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A SEGUNDA COMITIVA

Se os maus veem as coisas em curto tempo, os bons o veem muito além. Para os primeiros o ganho rápido, para os outros um acumular lento e firme que não se perderá e que o tempo não destruirá. O tempo é um mago que adora iludir.

1

RoupaSuja e BraçoDePedra deixaram a comitiva de Danbara, que seguiam sem que fossem notados, se adiantar, ficando um pouco para trás, esperando o amigo que vinha ao encontro deles.

RoupaSuja observou Uivo surgindo no céu, e o momento em que os encontrou. Ele vinha com um pouco de poderamento como demônio, de tal forma que lhe permitisse fazer do céu um caminho.

Assim que ele desceu ao lado dos dois RoupaSuja confirmou que algo nele estava diferente.

Olhando para BraçoDePedra viu que ele também desconfiava de que algo havia acontecido com o amigo desde quando, de súbito, os deixara para proteger a comitiva de Danbara e se for a como um louco, na direção da outra comitiva.

- Ele estava lá, não estava? O seu avô? – perguntou BraçoDePedra desconfiado.

- Sim, ele estava. Ter colocado em mim a imagem da comitiva de Danbara não passou de uma armadilha. A comitiva de Allenda sempre for a sua primeira opção. Mas, felizmente, tudo está acabado, ao menos por enquanto.

- Vocês lutaram?

- Sim, RoupaSuja, e dessa vez não houve vencedores. Por mais estranho que pareça, ele até pareceu satisfeito. Parece que ele queria apenas uma decisão minha. Se deu por satisfeito e se foi.

- Por que com sua mãe foi diferente? – estranhou BraçoDePedra.

- Tem que pensar como demônio, ou anjo – explicou RoupaSuja. - Ele queria se mostrar útil aos demônios; enquanto ao mesmo tempo queria se vingar da filha, porque acreditara que ela ficaria ao lado dele.

- Bem, e por aqui? – perguntou Uivo sentindo a comitiva bem à frente. – Algo aqui está diferente - falou, os olhos passeando pela paisagem.

- Sim... Está assim por muito ao redor – confirmou BraçoDePedra observando o lugar. – Não há mais muitas ameaças por essas bandas. Tudo por aqui está um pouco mais limpo.

- Talvez alguns dos demônios e dos seus lacaios tenham ido para outros lados... – sugeriu Uivo.

— Não! Tudo está assim por longo espaço.

- Foram vocês?

- E também a comitiva de Danbara. Eles trabalharam duro – contou BraçoDePedra.

Uivo estendeu sua percepção e sorriu.

- Vamos indo? – convidou os dois apontando o caminho que levava à comitiva de Danbara. – Há muitas novidades para contar para vocês.

- Também tenho algumas para vocês – contou RoupaSuja.

- Ele estava dando uma batida – BraçoDePedra explicou para Uivo. – Ele voltou agora há pouco – Ele estava vasculhando a região lá do alto.

Uivo inspirou demorado enquanto tomavam o caminho pela campina iluminada pela lua cheia. O céu estava estrelado e o tempo estava quente. A lua estava mais para o Oeste, mas ainda iria demorar para que se ocultasse atrás da cadeia de montanhas.

- Danbara foi rápida e inteligente – falou RoupaSuja. - Ela reuniu um exército respeitável, que usou para limpar a maior parte dessa área. Muitos coloridos foram mortos, e uma grande quantidade voltou correndo para o lugar de onde veio, na raiz das montanhas frias.

- Isso quer dizer que a batalha aos pés da montanha será intensa. Se eles estão se engrossando por lá, ... os que descem se juntando com os que retornam. Então vai ficar feio! – previu Uivo.

- Pode ser. Por isso é bom ir diminuindo esse pessoal, atacando os retardatários – cismou BraçoDePedra. – Usando seus sentidos de anjinho, meu amigo, quanto tempo de viagem daqui até a comitiva de Danbara? – perguntou para RoupaSuja, um sorriso contido no rosto.

- Se vocês se poderarem poderemos encontrá-los a meio-dia daqui. Mas, há uma outra coisa acontecendo. Um membro da comitiva de Adanu, um saci que se chama Ybytu, está progredindo para encontrar Danbara. E ele não está sozinho!

- Quem o acompanha? – perguntou Uivo.

