Não conhecia saudade ou receio da perda, antes de ver seus olhos. Foi neles que reconheci uma parte da minha alma.

Allenda se aproximou, os olhos fixos no pai, os modos agitados, incrédulos.

- É verdade, pai? É verdade? Essas coisas que dizem são verdadeiras? – perguntou atirando a caça que trazia nos ombros para os lados e parando de súbito à frente de Adanu.

- Se acalme, por favor – pediu Adanu. – Do que está falando, Allenda?

- De Uivo, pai, de Uivo... É verdade tudo isso?

- Entendo, Uivo... As notícias que acabamos de receber ainda são muito confusas, filha. Temos que ter cuidado com o que ouvimos.

- Mas..., mas sabe de algo mais? – perguntou aflita. – Disseram que ele morreu, que Uivo morreu.

Adanu fez que não viu o movimento da filha, os olhos injetados e meio abobalhados, a dor monstruosa que estava ali dentro, a aflição borbulhando em sua alma. Viu sua mão se erguer, apertando com força o peito, como se desejando suprimir uma dor forte no coração. Sentiu a dor dela, a ameaça de desespero.

Mais que depressa sorriu consolador, e suspirou quando percebeu que a dor dela diminuiu um pouco, os olhos e a alma esperando algo para espantar de vez seus medos.

- Boatos, filha. Ele está bem. Quer dizer, não tão bem, mas parece que está bem...

Allenda olhou no fundo de seus olhos, procurando entender o que ouvia.

Respirou fundo, se acalmando.

- Como? Como não tão bem? Não entendi. O que sabe?

Adanu sentou-se e a puxou para baixo. Lentamente e com cuidado lhe passou tudo o que lhe chegara do conselho, sobre os atacantes que o grupo de Uivo encontrou nas terras altas, de como Uivo foi levado para cima, além das nuvens por um sombra, e como, ao cair, uma mãe-da-mata chamada RelvaDeLuz, lutou para salvá-lo. E contou também sobre como seu comandante matou a mãe-da-mata antes que ela pudesse ajudar Uivo.

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- Ela estava com Uivo?

- Não filha... Ela o ajudou porque, ao que parece, ela fazia parte do bando de OrelhaCortada. Ele a ajudou naqueles dias...

- E Uivo? A notícia de que morreu...

- Ao que parece ele estava agonizando aos pés de uma montanha.

O gemido dela o pegou de surpresa, e se apressou em continuar...

O comandante dele atirou a mãe-da-mata perto dele, para que ele assistisse a morte dela antes que morresse.

- Por Tupã... – gemeu assustada.

- Mas ela, pelo que contaram, transferiu o resto de poder que ainda tinha para ele. Com o grande poder de cura dele, e com o poder transferido dela, ele conseguiu sobreviver. Assim que se recuperou subiu a montanha e matou o chefe e desfez o bando. Isso é o que veio do conselho.

Allenda ficou em silêncio, tentando digerir tudo o que acabara de ouvir.

- E por que o comandante o atacou, por que agiu assim?

- Ele e Uivo já estavam se estranhando há algum tempo. Mas, segundo alguns, esse comandante poderia estar com encosto... A verdade é que o conselho ainda não sabe. Eles estão investigando.

- Encosto? – estranhou Allenda.

- Contam que um demônio se aproximou de Uivo e RelvaDeLuz, quando agonizavam. Pode ter sido ele que tomou o comandante, ou simplesmente o comandante não gostava dele. Vá lá saber.

- E como está Uivo, de verdade, agora?

- Ele desapareceu, filha. Mas, não se preocupe com ele – tentou tranquilizar, ao ver que ela ficou com o olhar perdido. – Quando ele partiu, depois que matou o comandante, ele estava totalmente recuperado. Sabe como ele se recupera rápido e... Ele vai estar bem, filha...

Allenda se ergueu, os modos mais tranquilos, apesar dos olhos ainda perdidos.

- Não estou preocupada com ele – falou. – Eu me assustei... Parecia que o conselho estava sob ataque severo, só isso – explicou pegando a caça do chão. – Quanto ao nefelin, que bom que ele está bem – sussurrou, se afastando como se estivesse muito cansada.

Adanu suspirou, indeciso se devia ou não ter contado para ela o que havia acontecido depois, e das notícias que davam conta de que Uivo estava se transformando em um demônio. O encontro dele com um lobisomem perto da pedra riscada dizia que as coisas estavam bem complicadas.

Devagar voltou os olhos para o entorno, se perguntando novamente, como vinha fazendo desde que soubera do que Uivo parecia estar se tornando, como deveria reagir se ele viesse até eles, porque isso era bem certo que iria acontecer, cismou, os olhos postos na filha, visivelmente triste e preocupada enquanto se afastava em passos lentos e doídos.