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QUASE ME PERDI

Como todos, me perco e me encontro. Apenas temo errar o caminho, e ficar longo tempo perdido. Como estarão os que agora prezo quando voltar a me encontrar?

Enquanto se dirigia para verificar os seres de estranhos poderes que se aproximavam, Uivo acabou encontrando um pequeno ajuntamento de sombras numa parte escura da floresta.

Em silêncio desceu, se ocultando. Enquanto pensava sobre como iria proceder com aqueles demônios, às suas costas ouviu como um guincho de aviso.

Sorriu, sabendo que tinha sido descoberto.

À frente e aos lados apenas destruição. Nada sobrara ali daquela companhia de invasores. Sombras, mantas e coloridos estavam pelo chão ou pendurados nos galhos das árvores, também muitas delas destruídas. O chão se mostrava enegrecido em vários pontos.

Foi então que viu um pequeno movimento ao lado. Alguém tinha sobrevivido.

Uivo se aproximou do grande sombra que se debatia em intensa agonia no chão. Com cuidado examinou todos os outros corpos, conferindo que apenas aquele ainda vivia.

- Por pouco tempo – ouviu com grande prazer sua voz cheia de escuridão.

Com desprezo o ergueu e o segurou frente aos seus olhos maldosos. Então aspirou o terror que havia nele. Com intenso prazer evitou que ele morresse, segurando sua alma naquele corpo arruinado. Entrou com algumas farpas em seu corpo e em sua cabeça.

A energia que trazia para si não era apenas energia, mas alimento, escuro, denso, encorpado, que parecia fazer vibrar todo o seu corpo.

Com prazer seguiu a energia fluindo pelo seu corpo parecendo eletricidade, percorrendo seu corpo, exigindo e aproximando sua atenção.

Foi nesse momento que Uivo sentiu o terror crescendo dentro de sua alma. Como se pudesse ver algumas formas através de um vento espesso demais, se esforçou em fazer frente àquela energia, se maldizendo por ter se permitido esquecer os riscos que existiam ao se deixar mergulhar na escuridão.

Subitamente gemeu em agonia. Tomado de urgência terminou de destruir o sombra, julgando que a energia dele o estava afundando com violência para dentro da escuridão.

Caiu dos metros em que flutuava, o joelho se cravando no chão, as mãos e todo o lado do corpo como farpas negras e longas se fincando no solo pedregoso, se afundando metros terra abaixo, todo seu ser sendo percorrido por um tremor enojado.

O mundo se tomou de outras formas, mais densas e mais frias, mais escuras. Havia uma vontade nesse mundo, e toda ela era contra a sua própria vontade. Todos os seres que podia sentir e tudo o que existia pareciam conspirar contra si.

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A fúria se revolveu dentro de sua alma.

Tomado de desespero tentou se despoderar do demônio que estava. Foi então que percebeu que o demônio estava ali, e ele resistia porque estava se julgando uma personalidade.

Uivo se rebelou, forçando sua consciência para cima. A risada que ouviu em sua alma trouxe um frio terrível para o seu mundo.

- Não – gritou para o demônio que surgiu à sua frente, naquela estranha dimensão.

- Não? Você não poderá resistir. Sua fraqueza é nojenta demais.

- Não sou escuridão, não sou sombra, não sou demônio.

- Nem isso você é, porque é só um. Eu sou você, e essa sua face é fraca demais e não merece estar nos cuidados da consciência.

- Sabe que isso não será possível, nunca – falou, uma energia renovada correndo pelo seu corpo.

O demônio o atingiu com violência, derrubando-o contra o chão daquele estranho lugar. Com horror viu que o chão começava a se deformar, como se estivesse se arrumando para ser piche.

Então inspirou fundo, lembrando-se de tudo o que Tenebe havia lhe contado anteriormente sobre esse mundo dos sonhos.

- A vontade cria – falou para si.

À princípio a sua voz se denunciou fraca e insegura, porém se fortaleceu ao perceber que o chão, sob sua mão direita, se tornara subitamente mais densa. Então cresceu sua vontade, que cresceu quando o piso amolecido se fortaleceu e terra escura se mostrou.

Com força puxou as farpas do solo e, com imenso esforço, as recolheu.

Desconsiderou todos os gritos e maldições que ouvia, desconsiderou toda a dor e sensação de abandono que sentia, desconsiderou toda a mágoa por sentir-se desvalorizado e esquecido.

> Você está errado, demônio que sou. Olhe! – falou, os dentes rilhados, trazendo do fundo de sua alma o rosto que tanta força lhe dava.

O grito ecoou para longe, revolvendo a estranha e densa escuridão.

- Ela é sua fraqueza e vai te destruir. Ela não se importa conosco, ela só quer nos usar para sua guerra – gritou o demônio arfando, os olhos presos nos seus.

- Se engana sobre ela, demônio, tal como se engana sobre a força que a escuridão possui. Mas, ainda mais, se engana quanto à sua face, que sou eu.

Foi então que se lembrou de Allenda, de algo que ela lhe dissera. Com cuidado sondou o demônio, e sorriu, a verdade tocando-o profundamente.

O rosto efervescente e irado que via à sua frente era o seu próprio rosto. Agora não apenas via, mas sentia a verdade do que era.

> Você e eu somos um só, e amo cada parte minha. Esteja em paz, para que estejamos em paz. A luz é a senhora do tempo...

Então, como quando a alma se liberta, a escuridão se foi numa explosão suave de luz, que se espalhou e desfez aquele mundo.

Uivo caiu de joelhos no chão, a respiração complicada, a dor socando seu cérebro.

Todo seu corpo tremia pelo esforço. Com muita lentidão olhou para sua mão, e após para os braços e para as pernas, e viu com satisfação que estava despoderado do demônio que tentara tomar o que era.

> Você não vai me vencer, demônio, porque isso é impossível. Você não vai prevalecer, porque isso é impossível.

Com um gemido se ergueu, olhando com prazer o novo mundo que percebia.

Talvez fosse uma ilusão, mas o via com mais cor e mais nitidez. E havia promessas, canções de que poderia sim, vencer o que de escuro trazia dentro dele. E, lá no meio dessa canção suave apenas sentida, havia aquela voz, que insistia em lhe dizer que nunca estaria sozinho. Tentou prestar atenção nela, mas quando pensava que a enquadraria, ela simplesmente sumia. Então ele respirava suave e lentamente, e a conseguia ouvir, como se fosse num canto plácido de sua alma.

Inspirou lentamente, sentindo que se fortalecia. Sorriu para o mundo renovado.

Miguel recolheu a espada azul para dentro da pequena bainha.

- Fique de olho nele – falou para o grande anjo ao seu lado. – Por alguns segundos ele se esqueceu que o demônio não existe como um indivíduo separado – lamentou. – Ele esquece e se lembra, para se esquecer novamente. Qualquer perigo, devo ser chamado – disse se afastando, preocupado com o fato do demônio ter quase se tornado o Uivo.