- Ellos... Uma companhia de ellos guerreiros e uma esquadra de carcarás. E eles estão indo muito rápidos...

- Isso é bom, muito bom. Mas, me diga, e quanto a um caipora? Viu um caipora junto deles? - Uivo estranhou RoupaSuja não mencionar o caipora.

- Não, não havia nenhum caipora por perto – confirmou. - Mas há uma outra coisa ainda, e terrível.

Uivo e BraçoDePedra pararam no caminho, atentos ao anjo.

> Há um exército de coloridos progredindo em direção à comitiva de Danbara. Eles vão rápidos e silenciosos e não devem demorar para alcançá-los. Ybytu e os aliados devem estar tentando se antecipar a eles.

- Quem chegará primeiro? Os coloridos ou Ybytu?

- Acho que Ybytu. Ele está indo muito rápido. Mas a distância no tempo entre os dois exércitos não será muito grande – ajuntou. – No entanto, eles vão chegar bem antes de nós.

- Então temos que ir mais depressa agora. Não temos tempo a perder – falou Uivo, se poderando pouca coisa a mais.

- Não, não vem não, RoupaSuja, e nem você, Uivo. Eu sei ir rápido. Além disso, nós três não seremos o ponto decisivo contra eles.

- Está bem então... – concordaram RoupaSuja e BraçoDePedra.

Num impulso RoupaSuja subiu ao céu tomando a direção do Noroeste. Uivo, acompanhado do ágil e veloz ellos, partiu rápido atrás do anjo.

II

Danbara girou no chão, a lâmina da espada cortando os coloridos que a haviam cercado.

Cansada se ergueu, seus ouvidos se enchendo dos gritos de dor e de ódio que corriam pela planície úmida. O exército dos coloridos, apesar de muito dividido e combatido, segundo informações trazidas por Ybytu, ainda era grande comparado às forças que haviam conseguido reunir.

Danbara deu cabo de mais dois que avançavam contra si. Se esforçou em se manter firme, ignorando a dor dos ferimentos, que estava muito intensa.

Batalhava contra três quando sentiu uma dor aguda nas costas. Com um puxão tirou com violência o thianahu que se segurava às suas costas, empurrando com força a adaga contra o seu corpo. Com desprezo atirou seu corpo para o lado, confirmando que ele ficou imóvel no meio dos cadáveres que coalhavam aquele lugar.

Ao ver um vulto vir depressa pela sua direita conseguiu apenas se esquivar levemente. O empurrão que sentiu a lançou longe, uma dor latejando em suas costelas. Levantou-se depressa e se virou, se defendendo com a espada, bloqueando o golpe do esporão do manta que buscava sua garganta. Mas o golpe foi forte e quase a desequilibrou. Veio mais outro ataque. Tentou respirar, notando que a dor estava incômoda demais. O manta pareceu eufórico com a possibilidade de matá-la. Danbara aguardou, e o rasgou de cima abaixo quando ele se aproximou, confiante demais.

Com dificuldade se levantou e pôs as armas à mostra. Três coloridos sorriram cínicos, avançando dominadores.

Os três não esperavam quando Jádina apareceu, fazendo-lhes frente ao lado de Danbara. Eles pararam assim que viram as duas juntas. Súbito, sem aviso, as duas saltaram e os estraçalharam.

A peleja se estendia e as forças inimigas se fechavam cada vez mais em torno deles.

Danbara suspirou.

Havia luta em torno dela, mas estranhamente estava tranquila. Ninguém parecia se importar com ela, ou mesmo notá-la. Os carcarás passavam velozmente, atacando mantas e sombras e as estranhas aves dos thianahus. E os ellos abriam corredores no meio dos inimigos, sempre próximos às bordas da comitiva. Quando os inimigos se fortaleciam eles recuavam para dentro das linhas, com maestria atacando outros pontos.

- A força deles está diminuindo – ouviu à sua direita. Era Jádina, visivelmente cansada, mas feliz, toda manchada de sangue.

- Precisamos abreviar essa batalha. Lá, está vendo? Parece ser quem coordena.

- Mas não há como chegar até ele – refutou Jádina, observando o comandante inimigo. – Ele está protegido demais por aqueles sombras e pela tropa. Precisamos continuar minando suas forças, até que ela se desmorone e se desfaça.

- É... Atacar e esperar que falhem em algum momento... – Danbara suspirou se atirando contra dois thianahus grandalhões que vinham correndo para o seu lado.

