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EU TE ACHEI

Em lembranças me perco, recriando as linhas que deixei para trás. Não seria mais fácil deixar essas trouxas num canto do caminho?

Arael observou o gigante descendo à sua frente. As lembranças ainda estavam bem embaçadas, porque havia uma mistura das suas lembranças frágeis com as lembranças mais fortes de Árgrila, e por isso resolveu que não iria tomar qualquer atitude. Precisava sentir as emoções do gigante.

Como um aviso deixou as asas não totalmente recolhidas, a mão repousada como que por acaso sobre o cabo da espada.

Mercator mantinha seus olhos nos seus, enquanto descia seu peso sobre o chão macio do campo.

Ela viu uma certa impaciência o tomando, como se fosse uma dor calada, um sentimento conflitante de uma rejeição e a força terrível de uma autoproteção.

Deu de ombros para aqueles sentimentos, sua mão se fechando um pouco mais forte no cabo, as pernas se separando um mínimo possível.

Ele era imenso, ela viu, mesmo sabendo que ele havia diminuído sua altura enquanto descia. Ele era escuro, as asas marrons, o corpo forte como uma torre meio avermelhada. Seu rosto era impressionante, duro e um pouco quadrado. E havia aquela íris totalmente vermelha em tons bem escuros, como sangue coagulado, o que se disfarçava bem na esclera totalmente preta, onde, estranhamente, a pupila era facilmente identificada. Com curiosidade ficou observando, por alguns segundos, as estranhas runas de baixo-relevo que se espalhavam pelo seu corpo, que sentiu que se tornariam mais escuras, guardando similaridade com os pensamentos sombrios que porventura estivesse embalando.

Guardou silêncio sobre sua curiosidade.

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- Sei quem você é – ela falou, a voz num tom um pouco distante. – Mercator é o seu nome.

Mercator permaneceu em silêncio. Havia um nítido desconforto nele. Era bem visível que ele se perguntava o que estava fazendo ali.

Arael ficou confusa quando o viu se virar de lado, desfraldar as asas e se preparar para partir.

> Sei que éramos amigos, mesmo que de uma forma estranha – ela se apressou em falar, confusa com sua própria reação.

Quando ele se virou novamente para ela, ela retirou a mão do cabo da espada e cruzou as mãos em frente ao corpo, os olhos semicerrados, curiosa com o que estava acontecendo.

Decididamente ele não viera até ela para algum confronto.

Mercator suspirou fundo, os olhos sérios presos nos olhos da demiana.

> O que quer de mim, Mercator? Por que se mantém próximo?

Vendo que ele permanecia em silêncio, Arael tombou a cabeça meio de lado, examinando-o com atenção.

> Não sou Éfrera, apesar de algumas lembranças dela estarem surgindo em mim. Talvez não por enquanto, porque sou a entrante dela. Mas, em tudo isso, apenas sei que não sou sua inimiga, e espero que não me trate como tal – falou.

Mercator levantou a cabeçorra, examinando o pico de uma montanha que podia ser vista se elevando de uma floresta mais distante.

- Não tenho por que ser seu inimigo, demiana Arael. Tenha cuidado... Seres sombrios rondam esses lugares. O mal aqui os chama de lar – falou explodindo para cima, sumindo das vistas da demiana.

- O mal aqui fez seu lar – cismou nas palavras de Mercator. Sorriu, imaginando se ele se incluía nesse grupo. Mas o sorriso se foi, trocado por um semblante pensativo. Apesar do aspecto terrível e do terror que aqueles olhos maldosos evocavam, não conseguiu ver maldade neles.

Sorriu se elevando no ar, os olhos na alta montanha que chamara a atenção do demônio.

Por mais estranho que pudesse parecer, percebeu que se sentia agora mais centrada, mesmo que ainda se sentisse perdida em tantas lembranças que pareciam memórias de outras pessoas.

- Tempo ao tempo – sussurrou para a montanha, partindo para o Leste.

- Tempo ao tempo, quem sabe – sussurrou Mercator, a face examinando as pedras que rolavam suaves no grosso e rápido regato que descia do degelo acima. O vento estava forte e raivoso, enquanto o caudal despencava numa cachoeira vaporosa da encosta da montanha que, qual uma catedral abandonada, vigiava os extensos vales abaixo.

- Tempo – cismou Miguel, partindo lentamente para o Leste.