritando coisas estranhas e incompreensíveis sobre o fim do mundo, e que tínhamos que estar preparados, e que quem pudesse que juntasse muitos mantimentos e fizesse imensas pirogas. Ele disse que o Trovão ia limpar o mundo de toda iniquidade, e que faria chover por quarenta dias sem qualquer intervalo, até que tudo morresse sob as águas. Ele estava como louco, gritando e falando para todos se penitenciarem. Quando chegaram perto dele ele simplesmente caiu morto, como se tivesse sido atravessado por uma flecha.

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- Por uma flecha – estranhou Lázarus. – Que tipo de flecha?

- Eles procuraram, mas não encontraram nenhuma.

Vendo que o silêncio perdurava, e que nada mais havia, Lázarus se deixou perdido, olhando para a chuva intensa que fustigava o mundo.

- O que essa flecha tem de importante, Lázarus? – quis saber Ariel.

- Parece que tentaram impedir que ele nos contasse isso – cismou, ainda atento à chuva que caia.

Por longas horas ficaram ali, em silêncio, ouvindo a chuva.

Foi com imenso alívio que a viram diminuir e ir embora, o céu azul se abrindo em toda sua majestade.

- Então, não foi dessa vez – riu Avenon satisfeito, que logo ficou quieto vendo o olhar de reprovação, e não só de Sol.

- Mas, ainda não entendi. O que tem essa flecha de especial, Lázarus? – quis saber Mulo, vendo que ele prestara muita atenção nessa parte.

- Foi o que eu disse. Pode ser fobia, mas parece que alguém não quer que essa informação seja passada à frente. Isso dá credibilidade a esse xamã, e todas as visões que contaram. Ao que parece, o mundo, este mundo, está sendo levado para uma destruição pelas águas. Quarenta dias de uma chuva torrencial podem fazer isso com esse mundo.

- Se for isso que estiver para acontecer, há algo que podemos fazer? – perguntou Valentina.

- Ah, há sim. Fazer o que eles não querem que seja feito: espalhar a notícia. Além disso o xamã já nos apontou uma salvação: as pirogas gigantes.

- O que foi, Lázarus? – se preocupou Ariel, sentando-se ao seu lado, segurando com delicadeza o seu braço. – Vejo que algo o está incomodando, e isso já há algum tempo. Não quer me contar?

- Os dragões – sussurrou.

- Sim?

- Desde o início das guerras eles, todos eles se afastaram e se mantiveram em silêncio em seus refúgios, e lá eles foram deixados em paz. Mas, isso não os protegeu. Eles sofreram demais – gemeu baixinho. – Tentei colocar uma aura de proteção em torno de seus lugares, mas a energia das guerras as enfraqueciam e destruíam.

- Eles sabem que você se esforçou. Sei que eles são muito sensíveis ao planeta, e essa dor deve ter sido numa medida terrível demais. Sinto por eles. Há algo mais que descobriu, ou viu, que o abateu tanto assim?

- Não sei, Ariel. Não consigo ver com clareza. Apenas sinto um vazio no peito, como uma perda enorme demais. É como procurar algo que não está mais lá. E, quando penso assim, quando tento me focar nesse sentimento, sempre resvalo e me pego pensando nos dragões.

- Teme por eles? Acha que algo vai acontecer com eles?

- Não sei, sinceramente. Não haverá punição contra eles, é logico, mas...

- Como eles estão? Sentiu algo diferente neles?

- Não, não há nada de diferente em suas auras, em suas energias. Mas, apenas estão mais silenciosos, mais recolhidos. É como se estivessem esperando algo, mas, tal como nós, não sabem bem o que pode ser.

- Tem receio por eles? – Ariel insistiu.

- Como disse, não sei. Mas, certamente, temo por nós.