Jádina foi a primeira que os viu, despencando com fúria no meio de um grupo de coloridos. Tomada de alegria levantou suas armas e gritou eufórica para o ar tenebroso.

Quando Danbara se virou e os viu, após ser alertada pelo grito luminoso e raivoso de Jádina, que soube que havia esperança de terminar rapidamente com aquela batalha. Uivo avançava irresistível, meio puma e meio demônio, cortando e rasgando, abrindo caminho até elas, em companhia de um ser que parecia ser um estranho ellos. E sorriu mais confiante, vendo um ser claro como um anjo cair no meio de um grupo de mantas.

Jádina respirou fundo, atacando com redobrado ímpeto.

- Pensei que não viria! – Jádina falou para Uivo assim que ele se postou ao seu lado.

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- Sentiu muito a minha falta?

- Um demônio engraçadinho... Melhorou muito, héim? Que bom... – com um avanço seco espetou a cabeça de um colorido. Com um puxão tirou sua espada, e o ser caiu lento no chão macio.

- Dê-lhe uma chance – repreendeu Danbara com um sorriso, em cumprimento. - E seus amigos, quem são?

- Um é um anjo, o maior de asinhas... – sorriu por sua vez, as garras parando de súbito e cortando fundo um colorido que passava ao lado. – E o outro, o menor, é um ellos, que também é um feiticeiro.

- Veja seu amigo Ybytu, lutando com ódio difícil de ver em sacis... Muita dor! – observou Jádina se referindo ao saci, que acabara de esmagar dois coloridos com uma laje rochosa, antes de se tornar redemoinho e deixar vários desnorteados, do que se aproveitou Tapui, chutando e esmagando muitos deles. – Sabe por que ele está com essa dor absurda? – gritou girando para escapar da estocada de um thianahu, que Danbara atingiu com violência, jogando-o contra as fileiras inimigas.

Uivo olhou de soslaio Ybytu, e viu que Jádina estava com razão: Ybytu lutava de uma forma incomum. Procurou e não viu sinal de DenteDeAlho.

- Viram algum caipora junto dele? – perguntou, gingando para escapar do ataque de um thianahu gigantesco. Com um giro cortou o tendão do joelho. O gigante se dobrou, enquanto Jádina cortava sua garganta num salto elástico.

- Não vimos – disse Danbara, seguindo para frente junto com os dois.

Uivo olhou rapidamente onde estava Ybytu, tentando ignorar uma voz que ressoava agourenta.

De forma lenta e trabalhosa, lentamente os coloridos foram sendo batidos, metodicamente, até que o último foi atingido por uma flecha disparada por Jádina, que inspirou demoradamente os cheiros do campo de morte.

Danbara respirou fundo, se acalmando, observando seu exército, conferindo que ele fora duramente castigado.

> Perdemos muitos, e temos muitos feridos – falou para Jádina. - Quase três quartos de nós se foi deste mundo. – Se não fosse o aviso e a ajuda de Ybytu e seu grupo, e de vocês, Uivo, teríamos muito para lamentar - reconheceu.

Uivo a observou, sentindo toda a tristeza que ela controlava.

- Sim, muitos feridos, inclusive vocês, Danbara. Devem se cuidar, vocês duas. Não podemos perder vocês...

Danbara o observou, os olhos fixos no puma demônio.

- Você também, não é mesmo Uivo?

- Não sou tão importante para esta guerra – declarou com tranquilidade. – Não sou um líder de seres, e não repousa sobre mim destino que não seja o meu – falou cumprimentando os guerreiros que se aproximavam. – Além disso, consigo me curar muito rapidamente.

Com um movimento de cabeça cumprimentou Ybytu, e depois um ellos poderoso e, logo a seguir, um carcará um pouco menor que uma harpia, que pousara num grosso galho perto do grupo.

- Sei... – sorriu Jádina aplicando um emplastro que preparara em um ferimento feio em sua perna direita. – Então só não é mais rápido porque não quer, é isso? – riu debochada.

- Sou PedraAfiada – se apresentou a eles o ellos. – E este é PenaNoCéu – apresentou o carcará, que mantinha os olhos alertas.

-Temos muito a agradecer a vocês. Teria sido terrível se não tivessem chegado a tempo.

- Ainda bem que deu tempo, né? – falou Ybytu se aproximando. – Queríamos chegar bem antes, e não junto com eles – se desculpou, o olhar sério e duro.

- Foi no tempo correto – Jádina agradeceu.

- E seus guerreiros são formidáveis, PedraAfiada e PenaNoCéu! – congratulou Danbara. - Uma ajuda assim é muito valiosa. Obrigada!

O ellos a cumprimentou em agradecimento, tal como o carcará.

- E a você e a seus amigos também, Uivo, temos muito a agradecer – Danbara sorriu.

- Não há o que agradecer. Foi um prazer lutar mais uma vez ao lado de vocês.

- Concordo plenamente, não é mesmo, RoupaSuja? – cumprimentou BraçoDePedra se aproximando do grupo.

- Claro que sim. Me senti honrado.

Jádina o olhou com divertimento nos olhos, observando o jeito tranquilo e simples do anjo.

- Então, o que o trouxe, Uivo, a você e a seus amigos para esses lados? Claro que estou contente por terem vindo, mas também estou curiosa...

- RoupaSuja viu os coloridos vindo na direção de vocês, bem como Ybytu e seu grupo. Viemos para dar uma ajuda. Além disso, eu pretendia seguir um tempo com vocês, Danbara.

- Se assim resolverem, teremos muito gosto na companhia de vocês – sorriu Danbara satisfeita.

- Vocês lutaram muito bem... – elogiou RoupaSuja. – Estão de parabéns...

- Um anjo, certo? – conversou Jádina.

- O nome dele é RoupaSuja. E agora totalmente numa versão mais evoluída, porque agora ele tem asinhas... – riu BraçoDePedra.

Danbara riu, vendo a cara de moleque que ele fez ao espicaçar o anjo, que parecia divertido com a amolação do amigo.

- E você é um feiticeiro, é isso? Eu vi como luta...

BraçoDePedra olhou para Uivo e sorriu.

- Pode-se dizer que sim... É, pode ser. Mas eu sou um mago...

- Mago é um ser fraco, que usa ilusão... Feiticeiro é um ser de poder, de determinação... Não, pelo que vi você não é um mago, mas sim um feiticeiro – elogiou Danbara.

- Vai elogiando, vai elogiando. Depois não reclame, e muito menos peça ajuda... – brincou RoupaSuja.

- Que bom... É bom conhecer um anjo com humor. Dizem que isso é muito raro – sorriu Jádina.

- E você já viu muitos anjos? – interessou-se Uivo.

- Não! Apenas ouvi muitas estórias, como qualquer outro – explicou.

- Você disse que “pretendia” seguir um tempo conosco... Desistiu? – quis saber Danbara.

- Vocês estarão bem. Preciso seguir em frente – revelou Uivo.

- A comitiva de Adanu?

- Sim, isso mesmo! Um exército desse tamanho atacou vocês, e por sorte estavam bem fortalecidos. Mas a comitiva de Adanu não está tão reforçada assim. Acho que podem precisar de ajuda. Pode ser que alguma força vá contra eles. Quando vim até vocês eles estavam se deslocando rápido. Sabem onde estão?

- Eles foram para o Oeste, na caça de um outro exército de thianahu – informou Ybytu.

- Outro grupo?

- Sim. É um exército, um pouco maior que esse que atacou aqui – revelou, notando que Uivo agora se mostrava ainda mais preocupado.

- E por que esses vieram tão à frente? O que eles estão procurando?

- Eu os ouvi conversando, quando nos capturaram – contou Ybytu. – Eles querem destruir os maiores locais de poder, querem destruir os totens e eliminar bolsões de exército.

Ybytu viu o desconforto que tomou a todos. Foi involuntário os olhos de todos examinarem ao redor.

> E eles contavam com uma caveira bruta para guiá-los – continuou Ybytu.

- Uma caveira, aqui? Hum... Quanto a ela, vocês a tomaram? – perguntou RoupaSuja.

- Sim, ela foi encontrada entre os mortos, onde ela estava muito bem escondida. Nós a enviamos para o conselho nas garras de carcarás – contou PedraAfiada.

- Bom, muito bom – suspirou BraçoDePedra.

- Você disse que foram capturados. Onde está DenteDeAlho? – perguntou Uivo com os olhos fixos em Ybytu, seu coração batendo dolorido. Desconfiava da origem da imensa dor do amigo.

Ybytu ficou em silêncio, a face pesada, observando distraído o chão. Quando levantou o rosto havia uma dor silenciosa nele denunciada.

Todo ficaram em silêncio, aguardando se desfazer o nó que Ybytu tinha na garganta.

- Estávamos na comitiva de Adanu – conseguiu falar por fim, a voz pausada e distante, - quando encontramos sinais de um grande exército, que mais à frente se dividiu em dois. Um deles foi para o Oeste, e o outro para o Norte. Nós seguimos o exército do Norte. Passamos à sua frente e tentamos combatê-los. Para isso os dirigimos para as terras dos ellos e carcarás, esperando que, com eles, os destruíssemos. Mas os carcarás e os ellos não estavam lá - sorriu triste, olhando para o ellos e para o carcará. – Então fomos cercados e aprisionados. DenteDeAlho foi sacrificado. Eles queriam, assim, corromper aquela terra com um sacrifício ao deus deles. E, se não fossem os ellos e os carcarás, que retornaram para suas terras, eu também teria sido sacrificado[1].

- DenteDeAlho era um grande guerreiro, e morreu com honra! – murmurou Uivo respeitosamente, quebrando o silêncio que se fizera.

- E quanto a comitiva de Adanu? – Danbara quis saber.

- Temo por eles! Eles são poucos agora, e estão muito surrados. Adanu está ferido, muito ferido – revelou. – E Allenda está bem – falou, vendo a tensão que tomara o amigo.

Uivo ficou pensativo.

- Apesar de tão surrados, mesmo assim ainda saem para caçar um exército?

Ante o silêncio, Uivo resfolegou baixinho.

- Há algo mais, não há? – Jádina desconfiou.

- É sobre Tenebe – falou, os olhso procurando o rosto de Uivo.

- Eu já soube – Uivo contou.

- O que aconteceu com Tenebe? – Danbara perguntou, intuindo que havia algo importante ali.

- Ele se foi, com grande dignidade. Ele defendeu a comitiva de um manta que se preparava para atacar. Ele o matou, mas algo aconteceu. Ele se foi, desapareceu, e não sabemos para onde foi, ou o que pode ter ido fazer.

- Se foi? Desapareceu? Como assim? – perguntou, uma preocupação intensa anuviando sua face.

- As árvores nos contaram, e depois uma assembleia de famíliás confirmou, que o viram matar pelo menos um manta e depois, simplesmente, desaparecer... Ele sumiu no ar.

Jádina o observou cuidadosamente, se esforçando em ignorar o peito doído ao ver a expressão de dor em Uivo.

- O que mais há, Ybytu? – Danbara desconfiou.

- A pedra verde de Tenebe não era uma pedra comum – contou. – Os famíliás disseram que, antes de Tenebe sumir, viram a pedra se transformar em uma caveira esverdeada. Aparentemente era uma muta disfarçada.

- Só pode ser VidaSempre – suspirou RoupaSuja incrédulo. – Então ela estava oculta, às vistas – suspirou.

- Coisas de Tenebe, coisas de xamãs... – Ybytu disse por fim, vendo a dor em Uivo.

- É uma guerra dura demais para os homens... – sussurrou RoupaSuja.

Uivo sorriu, o olhar perdido na distância. Então, sem falar nada se afastou. Uma do crescia agora em seu peito, uma dor que surgia por ter, agora, um momento de paz. Sorriu triste ao se afastar, sentindo que tinha que se dar um tempo para suavizar suas dores.

Jádina ficou observando seu caminhar cansado e pesado, pensativo. Era um caminhar cheio de dor e recordações, podia ver.

- Vamos deixá-lo só, por agora. Deixemo-lo conviver com sua perda – falou Jádina ao ver que o estranho anjo fazia menção de ir atrás dele. – Quando ele se sentir pronto ele voltará.

O anjo parou e ficou observando-a, curioso, a aprovação estampada no rosto.

Jádina sorriu.

- E vocês? Vão seguir para o Oeste também? – Danbara perguntou, observando o ellos e o anjo.

- Sim... Se tem um grande exército por lá, vai ser interessante - falou BraçoDePedra. – Além disso, a comitiva de Adanu corre risco.

- Nós também seguiremos para aqueles lados – revelou o ellos PedraAfiada – Eles estão muito próximos de nossos domínios.

- E nós também – revelou PenaNoCéu, que permanecia empoleirado no mesmo galho, atento à reunião.

- E depois? – quis saber Jádina. – Quando esses inimigos forem abatidos, vocês todos voltarão para seus domínios e caminhos?

- A maior parte de nós, sim. Mas alguns de nós receberam autorização para se juntar aos danatuás. E o mesmo se dá com os carcarás.

Danbara observou o chefe ellos e o carcará, e sorriu satisfeita.

- Vai ser ótimo contar com guerreiros tão formidáveis quanto vocês.

O ellos e o carcará agradeceram o elogio.

- Estamos próximos aos pés das montanhas, e logo as serras começarão a subir sem descanso. Temos que deixar essas terras protegidas para podermos seguir em frente – completou BraçoDePedra, vendo que Jádina observava a ele e a RoupaSuja com a pergunta no rosto. - Esse exército que sobrou precisa ser destruído - declarou. – O caminho que virá depois, depois decidiremos. E quanto a vocês? Para onde vão? – perguntou se dirigindo à Danbara.

- Nós vamos continuar por esses lados. Soubemos que ainda há focos de ataques para o Norte. Vamos averiguar! Se não houver mais resistência pesada logo chegaremos ao ponto de encontro com o exército do conselho – revelou Danbara. – Agora vamos, vocês precisam descansar para poderem continuar o caminho. O dia não demora a raiar – falou, vendo Uivo retornar para junto deles.

Uivo ficou observando a movimentação no acampamento, e depois seus silêncios, os passos dissimulados dos vigias, os grilos e os pássaros da noite. O dia veio surgindo quando ele se espreguiçou e se levantou, a alma tranquila e em paz.

Não demorou e logo todos que iriam seguir viagem estavam prontos.

Danbara e Jádina olharam para o pequeno ajuntamento dos que iam partir.

- Vamos nos encontrar novamente, com todos vocês. Que as batalhas à frente sejam batalhas incríveis – Danbara saudou.

Uivo agradeceu, e olhou fundo nos olhos de Jádina, que o olhava divertida.

- Foi bom lutar com você novamente, puma, bom-demônio. Que seu caminho seja incrível.

- O mesmo para você, Jádina. Você é uma guerreira incrível. É sempre bom estar ao seu lado, quer dizer, vocês, ... ao lado de vocês – sorriu.

Danbara deu um sorriso para a irmã, antes de gritar que se preparassem.

Como uma orquestra, o exército de Danbara se mexeu. Humanos se ligaram a entes e, um a um, sumiram na direção do Norte, atrás dos montes suaves.

- Jádina, ... Não ficou esse cumprimento fora de lugar, por aqui? Havia muita eletricidade quando você falou esse nome - brincou BraçoDePedra, os olhos postos nas costas de Jádina, que se perdia no meio de sua comitiva.

- Vocês são uns trouxas! Vamos, temos que ir embora! Pode nos indicar o caminho, RoupaSuja?

- Vai ser fácil! – sorriu abrindo as longas asas. – Não seria bom se a bela Jádina viesse conosco? – riu.

- Acho que não – gritou BraçoDePedra. – A bela Allenda poderia se queimar com isso.

Uivo parou, olhando sem graça para os dois, que se poderaram, fazendo de conta que não lhe prestavam atenção.

Os carcarás piaram forte em revoada e se lançaram no ar, seguindo atrás de RoupaSuja. Após um sorriso cumplice BraçoDePedra e os ellos de PedraAfiada e sua tropa, juntamente com Ybytu, se puseram em trote.

Uivo inspirou forte.

Então se virou, no exato momento de ver Jádina, sobre um monte, silenciosamente observando-o.

Então a viu levantar as armas em despedida, logo se virando e se colocando dentro da comitiva que partia.

Uivo sorriu para o céu escuro e para o dia que nascia.

O dia amanhecia pesado, todo coberto de nuvens cinzas.

Um a um viu seus companheiros se poderarem, tomando o caminho em direção ao Oeste. Havia paz naquele dia, sentiu, uma paz cheia de promessas, uma paz perigosa. Seria um bom dia, previu.

Com um urro se poderou um pouco mais em demônio e se lançou para o alto, disparando atrás de RoupaSuja, ponto negro contra o fundo cinza do céu, que levava consigo um reclamão chamado BraçoDePedra.

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[1] Este evento está explanado no livro 3 de "Os danatuás", do mesmo autor.